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Laicidade e símbolos religiosos

Esta semana foi aprovada, em França, a lei que proíbe o uso de símbolos religiosos nas escolas públicas. Tal acto legislativo foi visto por uns como um atentado contra a liberdade de expressão, a liberdade religiosa e contra a comunidade islâmica; para outros, pelo contrário, é um marco, um símbolo da defesa da laicidade do Estado tão cara à República Francesa.

É um facto que a liberdade religiosa e a liberdade de expressão são direitos fundamentais de todos os cidadãos, independentemente de credos religiosos. Também é indiscutível que a laicidade é um valor fundamental do Estado. Ou seja, neste caso, temos valores inerentes a qualquer Estado de Direito Democrático em conflito.

Na verdade, não sei em que lado da barricada me devo colocar. A liberdade de expressão são-me caras e, apesar de ateia, não defendo o desterro dos religiosos para um qualquer local onde não seja possível sobreviver (solução que muitos religiosos defendem para os ateus)… Só que a laicidade necessita igualmente de defesa nos dias que correm.

A escola é um estabelecimento público do Estado, onde se ensinam crianças e jovens de acordo com um programa educativo laico, despojado de quaisquer considerações de índole religiosa. Sendo um espaço público e não privado, docentes e discentes devem estar sujeitos àquela laicidade o que implicará não usarem símbolos distintivos da sua “condição” de crente.

A tolerância de tal tipo de manifestações podia abrir um precedente: primeiro os véus, cruzes e afins; depois, raparigas a recusarem-se a ter aulas de educação física e a terem aulas em turmas mistas, cristãos a negarem o estudo de teorias evolucionistas, católicos a negarem a Inquisição e a recusarem a disciplina de educação sexual ou judeus a não quererem estar sentados ao lado de árabes. Numa Democracia os interesses privados não se podem sobrepor aos interesses públicos da comunidade.

Relativamente ao véu, o seu uso tem vindo a transformar-se num cavalo de batalha de grupos fundamentalistas islâmicos com o objectivo de manter as suas tradições machistas e de seguirem uma política isolacionista numa comunidade afastada da sociedade francesa. O véu, para a maior parte das mulheres islâmicas, simboliza submissão, a obrigação de se vergarem face à vontade de pais, irmãos e maridos. Uma nação europeia não pode ter dentro das suas fronteiras tais atentados à dignidade humana.

Para além disso, o argumento do “respeito pela sua cultura e identidade”, levado ao extremo, não tem fim. Tal slogan acaba por legitimar práticas tão bárbaras como a excisão feminina, a poligamia ou casamentos de jovens negociados pelos pais.

A França é um país de imigração. Todos os anos recebe milhares de indivíduos provenientes dos mais diversos cantos do mundo, cada um com as suas culturas e tradições. Ora, não devem ser esses indivíduos que devem procurar adaptar-se às regras liberais do país de acolhimento e renunciar a práticas incompatíveis com elas?

É inegável que todas as culturas devem ter um lugar numa sociedade aberta e multirracial, mas devemos ter cuidado quando aquelas entram em rota de colisão frontal com os valores defendidos por esta… pois são os valores da democracia, do respeito pela dignidade humana, da laicidade que asseguram a sã convivência entre sujeitos de diferentes religiões e crenças, que deverão ver o seu espaço de influência diminuído e o seu monopólio frustrado em nome da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.

Com tudo isto, pelos vistos, descobri qual o meu lado da barricada.