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6 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

Franco e a memória histórica

Abra-se o Google, procure-se uma enciclopédia, leia-se um pouco da História do século XX , e Franco está sempre entre os mais inclementes e frios assassinos da Humanidade.

Como pode, pois, uma família que se locupletou com os roubos que o ditador lhe legou, reclamar do opróbrio do presumível ascendente a honra de que se ufana e condicionar o Estado espanhol na tardia reparação que deve às centenas de milhares de vítimas, com a trasladação do cadáver para um sítio discreto?

A transição pacífica para a democracia permaneceu cheia de equívocos, com o medo a espreitar dos quartéis, as estátuas do ditador a decorarem as praças e as academias, e o franquismo a manter-se vivo no paço real, nos tribunais, nas escolas e nas igrejas.

Quando o ditador morreu, o rei que ora é julgado pela opinião pública por comissões em negócios, fuga de capitais e branqueamento de capitais, defendido de uma investigação por uma iníqua imunidade perpétua, deu-lhe como túmulo um monumento faraónico no Vale dos Caídos, um monumento de exaltação da vitória fascista sobre a República e de afronta às centenas de milhares de vítimas da sedição contra o regime legal.

Mais tarde, quando a viúva faleceu, Filipe Gonzalez deu-lhe, em terreno do Estado, um túmulo digno de figuras históricas que honram o passado de Espanha. Estes equívocos alimentaram o ego e a cleptomania dos descendentes, indiferentes aos crimes que não cometeram, mas de que se honram.

Hoje, quando a Igreja católica se tornou mais cauta, como sucede com todas as instituições, em democracia, e procura esquecer o seu passado sombrio na ditadura, é surpreendente como os herdeiros de Franco ainda detêm poder para estorvarem a reparação histórica que a democracia exige e os familiares das vítimas merecem.

Por que motivo Hitler, Mussolini, Pétain, Tiso, Salazar, Mosley ou Pinochet, bem como outros facínoras europeus de países colaborantes dos dois primeiros, ou Tojo Hideki, no Japão, não têm monumentos fúnebres a perpetuarem-lhe a memória?

Certamente, os familiares também haviam de gostar, mas, contrariamente a Franco, não tiveram sucessor imposto nem condições que o permitissem.

A urgência da trasladação dos restos mortais de Franco é uma questão de salubridade política e de justiça histórica.

5 de Novembro, 2018 Luís Grave Rodrigues

Arca de Noé

Esta é uma réplica da Arca de Noé.

Foi construída nos Estados Unidos com as medidas relatadas na Bíblia. 

Moral da história: se a religiões não fossem estúpidas, os fundamentalistas religiosos seriam pessoas sensatas… 

4 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

Epifania

2 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

A bênção do Multibanco

A caixa do Multibanco

Compreendo a bênção do gado para evitar moléstias que o dizimam, embora considere o ato mero placebo, assim como a bênção das armas dos países de determinada religião, para que o deus dos autóctones as ajude a matar os inimigos de um deus diferente.

Habituei-me cedo a ver crentes convocados para as novenas quando apertava a canícula e o renovo estiolava, às vezes com efeitos devastadores de uma trovoada a dizimar o que sobrava, talvez por excesso de rezas ou devoção a mais dos mendicantes.

As medalhinhas e santinhos ficavam valorizados com os sinais cabalísticos que o padre desenhava para os abendiçoar, mas as caixas multibanco não faziam parte da memória da minha infância, nem a água benta aspergia alfaias mecânicas porque, se as havia, não tinham ainda substituído a enxada, o arado e a foice ou não eram conhecidas.

Foi, pois, com enorme júbilo que tomei conhecimento do batismo católico de uma caixa multibanco, com o alto patrocínio da Câmara Municipal de Vila do Conde, depois de a anterior, certamente não abençoada, ter sido explodida e assaltada. À explosão violenta, com fins criminosos, procedeu bem o presidente da Câmara ao promover uma explosão de fé, com fins piedosos, à guisa de exorcismo.

A inauguração da caixa de multibanco com a bênção do padre da freguesia pode não ser demonífugo bastante para novo crime, mas o exorcismo patrocinado pelo edil e oficiado pelo abade, se não faz bem à alma dos paroquianos é uma bênção para o fígado dos incréus.

 

30 de Outubro, 2018 Carlos Esperança

Espanha – 30 de outubro de 1975

Há 43 anos, o maior genocida da História da Península Ibérica decidiu que Juan Carlos passasse a ser o chefe de Estado interino de Espanha, sob o pseudónimo de príncipe.

Francisco Franco fez da discricionariedade o método de decisão e da violência a arma do poder vitalício. O terror que infundiu condicionou o futuro de Espanha e o da posterior democracia cuja existência nunca admitiu ou sonhou.

O vil assassino, que morreu confortado com todos os sacramentos e rodeado de uma multidão de cúmplices do clero e das Forças Armadas, legou a Espanha um descendente de uma extinta monarquia, que mandara educar nas madraças da Falange.

A ditadura clerical-fascista extinguiu-se com a peçonha que a criara, mas o fascismo e o clero que a apoiou manteve-se incólume e resiste nos paços episcopais, paróquias, Forças Armadas e policiais, órgãos do poder e universidades que oferecem diplomas aos dignitários da direita.

A transição pacífica para a democracia poupou a Espanha a aventuras sangrentas de que só a desesperada tentativa do “23-F” foi exceção, sendo os cérebros, com escassos neurónios, os generais Milans del Bosch e Alfonso Armada, condenados a 30 anos de prisão que só em parte cumpriram.

O fracasso do golpe de Estado, de que muito provavelmente sairia chefe do Governo o general Alfonso Armada, foi atribuído ao alegado repúdio do rei. Foi uma excelente ideia para salvar a monarquia, mas não é crível que o general Alfonso Armada, que previamente informou os EUA e o Vaticano, cujas reações se desconhecem, encabeçasse um golpe contra o seu ex-pupilo. As cumplicidades civis não foram investigadas e só o líder franquista dos “sindicatos verticais”, Juan García Carrés, foi preso.

Enquanto se procuram silenciar as notícias sobre as valas comuns, onde jazem as centenas de milhares de vítimas do franquismo, fria e metodicamente assassinadas, depois de consolidado o poder contra a República democraticamente sufragada, a monarquia continua em Espanha, metida à sorrelfa na Constituição.

Os reis de Espanha são os chefes de Estado que o genocida escolheu e impôs.

Hoje, 43 anos depois de um dos últimos atos discricionários do sociopata que deteve o poder durante décadas, não podemos deixar de execrar o último ditador peninsular e denunciar as condições em que a monarquia foi reinventada.

Viva a República!

28 de Outubro, 2018 Carlos Esperança

O cardeal do Rio de Janeiro e a Igreja católica

Ontem, percorri o mural de um padre católico ‘amigo’, que partilhou o meu texto «Brasil – Subsídios para a História da Pulhice Eclesiástica», antecedido de críticas vigorosas ao cardeal Orani Tempesta e omisso quanto ao que escrevi. E no Funchal!

Numerosos leitores seus, com uma única exceção, de apoio a Bolsonaro, execraram a conduta do cardeal e a da Igreja a que mostravam pertencer, sem a mais leve censura ao conteúdo ou à forma do que escrevi.

É de elementar justiça identificar o carácter polissémico do catolicismo e o percurso que grande parte dos seus crentes e clérigos fizeram. Não provam a existência de Deus, mas tornam a sua Igreja um culto melhor frequentado do que o de várias Igrejas evangélicas, sem merecer a torpeza de ser associada à implacável intolerância a que o islamismo está a conduzir os seus crentes.

Tiro, pois, o meu chapéu ao papa católico e a numerosos padres que procuram conciliar a crença com o respeito pelos direitos humanos e a militância por uma sociedade mais justa e tolerante, alheios à companhia de ateus e outros livres-pensadores onde, aliás, se encontram também homens e mulheres pouco recomendáveis.

Não pode, no entanto, a civilidade e humanismo de alguns sectores que acertam o passo com a modernidade e o humanismo, desculpar os primatas paramentados que o Concílio de Trento continua a formatar, especialmente os purpurados que João Paulo II legou.

É frequente um bispo perder a cabeça pelo barrete cardinalício, mas é imoral abdicar do cérebro pelo poder clerical e a cumplicidade com ditadores. Orani Tempesta, cardeal do Rio de Janeiro, voltou a recordar-me o epíteto de Camilo a Frei Gaspar da Encarnação, «uma santa besta», com fortes suspeitas de que este primata purpurado não seja santo.

Na Igreja católica, onde cada gesto assume marcado valor simbólico, a assinatura de um compromisso com o torturador fascista não é apenas a cumplicidade entre dois fascistas, é a nódoa na Igreja, presa aos seus preconceitos e vulnerável aos ataques de que é alvo.

O cristianismo, protestante e católico, tal como as gerações que hoje votam, esqueceram o nazi/fascismo, popular na década de trinta do século passado, mas só a Igreja pode ser responsabilizada pela amnésia da sua própria cumplicidade. E pela reincidência.

27 de Outubro, 2018 Carlos Esperança

Brasil – Subsídios para a História da Pulhice Eclesiástica

 

A cerca de dez dias da segunda volta das eleições brasileiras, o arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal criado por Bento XVI, Orani Tempesta, recebeu o candidato Jair Messias Bolsonaro.

O cardeal havia de saber que Bolsonaro não era o Messias que surgia para o iluminar, mas o candidato que o procurava para o comprometer. Contrariamente à IURD e a outras Igrejas evangélicas, que declaradamente o apoiavam, o prelado católico tinha a oportunidade de manter a decência. Bastava-lhe anunciar a recusa de receber qualquer dos dois candidatos que disputam a segunda volta, a fim de preservar a neutralidade da Igreja católica de que é um membro proeminente.

Recebeu-o. Foi a sua decisão. Dificilmente convencerá alguém de que o Espírito Santo exista ou, no mínimo, que o tenha ajudado no entendimento.

Sabe-se mais da alegria que percorreu os corredores episcopais, durante o encontro, do que da conversa entre o cardeal Tempesta e o capitão Bolsonaro, mas não há dúvidas de que, em alguns pontos, são gémeas as almas dos dois, e não se conhece um único ponto de discordância.

Da visita resultou um “compromisso formal”, assinado por ambos, contra “o aborto, a educação sexual e a legalização das drogas e em defesa da família e da liberdade religiosa”.

Quem, após o histórico compromisso, na sequência da fotografia que os perpetuará na História, fez a síntese do documento assinado, talvez benzido, foi Bolsonaro:

“É o compromisso que está no coração de todo o brasileiro de bem.”

A partir do próximo domingo, Jair Bolsonaro, Edir Macedo e Orani Tempesta serão ungidos pelo voto como «brasileiros de bem».

Deus, na sua inexistência, há muito que mostra a falta de jeito para milagres e o silêncio perante a pulhice eclesiástica. 

23 de Outubro, 2018 Carlos Esperança

Deus, religião e crentes

Há quem não aceite que Deus é uma criação humana, a muleta para as nossas fraquezas, a explicação por defeito para as respostas que não sabemos, no fundo, uma necessidade para quem se habituou a uma dependência que, quase sempre, lhe foi incutida desde que nasceu e preservada por constrangimentos sociais.

A perversão das crenças reside na origem, na perversão dos homens que as inventaram e que lhes transmitiram a marca genética dos seus preconceitos e superstições.

O humanismo foi construído quase sempre contra as religiões, contra os deuses sedentos de sacrifícios, sofrimento e conservadorismo, defeitos que têm profissionais zelosos ao serviço da sua divulgação.

Ninguém se permitiria condenar à morte quem deixa de acreditar numa lei da física ou num axioma, mas os clérigos exigem a eliminação física dos apóstatas ou dos hereges, estes meros crentes divergentes na interpretação das alegadas mensagens de um deus imaginário.

A História ensinou-nos a relativizar as ideias na sua permanente evolução, quase sempre influenciadas pelo avanço das ciências e a apoteose de novas descobertas, mas as ideias religiosas resistem até ao absurdo, com polícias dedicados, sempre prontos a castigas os réprobos e a aplicar a jurisprudência da Idade do Bronze.

A paz não pode ser conseguida com verdades absolutas e imutáveis. É por isso que os Estados modernos, devem tratar as religiões como quaisquer outras associações em que a plena liberdade de formação não as exime ao Código Penal e os seus atos ao escrutínio da lei.

Não percebo por que motivo uma religião possa ter normas jurídicas próprias no Estado de direito, ter conventos de cuja inspeção o Estado se demita, para avaliar se as pessoas estão ali de livre vontade ou se se trata de cárcere privado e, sobretudo, conseguir furtar-se aos impostos sobre os bens e ao escrutínio sobre a forma da sua aquisição.