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11 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

A América que não muda

Sob o título «A América que não muda» (Público, 10/11), José Pedro Zúquete (JPZ) justifica com comovente ternura a vitória de Bush com argumentos certamente procedentes e, outros, de beata motivação e manifesta debilidade.

Entre estes últimos encontram-se os que atribuem aos EUA uma religiosidade que lhe terá sido legada pelos fundadores, na sua grande maioria ligados à maçonaria, livres-pensadores e defensores do laicismo, valores que impregnam a Constituição americana e constituem a marca genética dos princípios democráticos, liberais e tolerantes que a caracterizam.

Há, aliás, uma evidente contradição quando JPZ afirma que «desde o início houve a separação da Igreja e do Estado» imediatamente após ter afirmado que «desde o início da história americana que a política abraçou a religião», fazendo tábua rasa do carácter laico, historicamente pioneiro, da Constituição.

Muitas das «figuras sagradas» dos EUA a que alude foram agnósticas e, entre as maiores, houve quem considerasse o cristianismo como um conjunto de meras superstições. Mas, na ânsia de reescrever a história do grande país e justificar os desvios recentes, JPZ não hesita em apoiar-se nas referência religiosas que acompanham os símbolos da soberania como se essas referências fossem uma herança da fundação e não tivessem aparecido apenas no séc. XX sob influência de radicalismos religiosos.

Atribuir a um país com uma constituição profundamente laica carácter não laico, o que a deriva metodista e outros fundamentalismos evangélicos se esforçam por desvirtuar, é uma mistificação que serve os desígnios de um proselitismo agressivo e trai a verdade histórica e os princípios de tolerância religiosa de que os EUA são herdeiros.

Quanto à ligação que JPZ estabelece entre Deus e liberdade e entre democracia e religião, deve esquecer-se que a Bertrand Russell foi negada a liberdade de ensinar nos EUA, por ser ateu, e que a religião que obriga ao estudo do criacionismo bíblico e, se possível, à proibição do estudo do evolucionismo não é certamente uma referência democrática nem um caminho recomendável.

«A América que não muda» é apenas a América que mudou. Para pior.

11 de Novembro, 2004 Palmira Silva

E agora?

A autoridade palestiniana declarou a morte de Yasser Arafat.

Que irá agora acontecer nesta zona tão conturbada do globo com a morte do carismático líder palestiano, cuja aversão a rivais impediu uma sucessão clara e incontestada? Será que vai emergir o líder forte que permita as negociações efectivas da paz que Israel sempre reclamou ser impossível com Arafat? Ou os conflitos alargar-se-ão a disputas internas pela liderança palestiniana? As próximas horas podem ser cruciais…

10 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Haia fecha espaço aéreo

Na sequência de uma explosão que ocorreu no decurso de uma operação policial anti-terrorismo, o espaço aéreo sobre a cidade de Haia está fechado ao tráfego de aeronaves civis.

As autoridades holandesas não explicitaram se a operação antiterrorista está relacionada com o homicídio do realizador Theo Van Gogh por um cidadão de 26 anos com dupla nacionalidade marroquina e holandesa, que despoletou uma onda de violência por toda a Holanda.

A espiral de violência de que duvidava o João Vasco ainda ontem parece ter começado…

10 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Mar Adentro – História de uma cabeça sem corpo

Recentemente, em Madrid, tive o privilégio de assistir à estreia do filme «Mar Adentro», do conceituado realizador espanhol Alejandro Amenábar.

Trata-se de uma história polémica, baseada na vida de Ramón Sampedro. Um homem que há anos atrás chegou a aparecer na televisão portuguesa e que volta hoje ao grande ecrã na pele de um actor que traz vida ao olhar enigmático de Ramón.

Ramón é um homem tetraplégico há quase três décadas, que não acredita na vida para além da morte. Dependente dos cuidados da família, a sua única visão do mundo é uma pequena janela do quarto, de onde sai uma ou duas vezes por ano. Enquanto jovem, viajou pelo mundo como marinheiro, mas, um dia, esse mesmo mar mudou o trajecto de uma vida, até então, excitante.

Após o incidente, o seu único desejo, morrer com dignidade, foi-lhe sempre negado pelos senhores da lei. Para Ramón, a vida é um direito e não uma obrigação, «sou uma cabeça sem corpo» – dizia. No entanto, duas mulheres vêm alegrar a sua vida e ajudá-lo na conquista de uma morte digna. Contra a decisão do tribunal, de não lhe conceder o direito à eutanásia, Ramón desenvolve um engenhoso plano que conta com a ajuda de onze amigos e sabe que quem o ama verdadeiramente é aquele que o ajuda na sua última viagem.

O filme premeia-nos, ainda, com um excelente diálogo entre Ramón e um padre paraplégico que tenta convencer o nosso herói suicida de que a vida pertence a Deus e só Deus tem o direito de a tirar. Não se lembrou, o mui distinto senhor padre, de que a instituição que representa sempre teve uma afinidade promíscua com a pena de morte.

Recordemos, então, brevemente, numa sala de cinema, este homem a quem saudamos e de quem temos saudades.

Um artigo de Aires Marques

9 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Blasfémias

Nos últimos tempos alguns dos posts do Blasfémias têm motivado acesas discussões sobre religiões e relações religião/política. Gosto especialmente deste post do blasfemo CAA:

«o anti-clericalismo, numa cultura impregnada com o ar bafiento de sacristia como é a nossa, nada mais é do que uma forma sã e desempoeirada de abrir a janela da razão e conseguir respirar ar puro e, sobretudo, de combater o atrofiamento cerebral que colectivamente nos ataca há tanto tempo. Ora, acontece que o clericalismo – entendido como a devoção pela máquina administrativa que detém posição dominante no mercado das crenças, bem como a quase-adoração idólatra pelos seus agentes in personna – vivifica precisamente nesses ambientes intelectualmente entupidos.

Donde, o anti-clericalismo é um esforço válido de romper a má tradição do estado abúlico em que os portugueses estão submersos.

E nunca será fanatismo porque não conheço qualquer posição anti-clericalista que reivindique ter «visto a Luz». Esta imagem não faz nenhum sentido – quem julga ver «luzes» e ouvir «vozes» são os que pretendem encontrar em qualquer acaso um milagre e em qualquer cura uma intervenção divina, i. e. os devotos das crenças atreitos ao amor clerical.

Os anti-clericalistas só querem a boa separação das águas entre as crenças dos outros e as sua próprias vidas, entre o sagrado e o profano. No fundo, só desejam que os servos dos auto-intitulados intermediários com o divino os deixem em paz.

E ao contrário destes, nada pretendem impor, antes fazer pensar para melhor se poder optar.»

Um post que faz jus ao motto do blog, A Blasfémia é a melhor defesa contra o estado geral de bovinidade!

9 de Novembro, 2004 jvasco

Espiral de violência?

Espero bem que esta notícia do público sobre uma resposta, sob a forma de uma bomba, ao assassínio de Theo van Gogh, não signifique o início de uma escalada de violência.

Se as motivações religiosas do assassínio eram claras, e foram aqui veementemente condenadas, as motivações deste atentado, religiosas ou não, merecem também o nosso repúdio.

Duvido que a violência se alastre incontornavelmente, e que situações destas se voltem a repetir na Holanda a curto-prazo. Mas se estiver enganado, e em vez disso as tensões culturais e sociais se agravarem (como muitos receiam) ao ponto destes eventos terem sido apenas o início, não será a primeira vez que a causa dessa violência pode ser atribuída ao fanatismo religioso.

9 de Novembro, 2004 jvasco

A navalha de Occam

Kepler descobriu que os planetas circulavam em volta do Sol com órbitas elípticas. A terra não era o centro do mundo, e as órbitas não eram esferas perfeitas. Ele conseguiu isso através dos dados de Thyco Brahe, os mais precisos da época. Mas ele podia ter concluído outras coisas, ele podia ter concebido um modelo muito mais complexo, do ponto de vista matemático, no qual a terra fosse o centro do Universo, e que fosse coerente com os dados.

Em termos epistemológicos, hoje ainda podemos conceber a possibilidade de criar um modelo no qual a terra está no centro do Universo, o qual seja coerente com todos os dados experimentais até agora obtidos. De forma mais extrema, podemos supor que todos os corpos se movimentam ao acaso e que a força da gravidade foi uma gigantesca coincidência que se verificou até hoje, e que, curiosamente, se continua a verificar.

Epistemologicamente, no extremo, não podemos contradizer essa teoria, considerando-a falsa. Então porque é que essas parvoices são descartadas? Pelo princípio da navalha de Occam.

Entre duas teorias coerentes com a totalidade dos dados experimentais (obtidos no passado, ou que possam ser obtidos por experimentação acessível), escolhemos a mais simples, a que necessita de menos suposições e menos coincidências. É um princípio razoável e racional.

E, ao longo da história da ciência, tem-se mostrado muito útil e certeiro.

Podemos sempre supor que possa existir um Deus que é coerente com a sua ausência de manifestação até hoje.

Mas eu, enquanto não descobrir dados incoerentes com a hipótese mais simples (a sua inexistência) vou escolhê-la como a minha «hipótese de trabalho» ou seja, aquilo em que acredito.

Tal como em relação à existência da força da gravidade e demais leis físicas.

8 de Novembro, 2004 jvasco

Sobre o Mal…

«Se o mal é a ausência de Deus, então Deus não é omnipresente»

As religiões podem ter explicações simples e acessíveis para o mal. Mas essas explicações encorajam uma visão maniqueista e unidimensional do mal, visão essa que pode, em si, causar mal.

Esta página intitulada «à procura do mal» aborda precisamente esse problema. Mostra como as concepções do mal foram evoluindo com a história do pensamento, para acabar por mostrar como podem afectar a justiça e a aplicação da lei. Aconselho vivamente!

8 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Notas Piedosas

Holanda – O realizador Theo van Gogh foi sucessivamente baleado, esfaqueado e degolado como represália pelo documentário em que denunciou o tratamento bárbaro a que os muçulmanos do Magreb sujeitam as mulheres. O islão é uma religião de paz.

Évora – A abertura do ano escolar contou com um colorido travesti – o bispo da diocese -, que, com as vestes talares, deu um toque de exotismo às cerimónias fúnebres do início do ano lectivo. O que faz um bispo, numa universidade do Estado, sem estar matriculado?

Bíblia manuscrita – Os presidentes da República, da A.R. e do Tribunal Constitucional acolitaram o patriarca Policarpo na promoção comercial do maior êxito editorial de sempre, embora com poucos leitores. Os copistas, em vez dos 35.700 versículos, não fariam melhor em divulgar Camões, Aquilino ou Saramago?

Evangelização – Um crente entrou dentro de uma jaula de leões para lhes garantir: «Jesus irá salvar-vos». As feras, com pouca fome e menos fé, limitaram-se a arranhar o piedoso pregador, deixando-o nas mãos dos funcionários do zoo em vez de o enviarem directamente para o Paraíso.