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Terrorismo religioso na Europa: reflexões sobre a Holanda

O assassínio do cineasta Theo van Gogh despoletou uma tensão, por muitos descrita como étnica mas na realidade religiosa, nunca conhecida numa Holanda encarada como o paradigma da tolerância, da liberdade de opinião e de expressão, da integração de todos com absoluto respeito pelas suas especificidades culturais.

Todos os paradigmas se desmoronaram em escassos dez dias… O bárbaro, injustificado e injustificável assassínio do realizador, por motivos puramente religiosos, está a ser lido pelos holandeses como um aviso de guerra, uma ameaça aos valores da sua sociedade multicultural e tolerante com que não estão dispostos a compactuar.

Na carta cravada a talhe de carniceiro no corpo de van Gogh são dirigidas ameaças explícitas a Ayaan Hirsi Ali, sendo igualmente visados outros políticos considerados «inimigos do Islão», Geert Wilders, a ministra da Imigração, Rita Verdonk, e o prefeito de Amesterdão, Job Cohen (de origem judaica).

O ministro da Justiça holandês, Piet Hein Donner, depois de a ler, afirmou numa conferência de imprensa que «A carta expressa uma ideologia religiosa extremista e nela os inimigos do Islão são advertidos de que devem temer pela sua vida» acrescentando que «contém ameaças e cita a ‘guerra santa’ lançada pelos muçulmanos extremistas».

O atentado contra Theo van Gogh, assumidamente assassinado por se atrever a expressar a sua opinião sobre a religião islâmica, suscitou na Holanda o medo de uma situação semelhante à vivida nos Balcãs, onde o reacender dos conflitos religiosos entre bósnios muçulmanos, sérvios ortodoxos e croatas católicos foi o rastilho da sangrenta guerra que resultou no desmembrar da Jugoslávia.

A resposta do governo holandês foi imediata, nomeadamente no reforçar das medidas de segurança e policiais. Mas também foi decidido retirar a nacionalidade holandesa a todos os emigrantes que ajam contra os interesses do estado e obrigar os imãs a falar holandês nas mesquitas. E a ministra Rita Verdonk afirmou, numa conferência sobre integração, que toda a Europa deve combater a radicalização de jovens muçulmanos, já que «a Europa não se pode converter num reduto de terroristas muçulmanos» e que «os governos Holandeses foram muito ingénuos ao dedicar pouca atenção aos elementos radicais na sociedade».

Enquanto os holandeses fazem a sua introspecção à procura de uma resposta para o que correu mal neste país com uma tradição centenária de tolerância, berço de pensadores humanistas revolucionários, como Erasmus ou Spinoza, a imprensa internacional quasi que ignora o sucedido reservando as manchetes para o funeral de Arafat e outras minudências. Com alguns periódicos europeus, por exemplo o diário dinamarquês Politiken, a compararem a investigação policial na capital internacional da paz, Haia, à noite de Cristal nazi. Com excepção da imprensa espanhola, claro, especialmente porque existem suspeitas de ligação entre os autores do atentado que abalou a Espanha e o grupo a que pertence o assassino de van Gogh. O El Mundo escreveu esta semana que «toda a Europa se deve espelhar na Holanda para evitar que o mal se propague ainda mais».

O fundamentalismo religioso, seja de que confissão for, é a pior ameaça à humanidade na actualidade. O reconhecimento inequívoco deste facto, sem reacções de avestruz ou complexos «les main sales», urge ser feito! Há assuntos cuja gravidade não lhes permite serem tratados de forma «politicamente correcta», até porque este é um problema religioso que os fundamentalistas islâmicos tentam capitalizar transformando-o numa questão étnica (que o não é).

Não nos podemos deixar manipular e manietar por fanáticos de qualquer religião por medo que esgrimam (falsas) acusações de racismo, intolerância ou discriminação. Assim como o parlamento europeu rejeitou Rocco Buttiglione deve responder de forma ainda mais firme a estes atentados (mais graves) contra os valores e direitos fundamentais defendidos por uma Europa aberta, laica, pluralista e tolerante. Antes que seja demasiado tarde, porque este não é o episódio isolado e irrelevante que o silêncio da maioria dos fazedores de opinião faz subentender…