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Categoria: Laicidade

26 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

Discorrendo sobre a fé

Um dos conceitos mais retrógrados e violentos é certamente o carácter sagrado que se atribui ao que quer que seja. É uma forma de impedir a crítica, de subordinar a razão à fé, de conferir carácter divino ao que, tantas vezes, é inevitavelmente idiota.

A fé é um direito de todos, tal como a crítica, embora esta tolere aquela ao contrário da fé que se relaciona com a crítica como Maomé com o toucinho.

Um ateu, por mais estúpido que seja, não aceita que se possa ser punido pela crença. Já o crente, mesmo o mais inteligente, prescreve aos ateus e crentes de outras confissões a conversão à única religião verdadeira – a sua. É esta demente convicção de que há um único deus verdadeiro que faz de uma pessoa de bem num perigoso prosélito.

Os monoteísmos estiveram quase a atingir a verdade quando consideraram todos os outros deuses falsos. Foi por 1 que não fizeram o serviço completo, que não libertaram a humanidade da herança dos medos que germinaram no húmus da ignorância. Os lucros gerados pelas religiões e a legião de parasitas que medra á sua custa, não pode consentir que seque a fonte de rendimentos.

Para os ateus não constitui inquietação a imortalidade da alma, a preocupação reside na imortalidade da mentira. A matéria transforma-se, mas a alma permanece à medida das necessidades dos padres e da imaginação dos néscios.

As religiões não passariam de uma distracção inofensiva se não gerassem o proselitismo e o ódio fanático. Os ateus não procuram converter crentes mas estes só não exterminam os ateus se o açaime da lei e da secularização os impedir.

Deus é uma quimera que rende dinheiro no mercado da fé e, por isso, é eterno como o medo e a ignorância. Também por isso a luz da razão acossa a superstição e aflige o fanatismo.

25 de Fevereiro, 2008 Ricardo Alves

Desvario judaico

Um deputado do partido israelita Shas afirmou no Parlamento que «a homossexualidade causa terramotos». O deputado ultra-ortodoxo estava a protestar contra o facto de não apenas os casamentos entre pessoas do mesmo sexo serem reconhecidos em Israel (desde que realizados no estrangeiro), como de agora estes casais passarem a poder adoptar.

O deputado não explicou que género de deslocação nas placas tectónicas provocaria o reconhecimento do casamento civil em Israel.

23 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

Itália – Combate à laicidade

A Itália é o país onde os crentes se queixam de viver longe de Deus e perto do Vaticano, embora dependa da fé a distância do mito e da geografia a que separa o antro papal.

É um facto histórico que o bairro de 44 hectares mal frequentados, onde se concentram os mais bizarros e garridos vestidinhos por metro quadrado, a acompanhar as barrigas de eminentes eclesiásticos, foi criado pelos acordos de Latrão, sob os auspícios de Benito Mussolini a quem o Papa de serviço definiu como enviado da Providência.

Não se duvidaria da maldade da Providência se, acaso, fosse provável a sua existência. Já o Papa, os cardeais, arcebispos, bispos, monsenhores e padres são uma realidade que infesta o Vaticano e polui numerosos países. Foi essa gente que apoiou o fascismo, na sua quase totalidade, que conseguiu a troco de umas indulgências e bênçãos especiais tornar o ensino católico obrigatório e plantar cruzes em todos os edifícios públicos, especialmente nas escolas e tribunais.

Acontece agora que um juiz, na defesa do laicismo, se recusa a proceder a julgamentos com o sinal mais dependurado na parede, com ou sem o atleta espetado com ar de ter sido crucificado por um bando rival da Camorra.

E o que sucede ao juiz por este acto de civismo, pela atitude pedagógica, pela dignidade do seu comportamento? É louvado? Promovido?
– Não, é simplesmente perseguido.

Um tribunal italiano condenou quinta-feira esse juiz a um ano de prisão e outro de suspensão de carreira por ter suspendido três audiências devido à existência de um crucifixo na sala.

Um cirurgião não pode operar num bloco infectado, mas um juiz é obrigado a julgar numa sala onde se impõe o símbolo de uma religião particular que ainda beneficia do seu conluio com o fascismo. Está em causa a laicidade do Estado e a higiene pública.

21 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

A fé e a civilização

A benevolência de que gozam as religiões nos crimes que cometem e nos actos indignos que defendem, ou permitem, é uma forma de colaboração com a barbárie e a renúncia à defesa de princípios éticos que nenhuma tradição pode pôr em causa.

 Nas Filipinas há católicos que se fazem crucificar voluntariamente. É ultrajante para a dignidade humana e uma crueldade que a civilização repudia. Permitir a perpetuação de semelhante desumanidade, em nome da tradição, envergonha a religião que a tolera e os crentes que a permitem.

Na Guiné, perante o projecto parlamentar de abolir a prática da mutilação genital feminina, os dirigentes muçulmanos consideraram a pretensão como uma «afronta ao Islão». Repudiam a eventual aprovação de legislação contra a prática «ancestral» da mutilação genital feminina porque – segundo eles – «incorrem num grave erro e numa afronta ao Islão» se deliberarem abolir um dos «sunnas», (mandamentos, em árabe) da religião muçulmana.

 E então? Qual é o problema de afrontar o Islão ou qualquer outra religião que ofenda os direitos humanos? Por que razão se pactua com as barbaridades ancestrais? Se Abraão era doido e estava disposto a sacrificar o próprio filho para agradar a Deus o que leva as pessoas civilizadas a condescenderem com a superstição e a crueldade?

 Não há uma guerra de civilizações, há, sim, uma guerra entre a civilização e a barbárie e a cobardia que consente a violência tribal, em nome de uma repugnante tradição, se sobreponha aos princípios humanistas e aos avanços civilizacionais.   

Nota – Em 3 de Agosto de 2006, líderes católicos, muçulmanos e judeus uniram-se para condenar a cantora Madonna por encenar uma crucificação no show que realizaria na capital italiana, no domingo seguinte, a poucos metros da Cidade do Vaticano. Era uma mera encenação. Quando é a sério, unem-se calados.

18 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

Os loucos de Maomé

O proselitismo islâmico é partilhado por numerosos crentes para quem os direitos humanos, a igualdade entre os sexos, o laicismo e a liberdade individual são crimes que urge erradicar, em nome de Maomé.

Um primata que a imprensa europeia descreve como muçulmano moderado, o primeiro-ministro turco Erdogan, vê na assimilação um «crime contra a humanidade», depois de ter afirmado publicamente que compreendia o assassínio dos juízes que consideraram inconstitucional o uso do véu islâmico nas escolas, antes de ele próprio ter liderado as alterações constitucionais que agora o permitem.

A Europa civilizada e culta, sob pressão dos dignitários das Igrejas autóctones, descura a única arma que pode conter o proselitismo – a laicidade. Perante as manifestações de barbárie contra a civilização e da fé contra a liberdade, a Europa assiste ao fracasso da sua política de integração, assusta-se e vê a extrema-direita e os minaretes a desafiarem a tolerância e a paz construídas na sequência de sangrentas guerras religiosas.

É tempo de afirmar a supremacia do Estado de direito sobre as convicções particulares, sob pena de transformar os cidadãos em súbditos e os governantes em acólitos da religião dominante.

13 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

Assim, NÃO

Mesquitas serão proibidas na Áustria

Combater ideias é uma coisa, impedir a liberdade religiosa é outra, inaceitável para a democracia. Como ateu, manifesto o mais vivo repúdio por tal decisão, de contornos fascistas.

12 de Fevereiro, 2008 Ricardo Alves

César conquista Bruxelas

Soube-se oficiosamente há poucos dias que João César das Neves, também conhecido como «Abominável» ou «Cavaleiro da Pérola Redonda», é o responsável da Comissão Europeia, nomeado por Durão Barroso, para o diálogo com as confissões religiosas.

Como os laicistas tinham alertado atempadamente, o «Tratado de Lisboa» arriscava-se a prever no seu artigo 15º (como todas as suas versões anteriores previam, aliás), que «a União [Europeia] estabelecerá um diálogo aberto, transparente e regular com as referidas igrejas». Ou seja, ao invés de ser uma comunidade política laica, a UE pretende dotar-se de um «departamento» para dar um papel às confissões religiosas nos debates políticos europeus.

Curiosamente, apesar de o tratado ainda não estar aprovado, a Comissão Europeia decidiu desde já «avançar trabalho» e proceder à criação de esta espécie de «assessor/director-geral» para o diálogo com as confissões religiosas. E o feliz nomeado para o lugar é João César das Neves.

11 de Fevereiro, 2008 Ricardo Alves

Clericalismos unidos contra a laicidade

    «O chefe da igreja anglicana afirmou que os muçulmanos que vivem no Reino Unido deviam ter os seus próprios tribunais, pois nem todos se conseguem adaptar ao sistema legal em vigor no país, nomeadamente, em questões de conflitos civis entre casais ou em questões financeiras.» (Rádio Renascença)

As declarações do líder da Igreja Anglicana a favor da introdução da chária no Reino Unido (já comentadas pelo Carlos) só podem surpreender quem ainda não compreendeu que uma das principais clivagens políticas deste início de século não é entre capitalismo e socialismo, esquerda e direita, ou «ocidente» e islão, mas sim entre o laicismo e os vários clericalismos (cristãos e islâmicos), que estão sempre prontos a unir-se para o combate contra um mundo onde a política, a ciência e, em breve, a ética, são cada vez mais áreas onde a religião não conta. No futuro, veremos os clericalismos unidos na defesa de uma sociedade em que cada comunidade confessional tenha as suas regras definidas pelas hierarquias das religiões tradicionais, contra o «reviralho» laicista que insiste em que as regras se definem em parlamentos democráticos onde os dogmas das religiões não entram.

Aquando da crise dos cartunes, esta tendência já fora diagnosticada pelos observadores mais atentos (nomeadamente, o Diário Ateísta). As declarações de Rowan Williams, e as reacções de outros representantes religiosos, demonstram que tinhamos razão.

10 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

A Turquia e o véu islâmico

Nos estados laicos, sem risco de recidivas teocráticas, é inadmissível e paradoxal usar qualquer proibição para assegurar a liberdade individual. Vão longe os tempos em que as mulheres católicas eram obrigadas a usar véu, na igreja, porque o apóstolo Paulo de Tarso considerou o cabelo e a voz das mulheres coisas obscenas, convicção que teve outro efeito secundário – a castração de jovens para evitar mulheres nos coros sacros.

Surpreende que quem defende o direito ao uso do véu islâmico não reflicta nos motivos da sua proibição por Mustafa Kemal, o Atatürk, fundador da Turquia moderna, e na oposição, aparentemente paradoxal, dos sectores laicos e progressistas.

Em primeiro lugar a exibição pública do adereço é um confronto aberto com a laicidade estimulado pelos sectores clericais cujo proselitismo tem na agenda, logo que Alá o queira, a imposição da Sharia. Alá não se pronunciou mas o apelo das mesquitas fez-se ouvir e levou à emenda constitucional que permitirá às alunas o uso do véu islâmico dentro das universidades.

Não é preciso ser profeta para prever a pressão oriunda da função pública a exigir igual «regalia», sem ter em conta que o véu é um símbolo de opressão da mulher, visto com entusiasmo por homens conservadores e por uma sociedade cuja reislamização não tem parado.

O problema não reside na permissão, surge quando o direito se converter em imposição, os islamitas moderados se tornarem fundamentalistas e o véu for substituído pela burka.

Vital Moreira, sempre tão lúcido e perspicaz, não compreende a proibição e, no campo dos princípios, tem razão, mas quem lê o Corão e reconhece a frenética actividade das madraças não duvida da escalada clerical e dos constrangimentos sociais para fazerem da Turquia laica mais um Estado islâmico com os direitos, liberdades e garantias que o arcanjo Gabriel ditou a Maomé para serem impostos segundo a vontade de Alá.