Loading

Categoria: Laicidade

2 de Abril, 2008 Ricardo Alves

Agitar um espantalho para pedir dinheiro

As palavras de Jorge Ortiga, já referidas pela Mariana, merecem mais um pequeno comentário.

Quando o líder da CEP afirma que «o Estado democrático não pode ser militantemente ateu», eu concordo. Simplesmente, um Estado militantemente ateu mandaria fechar as igrejas, eventualmente poderia prender sacerdotes apenas por o serem, e promoveria o ateísmo através do sistema de ensino, com aulas refutando explicitamente o teísmo. Foi o que aconteceu na Europa de Leste em maior ou menor grau, com variações de espaço e tempo consideráveis, mas todos os laicistas portugueses condenam hoje esse género de práticas políticas. Ninguém em Portugal, que eu saiba, defende o ateísmo de Estado. Ortiga gosta de confundir laicidade de Estado com ateísmo de Estado, naquilo que é a típica táctica de agitar um espantalho.

Em segundo lugar, quando Ortiga pede que «[o Estado procure] satisfazer a opção dos cidadãos a quem proporciona as condições necessárias para viver a sua religião», pede no fundo que a religião seja apoiada activamente pelo Estado. Acontece que a religião, ao contrário da saúde e da educação, não é um direito social. É um direito político e cívico. As confissões religiosas só podem pedir ao Estado que garanta a liberdade individual de professar ou mudar de religião, a liberdade de associação, e a liberdade de manifestar a sua crença ou mantê-la privada. Tudo o mais (subsídios ao culto, isenções fiscais, aulas de religião na escola pública, capelães hospitalares pagos pelo Estado), é um abuso que terá um dia de terminar. Esperemos que amanhã seja a véspera desse dia.

1 de Abril, 2008 Mariana de Oliveira

Intervenção a bem da nação

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa exortou os católicos a intervirem mais na sociedade, perante um Estado que não deve ser «militantemente ateu».

Se a tolerância é cada vez mais a base da «sociedade pluralista» actual, regista-se hoje «uma incrível exclusão da presença católica dos ambientes públicos e políticos», afirmou D. Jorge Ortiga.

«Não podemos aceitar ser excluídos dum processo de humanização integral» e o «Estado democrático não pode ser militantemente ateu e deixar de reconhecer, respeitar e procurar satisfazer a opção dos cidadãos a quem proporciona as condições necessárias para viver a sua religião, respeitando as outras crenças», sustentou.

Para o arcebispo de Braga, «os cristãos portugueses devem manifestar que nunca abdicarão, em princípio e acções, dos seus direitos e das responsabilidades inerentes que derivam da simples cidadania».

Por isso, os cristãos «devem acordar para uma maior responsabilidade sócio-política» e «afirmar a sua capacidade de intervenção, não tendo medo de congregar ideias, suscitar iniciativas e delinear uma cultura», defendeu.

Na assembleia plenária desta semana serão eleitos novos órgãos directivos, mas o até agora presidente da CEP defende que o catolicismo «acredita num futuro marcado pelos valores que professa» e por isso «nunca poderá prescindir de dar o seu contributo à edificação dum país mais justo».

Na sua opinião, «a intervenção na vida social é estruturante do cristianismo», explicou o arcebispo de Braga que recusa fazer uma análise da actuação da Igreja baseada em «realidades estatísticas ou resultados de sondagens».

Fonte: Sol, 31 de Março de 2008.

31 de Março, 2008 Ricardo Alves

A chária já é aplicada na Europa

Há muitas pessoas que se preocupam, com alguma razão, com a possibilidade de a chária (lei islâmica) vir algum dia a ser aplicada em países europeus. Todos estamos recordados das recentes declarações do arcebispo de Cantuária (Reino Unido), sugerindo que alguns aspectos da chária fossem implementados para a população muçulmana da Inglaterra em assuntos de finanças ou família.

Acontece que a chária já é aplicada, legalmente, num Estado da União Europeia. Concretamente, na Grécia.

Dizer que a Grécia tem o regime mais retrógrado e clerical da União Europeia é dizer pouco. Para além de ter uma Igreja de Estado, protegida constitucionalmente, com poder de veto sobre a construção de locais de culto não-ortodoxos, a Grécia tem ainda esse duvidoso privilégio de conter dois territórios que só fazem parte da UE no papel: o monte Athos (governado por monges) e a Trácia oriental, o único território da União Europeia onde a chária é aplicada.

A UE, que se dedica a harmonizar tanta coisa e a interferir em tantas áreas da vida das pessoas, poderia bem «harmonizar» os direitos das mulheres na UE, pondo fim à vergonhosa aplicação da chária no território europeu de um dos seus estados-membros, com o seu cortejo de casamentos forçados, casamentos (perfeitamente legais, note-se) de raparigas de 12 anos, divórcios que são um direito do marido mas não da mulher, e poligamia, tudo gerido por tribunais islâmicos com muftis nomeados pelo Estado que decidem em assuntos de casamento, divórcio e tutela de crianças de acordo com a lei islâmica. Na Trácia Oriental, sujeitos a estas regras medievais, vivem 100 000 cidadãos (e cidadãs) da União Europeia. As vizinhas turcas destas «cidadãs» gregas muçulmanas gozam de direitos de cidadania mais igualitários.

26 de Março, 2008 Ricardo Alves

71% dos franceses querem manter a lei de separação tal como está

Segundo uma sondagem recente, 71% dos franceses querem manter a lei de separação entre a República e as igrejas (de 1905), tal como está. E 77% dizem que «as autoridades religiosas não devem tomar posição publicamente sobre as questões de sociedade». O que prova que a laicidade não é um regime imposto por uma minoria a uma sociedade renitente. Antes pelo contrário.

15 de Março, 2008 Carlos Esperança

No rescaldo das eleições espanholas

Agora que assentou a poeira sobre as eleições espanholas e que Zapatero viu sufragadas nas urnas as medidas contestadas na rua pela da Conferência Episcopal espanhola aliada ao PP de Aznar (Mariano Rajoy é mais moderado), vale a pena recordá-las:

– Fim da obrigatoriedade das aulas de Religião católica nas escolas públicas;
– Legalização dos casamentos homossexuais;
– Extensão do direito de adopção aos casais homossexuais;
– Criação da disciplina de Educação para a Cidadania;
– Lei da memória histórica;
– Apagamento dos símbolos franquistas dos edifícios públicos que, para vergonha do clero, permanecem provocatoriamente nas igrejas;

Só falta legislar sobre a eutanásia para completar o programa da primeira legislatura em relação aos temas que mais incomodavam a direita e o episcopado. Mas, agora que o cardeal Rouco Varela, ligado ao Opus Dei, presidente da Conferência Episcopal e amigo do Papa, garante a sua oração a Zapatero, não irá ser difícil.

E a eutanásia é um angustiante problema que não pode ser tratado com preconceitos e anátemas. É urgente e precisa de discussão pública. Em Espanha e em Portugal.

3 de Março, 2008 Carlos Esperança

Se Deus existisse pagava IRS

Se Deus existisse não estaria omisso nas Finanças e isento de pagar o IRS. Seria mesmo uma imoralidade, tais os proventos que aufere. Resta saber se chegariam para pagar um seguro que era prudente fazer para pagar as patifarias que lhe atribuem.

Perante um terramoto, um ciclone, uma tempestade ou inundações, teria muito por que responder. Se tudo o que acontece é por divina vontade, imagine-se Deus no tribunal dos homens – bem mais equilibrados e justos – a prestar contas das epidemias, desastres e doenças com que a humanidade é fustigada.

Enquanto os beatos se põem de joelhos e rastejam, cheios de medo e subserviência, não restava a Deus outra saída senão pedir aos ateus que lhe servissem de testemunhas e que jurassem que o réu revel não existia e que as patifarias eram fruto da natureza e do desmazelo dos homens.

Os crentes, sempre prontos a louvar-lhe a omnipotência, jamais se atreveriam a admitir que o carrasco pudesse ser julgado ou, pior do que isso, fosse o mito que lhes inferniza a existência e os põe a caminho da igreja, tocados pelos padres, a cumprirem rituais que envergonhariam uma pessoa sensata.  

Um Deus que não vota nem paga impostos é um impostor que engana muita gente há muito mas que não pode enganar todos para sempre.

29 de Fevereiro, 2008 Ricardo Alves

Grécia não respeita a liberdade de consciência, diz Tribunal Europeu

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu no dia 21 de Fevereiro, por unanimidade, que a Grécia violou o artigo 9º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ao obrigar um advogado a revelar que era ateu quando lhe foi exigido que efectuasse um juramento sobre a bíblia (cristã ortodoxa).

O queixoso, Theodoros Alexandridis, foi admitido à prática da advocacia no tribunal de primeira instância de Atenas. Sendo ateu e não desejando portanto efectuar o habitual juramento cristão ortodoxo, teve que declarar que não era cristão ortodoxo para poder fazer uma declaração solene em substituição do juramento. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que a liberdade do cidadão de não revelar a sua convicção religiosa foi, portanto, violada.

Esperemos que esta decisão sirva de lição ao Estado grego para que este efectue as imprescindíveis mudanças que o afastem do actual regime de Igreja de estado, com juramento religioso no parlamento, leis de blasfémia e aplicação parcial da chária em dois departamentos do nordeste.

28 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

A religião e a política

Há uma perda que as religiões não digerem – a perda de influência. Depois do trabalho que tiveram a capturar um deus, a fazer dele o único verdadeiro e a defenderem-no da concorrência, vieram o iluminismo, o laicismo e a democracia a prejudicar o negócio.

A pedagogia activa com que combatiam heresias e converteram os réprobos já não pode ser aplicada porque a tortura é proibida e as fogueiras viraram obsoletas, para desespero dos padres e prejuízo da bem-aventurança eterna das almas.

Quando os jesuítas anunciaram na China a boa-nova de que o filho de deus tinha vindo ao mundo, espantaram-se os chineses como, durante tanto tempo, deus não os avisou. E, talvez por isso, preferiram a um deus, que se deixou pregar numa cruzeta, o homem que sorriu quando lhe disseram que era eterno – Buda.

Apesar de todos os reveses, os deuses dos monoteísmos gozam ainda de reputação. Nem as suas idiossincrasias os destroem. Bem sabemos que quando a repressão abranda logo o ateísmo germina; sempre que o poder do clero se debilita, é a fé que esmorece.

As religiões, não podendo destituir, em nome de deus, os legítimos representantes do povo, sufragados por eleições, pedem por amor de deus que sejam eleitos governantes tementes a deus e generosos com os seus devotos criados.

Em Chipre os padres tanto rezaram para que os comunistas perdessem as eleições que os resultados eleitorais vieram confirmar que deus não estava na ilha e que as orações eram placebo.

Em Itália, anda o Vaticano numa azáfama a pedir orações por Berlusconi, um cristão que pouco deve à santidade. Vai ganhar as eleições mas há quem pense que valem mais os órgãos de comunicação e o dinheiro do que o deus do Vaticano.

Em Espanha a Conferência Episcopal joga tudo na luta contra o PSOE que, entre outras maldades, legalizou as uniões homossexuais, permitiu-lhes a adopção de crianças e tornou facultativa a aula de religião católica nas escolas públicas. As eleições vão ser entre Zapatero e a Conferência Episcopal. Para já o primeiro vai à frente.

Estou em crer que, não tarda, em qualquer país ganhará as eleições quem tiver os padres contra. Deus é um mito que já não serve. Nem para obrigar as crianças a engolir o caldo.