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Ricardo Alves

24 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

O estranho mundo das religiões (24/9/2007)

  1. Na Bélgica, os bispos católicos protestaram contra um anúncio televisivo que mostra um Jesus Cristo com aparência hippie a beber whiskey e a engatar mulheres numa discoteca. Parece que preferem que «Ele» seja mostrado como o chato rezingão e sem sentido de humor descrito na Bíblia. (Ver o vídeo.*)
  2. Na Espanha, os bispos de Valência querem que os católicos protestem contra uma exposição onde Jesus Cristo e Karol Wojtyla são alegadamente misturados com homossexuais. Se não é «gay» nem hetero, será que se pode representá-«Lo» como assexual?
  3. Nos EUA, os sikhs estão ofendidos porque um locutor de rádio comparou os seus turbantes a fraldas. E no entanto, os turbantes também têm uma função higiénica.
  4. No Reino Unido, um dentista do serviço nacional de saúde exigiu a uma paciente que usasse um véu islâmico. Caso contrário, disse ele, ela não receberia a assistência médica a que tinha direito. Demonstra-se mais uma vez que os franceses tiveram razão em proibir o uso do véu islâmico nos serviços públicos.

(*) Agradeço ao «1atento» ter-me indicado o linque para o vídeo.

22 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

Paquistão

O mais escutado líder religioso do mundo falou ontem ao planeta para anunciar uma «guerra santa» contra o presidente paquistanês, o autocrata militar Pervez Musharraf. Bin Laden mencionou o ataque à Mesquita Vermelha, no passado mês de Julho (onde os islamistas conseguiram uma centena de mártires), como justificação para declarar Musharraf um «infiel» e um «apóstata» (é a opinião de Ossama). Simultaneamente, foi também disponibilizado nos saites islamistas do costume um vídeo de Al-Zawahiri pedindo que se «limpasse» o «norte de África» dos «filhos da França e da Espanha» (não se sabe muito bem o que isto significa: Ceuta e Melilha, atentados no sul da Europa, ou as sementes de laicismo na Argélia e na Tunísia?); o nº2 da Al-Qaeda exorta também ao combate contra a força das Nações Unidas prevista para o Darfur (Sudão).
Os dois Estados fundamentais no islamismo sunita são a Arábia Saudita e o Paquistão. O primeiro, uma monarquia absoluta wahabita, começou a financiar através da sua classe dirigente grande parte das redes terroristas islamistas há um quarto de século atrás, quando a URSS invadiu o Afeganistão. O segundo forneceu o refúgio territorial e as casas de apoio que permitiram organizar os mujahedin que passavam, através de uma fronteira que só existe nos mapas, para o Afeganistão onde os homens que fundaram a Al-Qaeda se conheceram, combateram lado a lado, e finalmente acompanharam na sua subida ao poder os talibã (um movimento pastune e, ele próprio, transfronteiriço). O diligente apoio dos serviços secretos paquistaneses (ISI), interessados quer no domínio do país vizinho quer em treinar grupos que pudessem infiltrar na Caxemira indiana, nunca faltou nos tempos anteriores ao 11 de Setembro. Também nunca faltaram as fornadas intermináveis de jovens fanatizados produzidas pelas madraças paquistanesas, ou voluntários do Médio Oriente para combater primeiro a URSS e agora os EUA (ou Musharraf). Destruídos os campos de treino do Afeganistão no Outono de 2001, derrubado o regime talibã, o ninho do islamo-terrorismo está quase no mesmo sítio: nas montanhas do Waziristão e noutras zonas tribais da fronteira do Paquistão com o Afeganistão, onde as tribos nunca foram submetidas pelos britânicos e onde o exército paquistanês entrou pela primeira vez em Abril de 2002.
Musharraf e a sua clique, como aqueles que os antecederam no poder em Islamabade, jogaram sempre com o apoio de grupos islamistas, com o seu poder de fogo e capacidade de mobilização. Mas desde que Mohamed Atta acertou com o seu avião na torre norte do World Trade Center, a instabilidade no Paquistão agravou-se, e Musharraf reviu as suas alianças internas para salvar a ligação externa (EUA). Ao conciliar-se com Bhenazir Butto, Musharraf tenta garantir que a sua eleição não dependa dos islamistas. A eleição presidencial (por colégio eleitoral) será no dia 6 de Outubro, as eleições gerais em Janeiro. Veremos se a Al-Qaeda ainda tem capacidade para as influenciar.
[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
21 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

O Panteão é nosso

Andam por aí uns rumores de que o Panteão Nacional ainda é uma igreja (católica). Acontece que o visitei há poucos anos e não me recordo de ver nada que se parecesse com um altar católico (muito menos os ídolos habituais no politeísmo luso-católico: Cristo, a «Virgem Maria», os santos disto e daquilo, etc). Acresce que na página do IPPAR referente ao Panteão se diz apenas «Tipo de Gestão IPPAR (serviço dependente)», enquanto noutros monumentos onde se realizam actividades religiosas católicas se lê «Tipo de Gestão IPPAR (Serviço Dependente). Igreja afecta ao culto» (caso do Mosteiro dos Jerónimos, do Mosteiro da Batalha, do Mosteiro de Alcobaça). Mais: a «Igreja de Santa Engrácia» não é mencionada no saite do patriarcado de Lisboa da ICAR. E os católicos da freguesia de Santa Engrácia têm outra morada. Portanto, o Panteão Nacional não é uma igreja católica. É dos cidadãos. É mesmo nosso. Viva o Panteão!
21 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

Uma nova crise com cartunes?

Não é a prisão de um obscuro cartunista no Bangladesh que tem o potencial para provocar uma crise internacional. Pelo contrário, a publicação por um jornal sueco de cartunes que mostram um cão com cara de Maomé tem todos os ingredientes para gerar as polarizações tão queridas a quem deseja uma «guerra de civilizações». Os cartunes podem ser vistos na (bem nutrida…) página da wikipedia sobre esta polémica, ou no blogue do seu autor, o artista plástico Lars Vilks. Foram publicados pela primeira vez dia 18 de Agosto, um acto que já foi condenado pelos governos do Irão, do Paquistão, do Egipto, da Jordânia e do Afeganistão. Porque será que, desta vez, a «rua muçulmana» ainda não está a ferro e fogo?

Os desenvolvimentos mais recentes incluem uma ameaça de morte vinda da Al-Qaeda no Iraque, com oferta de recompensa monetária de 100 mil dólares pela cabeça do artista («150 mil se for degolado como um cordeiro»), e a passagem à clandestinidade de Lars Vilks, como é evidente. A Repórteres Sem Fronteiras apoia-o, Lars Vilks diverte-se a mostrar as caricaturas em público, a Argélia condena a Al-Qaeda. O governo sueco, de forma mais inteligente do que o dinamarquês, desculpou-se pela ofensa causada defendendo em simultâneo a liberdade de expressão, e convidou vinte e dois embaixadores estrangeiros para uma conversa amigável. Será essa a diferença face ao caso de há um ano e meio?

Ou será que vamos ver outra vez o mesmo filme? Vamos explicar outra vez o que é a liberdade de expressão? Poderá Maomé passar, por exaustão do outro lado, a ser um alvo de sátiras sem consequências de maior?

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
18 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

Ditadura do religiosamente correcto?

Nos EUA, a transmissão televisiva da cerimónia dos «Emmy awards» foi censurada de forma a suprimir as palavras «religiosamente incorrectas» pronunciadas pela vencedora de um dos prémios. Efectivamente, a comediante Kathy Griffin, irritada com as estrelas que agradecem os prémios que recebem a «Jesus» ou ao «Buda», e que muitas vezes aproveitam a ocasião para falar das suas crenças cristãs ou cientologistas, terá dito:

  • «(…) muitas pessoas vêm aqui e agradecem a Jesus por este prémio. Eu quero que saibam que ninguém teve menos a ver com este prémio do que Jesus. Chupa esta, Jesus («Suck it, Jesus»). Este prémio agora é o meu deus.»

A censura das palavras «Suck it, jesus» foi promovida por grupos cristãos fundamentalistas como a Roman Catholic League. Não posso deixar de concordar com o comunicado da American Atheists:

  • «(…) as celebridades podem aparecer na televisão nacional e “agradecer” a Jesus, a Alá, ou à Cientologia pelo seu sucesso, mas um Ateu não pode dizer honesta e claramente que o seu sucesso veio de desenvolver os seus talentos e de trabalhar duramente».

É possível assinar uma petição em defesa da liberdade de expressão no endereço SuckItJesus.com.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

18 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

Pedofilia, igreja e encobrimento

Na Austrália, o sacerdote católico Terrence Melville Pidoto foi condenado a sete anos de prisão por ter violado quatro rapazes entre 1972 e 1984. Uma das vítimas criticou a sentença e considerou que «é necessário responsabilizar a igreja».

Responsabilizar a ICAR é justamente o que se passará em Los Angeles, onde um cardeal será acusado de encobrir casos de abuso sexual de menores na sua diocese. Será apresentado em tribunal um famoso documento, o «Crimen sollicitationis», que exige aos sacerdotes católicos o segredo absoluto, sob pena de excomunhão, sobre os abusos sexuais que sejam investigados dentro da ICAR. É este documento de 1962 que explica que numerosos casos de abuso sexual de menores sejam sistematicamente encobertos pela hierarquia da ICAR, que, quando há escândalo, geralmente limita-se a mudar o padre pedófilo para outra paróquia.

Linque recomendado para quem ainda não compreendeu a dimensão do problema da pedofilia clerical: Survivors Network of those Abused by Priests.
17 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

Um pouco mais de coragem

O Henrique Raposo critica a mutilação genital feminina (MGF) e atribui-a ao islão. Ora, como sublinham a Shyznogud e o Tiago Mendes, a MGF está longe de ser exclusiva do islão. A excisão do clítoris é praticada entre cristãos etíopes, judeus da mesma região e animistas. O que não diminui a monstruosidade da prática, nem iliba o islão (ou as outras religiões envolvidas), de responsabilidade: todas estas religiões partilham a fobia (ou terror) pelo prazer das mulheres, e a MGF é útil a cada uma delas para manter a sexualidade feminina controlada. Conclusão: não é a partir de uma ou outra destas religiões que se critica a MGF, mas sim a partir de conceitos exteriores às religiões (como a liberdade individual ou o direito das mulheres ao prazer).

No entanto, se a excisão do clítoris não é um mandamento religioso, mas sim uma tradição cultural de várias etnias africanas, já a mutilação genital masculina (circuncisão) é um mandamento religioso comum ao judaísmo e ao islão. Tem a sua justificação religiosa na «aliança» mitológica estabelecida entre «Deus» e Abraão no capítulo 17 do «Génesis». Não tenho a menor dúvida de que se trata também de uma prática abjecta, quando feita a crianças e sem razões médicas, e que deveria ser condenada pela lei de qualquer país civilizado. A circuncisão pode conduzir à morte (mesmo quando realizada em países medicamente avançados), e, embora não impossibilite o prazer sexual em todos os circuncisados, limita-o para toda a vida (diminui a área do pénis de que se pode tirar prazer, dificulta a masturbação numa maioria de circuncisados, e pode causar várias disfunções sexuais, incluindo a impotência). Quem se preocupa com uma mutilação genital, deveria preocupar-se, em boa lógica, com a outra. Ou será que quem nasce numa religião abraâmica perde o direito à sua integridade física?

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
13 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

Capelanias hospitalares: o que está em causa

A Associação República e Laicidade produziu recentemente um comunicado e dois estudos auxiliares que podem ajudar a dissipar alguma da confusa neblina que a ICAR tem produzido em torno da questão da assistência espiritual nos hospitais.

O que está em causa? Principalmente três questões: as modalidades de acesso aos hospitais de quem presta assistência religiosa ou espiritual, a continuidade da remuneração de quem actualmente presta essa assistência com o estatuto de funcionários públicos (são, exclusivamente, sacerdotes católicos), e a gestão dos espaços de recolhimento espiritual nos hospitais públicos.

Na primeira questão, a situação actual (que resulta de uma lei de 1980), permite que os capelães hospitalares, que são todos católicos, abordem qualquer pessoa que se encontre internada num hospital. A ICAR tem protestado contra uma alegada intenção do governo de tornar a assistência religiosa dependente de solicitação do doente. Acontece que o princípio correcto é justamente o de que só pode ser oferecida assistência religiosa a quem a solicitar expressamente. Se eu estou numa cama de hospital, fragilizado e vulnerável, não quero ser incomodado por padres ou outros sacerdotes. E quem é crente não católico tem o direito de requerer assistência religiosa sem ter o seu pedido «filtrado» por um sacerdote católico.

Em segundo lugar, refira-se que apesar da insistência da ICAR na questão do acesso, aquilo que sem dúvida mais lhes poderá doer será uma diminuição no número de sacerdotes salariados pelo Estado para funções hospitalares. Actualmente, serão cento e sessenta e cinco católicos (zero das outras religiões), o que significa para a República uma despesa anual de cerca de cinco milhões de euros (ou um milhão de contos, em moeda antiga) num momento em que o governo se empenha em diminuir a despesa do Estado. Sinceramente, não percebo por que deve um Estado laico remunerar sacerdotes para fins espirituais. Os crentes podem perfeitamente organizar-se para o fazer.

Finalmente, verifica-se que muitos espaços que são construídos em hospitais públicos para o recolhimento espiritual de todos os utentes são apossados pela ICAR, que os consagra como capelas católicas e seguidamente monopoliza a sua utilização. Existe mesmo o exemplo de um hospital de Lisboa que o capelão quer transformar em santuário. É desejável que estes abusos terminem, e que esses espaços sejam suficientemente neutros e flexíveis para qualquer opção espiritual.

Refira-se ainda que nada na Concordata em vigor (ou sequer na de 1940) obriga à situação actual, com uma lei exclusivamente para católicos (o Decreto-Lei nº 58/80), o que é sem dúvida inconstitucional. O governo deve aplicar a Constituição da República e não esta ou aquela Concordata.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]