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Autor: jvasco

31 de Março, 2004 jvasco

Laicismo: Democracia vs Teocracia

Parece haver um generalizado consenso entre ateus, agnósticos e crentes de que o laicismo é fundamental para a democracia e para o estado de direito tal como o conhecemos. Pode ser que, na prática, sejam os ateus quem acaba por lutar mais em defesa da laicidade quando porventura alguma lei ou medida governativa ameaça este princípio (ocorreu-me a Bíblia manuscrita…), mas poucos crentes ousam duvidar da legitimidade deste valor, e nenhum que eu conheça considera que a democracia e o estado de direito sejam compatíveis com a ausência dele (é uma questão do foro jurídico, mas intuitivamente óbvia para qualquer um).

Há, no entanto, pessoas que não consideram a Democracia o sistema mais adequado para a nossa sociedade. Há quem defenda diferentes sistemas de poder (Anarquia, Despotismo, etc…); e há quem defenda, dentro do Despotismo, diferentes formas de representação desse poder. Há uma forma de representação do poder despótico que é particularmente antagónica do princípio da laicidade: a Teocracia.

Será que a Teocracia é uma melhor forma de organizar um estado do que uma Democracia Laica (passe a redundância)?

Para responder a esta pergunta, faz sentido pensarmos numa outra: Deus existe?

Se não, então a Teocracia parece um sistema de poder ridículo, e penso que todos concordarão que nem merece ser analisada.

Se sim, Deus gostaria que a humanidade organizasse a sua estrutura de poder dessa forma? Porquê?

Aqui a discussão remeter-se-ia para o campo teológico. Se o Deus existente fosse “Alá”, seria fácil justificar a Teocracia pelo Corão, se o Deus existente fosse o da mitologia Cristã, então a teologia actual defende que a teocracia seria um erro contrário aos ensinamentos de Jesus.

Mas existe um problema: a ausência de acordo em relação à pergunta colocada (Deus existe?). A maioria da humanidade continua a acreditar em mitologias e superstições, e por mais que as provas concretas indiciem a ausência de qualquer Deus, o acordo em relação a esta matéria não ocorre. Como organizar o estado nesta situação? No caso dos países Islâmicos isto pode ser um problema muito complicado (pelos visto é mesmo!), já que grande parte da população insiste em acreditar que Maomet voou de burrinho de Mecca a Jerusalém numa noite e noutros “factos” do género… Nos países de tradição Cristã, pelo contrário, não há razão para confusões: a teologia cristã actual renega a ambição da Teocracia, e existe um acordo generalizado em relação à indesejabilidade desta.

MAS, e se a teologia Cristã renega essa ambição apenas como forma de se adaptar à ausência de possibilidade de acesso directo ao poder? E se teologia Cristã actual manifesta a sua aversão à teocracia apenas para melhor lidar com a popularidade generalizada dos valores democráticos? Eu, que não vejo nada de divino na inspiração dos teólogos actuais, posso partilhar essa opinião com os actuais Cristãos defensores da teocracia, mas as consequências desta opinião são muito diferentes:

-No meu caso, não vejo nada de divino nestas novas “directivas espirituais”, mas também não vi nas anteriores, nem na Bíblia. Acredito que a Teocracia (quer seja aplicada como no passado, quer mesmo de forma muito diferente) é indesejável para a sociedade, para um mundo desenvolvido, justo, racional e feliz, pelo que me é indiferente a legitimidade dos pretextos dos teólogos para defenderem a laicidade, desde que a defendam.

-No caso dos Cristãos defensores da teocracia, não basta considerar que o móbil das novas considerações dos teólogos é questionável. Isso não torna questionável as considerações (afirmá-lo seria uma falácia). Desta forma, terão de discutir as questões teológicas e encontrar na Bíblia a defesa da Teocracia. Uma vez que não acredito em Deus, seria muito curioso para mim observar tal debate: conjuntos de falácias, enganos e contradições a serem desferidos num bailado retórico acerca da mensagem do best-seller mundial. E a situação (muito bizarra) de ver com alegria os teólogos actuais esmagarem retoricamente alguma ideia (a da legitimidade da teocracia).

24 de Março, 2004 jvasco

Fátima – alguns comentários de Dawkins, e outros meus

Já tinha considerado muito curioso, quando li Um mundo Infestado de Demónios, de Carl Sagan (um excelente livro sobre as alegadas visões de OVNIS extraterrestres, pseudociência, astrologia, etc…), o número de referências a “milagres passados”: situações em que povos antigos viam Deuses (Zeus, Osiris, Vénus, Thor) ou figuras mitológicas (Elfos, Unicórnios, Demónios) muito comparáveis aos modernos alegados “encontros de 3º grau”. Entre estas situações estavam os avistamentos da Virgem Maria principalmente ao longo da idade média, mas também nos tempos posteriores, e uma referência particular ao que se sucedeu em Fátima.

Ao ler o último livro editado em Português de Dawkins, Decompondo o Arco Íris (que é sobre o maravilhamento poético que a boa ciência pode proporcionar, e sobre a má divulgação, a armadilha do pós-modernismo, e a pseudo-ciência, astrologia, etc…), também encontrei uma referência a Fátima, o que indicia que essa ocorrência em território nacional é conhecida internacionalmente entre os meios mais eruditos e racionais como uma das maiores fraudes dos tempos modernos. (Faça-se justiça a alguns Católicos mais racionais que eles próprios duvidam publicamente da ocorrência desse milagre). A referência começa com uma citação de Hume:



“[…] Nenhum testemunho é suficiente para demonstrar um milagre, a menos que o testemunho seja de natureza tal que a sua falsidade seja mais milagrosa que o facto que pretende demonstrar” – Dos Milagres (1748)

Continuarei com esta ideia de Hume no que diz respeito a um dos milagres melhor atestados de todos os tempos, um que afirma ter sido presenciado por 70 000 pessoas e lembrado por algumas delas ainda vivas. Trata-se da aparição de N. Senhora de Fátima.

Vou citar um website católico que refere que, das muitas aparições da Virgem Maria, esta é rara porque é oficialmente reconhecida pelo Vaticano:

“A 13 de Outubro de 1917 estavam mais de 70 000 pessoas reunidas na Cova da Iria, em Fátima, Portugal. Tinham vindo presenciar um milagre que tinha sido anunciado pela Virgem Maria a três jovens visionários: Lúcia dos Santos e seus dois primos Jacinta e Francisco Marto […] Pouco depois do meio dia, a Nossa Senhora apareceu aos três visionários. Quando estava prestes a partir, apontou para o Sol. Lúcia repetiu emocionadamente o gesto e as pessoas olharam para o céu […] Depois, uma onda de terror varreu a multidão porque o Sol parecia romper-se dos céus e esmagar as pessoas horrorizadas […] Justamente quando parecia que a bola de fogo iria cair e destruí-los, o milagre parou e o Sol reassumiu o seu lugar normal, brilhando pacífico como nunca.”

Se o milagre do Sol em movimento tivesse sido observado apenas por Lúcia (a jovem que no fundo foi responsável pelo culto de Fátima), não haveria muita gente que o levasse a sério. Poderia facilmente ser uma alucinação individual, ou uma mentira com motivos óbvios. O que impressiona são as 70 000 testemunhas. Será que 70 000 pessoas podem ser simultaneamente vítimas da mesma alucinação? Ou conspirar numa mesma mentira? Ou, se nunca houve 70 000 pessoas, poderia o repórter do acidente safar-se ao inventar tanta gente?

Apliquemos o critério de Hume. Por um lado somos levados a acreditar numa alucinação em massa, num artifício de luz ou numa mentira colectiva envolvendo 70 000 pessoas. Isto é reconhecidamente improvável, mas é menos improvável do que a alternativa: que o Sol realmente se moveu. O Sol que estava sobre Fátima não era, afinal, um Sol privado: era o mesmo Sol que aquecia todos os milhões de pessoas no lado do planeta em que era dia. Se o Sol se moveu de facto, mas o acontecimento só foi visto pelas pessoas em Fátima, então teria de se ter dado um milagre ainda mais notável: teria de ter sido encenada uma ilusão de não-movimento para todos os milhões de testemunhas que não estavam em Fátima. E isso se ignorarmos o facto de que, se o Sol se tivesse realmente deslocado à velocidade referida, o sistema solar se teria desintegrado. Não temos alternativa senão a de seguir Hume, escolher a menos miraculosa das alternativas disponíveis, e concluir, contrariamente à doutrina oficial do Vaticano, que o milagre de Fátima nunca aconteceu.”

Se Dawkins conhecesse o milagre mais de perto (nós Portugueses temos essa oportunidade), ele saberia que HÁ pessoas (entre as alegadas 70 000) que estiveram lá e não presenciaram nada. Saberia igualmente que apesar da presença da imprensa, não há qualquer registo físico do milagre. Saberia que há contradições e histórias mal contadas referente à relação entre a doutrina do Estado Novo e a forma de como o milagre foi contado (o milagre ocorreu durante a primeira República, mas grande parte da divulgação ocorreu depois, e as versões anteriores diferem da versão mais conhecida).

Dawkins mostrou que MESMO que houvessem 70 000 pessoas a testemunhar o milagre, não faria sentido acreditar na sua ocorrência. Dawkins (tal como Sagan) não hesita em considerar Fátima um embuste. Nós, que sabemos melhor o que se passou, deveríamos hesitar muito menos.

PS- Já que, em grande parte, as alucinações em massa estão relacionadas com fenómeno do “Rei Nu” (em que todos diziam ver um fato, imaginando-o mesmo, por razões sociais, ou outras), seria de esperar que os relatos de milagres ocorressem principalmente entre os meios menos instruídos. Será que há uma correlação entre índices de analfabetismo e relatos de milagres? Aparentemente sim: a idade média correspondeu a um “pico de ignorância” na generalidade do povo, e mesmo a localização geográfica e temporal do milagre de Fátima parece confirmar esta tese.

19 de Março, 2004 jvasco

2000 visitantes

Como de costume, cá vai uma citação para comemorar mais um valor histórico de visitantes:

“To surrender to ignorance and call it God has always been premature, and it remains premature today.”

— Isaac Asimov

14 de Março, 2004 jvasco

VOTE NO HUGO

Eu adoro este texto de Tim Gorki.

Ele já está disponível nas referências da página www.ateismo.net, mas vou colocá-lo aqui, até mesmo por causa dos comentários:

VOTE NO HUGO !!!

Hoje de manhã alguém bateu à minha porta. Era um casal bem vestido e arrumado. O homem falou primeiro, e disse

João: Olá! Eu sou João, e esta é a Maria.

Maria: Olá! Gostaríamos de convidá-lo a votar no Hugo connosco.

Eu: Como assim? O que é isso? Quem é Hugo, e porque é que vocês querem que eu vote nele? Nem é dia de eleição hoje.

João: Se votar no Hugo, ele dar-lhe-á um milhão de dolares, e se não, ele espanca-o.

Eu: Mas o que é isso? Extorsão da máfia?

João: Hugo é um multibilionário filantropo. Hugo construiu esta cidade. A cidade é dele. Ele pode fazer o que ele quiser, e ele quer dar-lhe um milhão de dolares, mas isso só é possível se você votar nele.

Eu: Mas isso não faz o menor sentido. Se o Hugo construiu a cidade, é dono dela e pode fazer o que quiser, entao por que ele preisa ser eleito? E por que ele…

Maria: Quem é você para questionar o presente do Hugo? Você não quer o milhão de dolares? Não vale a pena por votar nele uma vez só?

Eu: Bom, talvez, se mesmo a sério, mas…

João: Então venha connosco votar no Hugo.

Eu: Vocês já votaram no Hugo?

Maria: Ah, claro, e…

Eu: E vocês já receberam o milhão de dolares?

João: Bom, na verdade não. Você só recebe o dinheiro depois de sair da cidade.

Eu: Então porque é que vocês não saem?

Maria: Você só sai quando o Hugo deixar, ou você não leva o dinheiro, e ele espanca-o.

Eu: Vocês conhecem alguém que tenha votado no Hugo, saído da cidade e ganho o dinheiro?

João: Minha mãe votou no Hugo por anos. Ela saiu da cidade ano passado, e tenho certeza de que ela ganhou o dinheiro.

Eu: Você não falou com ela depois disso?

João: Claro que não, o Hugo não deixa.

Eu: Então porque é que acha que ele vai dar-lhe o dinheiro se nunca falou com alguém que tivesse conseguido o dinheiro?

Maria: Bom, ele dá-lhe um pouco antes de você ir embora. Pode ser um aumento de salário, pode ser um pequeno prémio de lotaria, pode ser que você ache uma nota de cinquenta na rua.

Eu: E o que isso tem a ver com o Hugo?

João: O Hugo tem uns ‘contactos’.

Eu: Sinto muito, mas isso parece-me muito estranho…

João: Mas é um milhão de dolares, você vai arriscar? E lembre, se você não votar no Hugo, ele espanca-o.

Eu: Talvez se eu pudese ver o Hugo, falar com ele, ajustar os pormenores directamente com ele…

Maria: Ninguém vê o Hugo, ninguém fala com o Hugo.

Eu: Então como é que vocês votam nele?

João: Às vezes nós fechamos os olhos e votamos, pensando no Hugo. Às vezes votamos no Carlos, e ele conta ao Hugo.

Eu: Quem é o Carlos?

Maria: Um amigo nosso. Foi ele que nos ensinou a votar no Hugo. A gente só precisou de o levar a jantar algumas vezes.

Eu: E vocês simplesmente acreditaram no que ele disse, quando ele contou que existia um Hugo, e que o Hugo queria que vocês votassem nele, e que o Hugo daria uma recompensa?

João: Claro que não! Carlos trouxe uma carta que o Hugo lhe mandou anos atrás, explicando tudo. Tenho uma cópia aqui, veja você mesmo.

João entregou-me uma fotocópia de uma carta com o cabeçalho “Do punho de Carlos”. Havia onze pontos ali:

1. Vote no Hugo e ele dar-lo-á um milhão de dolares quando você sair da cidade.

2. Beba álcool com moderação.

3. Espanque quem não for como você.

4. Coma bem.

5. O próprio Hugo ditou esta lista.

6. A lua é feita de queijo verde.

7. Tudo que o Hugo diz está certo.

8. Lave as mãos depois de ir à casa de banho.

9. Não beba.

10. Só coma salsicha no pão, e sem condimentos.

11. Vote no Hugo, ou ele espanca-o.

Eu: Parece que isso foi escrito no bloco do Carlos.

Maria: Hugo não tinha papel.

Eu: Tenho um palpite que se fôssemos conferir, descobriríamos que essa letra é do Carlos.

João: Claro que é, o Hugo ditou.

Eu: Pensei que vocês tinham dito que ninguém vê o Hugo.

Maria: Agora não, mas tempos atrás ele falava com algumas pessoas.

Eu: Pensei que vocês tinham dito que ele era um filantropo. Como é que um filantropo bate nas pessoas só porque elas são diferentes?

Maria: É o desejo de Hugo, e o Hugo está sempre certo.

Eu: Como é você sabe?

Maria: O item 7 diz: “Tudo que o Hugo diz está certo”. Pra mim isso é suficiente.

Eu: Talvez o seu amigo Carlos tenha inventado isso tudo.

João: De jeito nenhum! O item 5 diz: “O próprio Hugo ditou esta carta”. Além disso, o item 2 diz “beba álcool com moderação”, o item 4 diz “coma bem”, e o item 8 diz “lave as maos depois de ir à casa de banho”. Toda a gente sabe que isso está certo, então o resto deve ser verdade também.

Eu: Mas o item 9 diz “não beba”, o que não bate com o item 2. E o item 6 diz que “a Lua é feita de queijo verde”, o que está simplesmente errado.

João: Não há contradição entre 9 e 2, 9 só esclarece 2. E quanto ao 6, você nunca esteve na Lua, então nao pode ter certeza.

Eu: A ciência já estabeleceu muito bem que a Lua é feita de rochas…

Maria: Mas eles nao sabem se as rochas vieram da Terra ou do espaço, então poderiam muito bem ser queijo verde.

Eu: Não sou um perito, mas acho que a ideia é que dois ou mais corpos de bastante massa podem ter colidido durante a formação do sistema solar para criar o sistema Terra-Lua. Mas não saber exatamente como a Lua foi formada no tem nada a ver com ela ser feita de queijo.

João: Ahá! Você acabou de admitir que os cientistas não podem ter certeza, mas nós sabemos que o Hugo está sempre certo!

Eu: Sabemos?

Maria: Claro, o item 5 diz isso.

Eu: Você está a dizer que o Hugo está sempre certo porque a lista diz, e a lista está certa porque o Hugo ditou, e sabemos que o Hugo ditou porque a lista diz. Isso é lógica circular, é a mesma coisa que dizer que ‘o Hugo está certo porque ele diz que está certo’.

João: AGORA você está entendendo! É tão bom ver alguém entender a forma de pensar do Hugo!

Eu: Mas… ah, deixem estar… E que história é essa com as salsichas?

João (enquanto Maria enrubesce): É um esclarecimento do item 4. Salsicha, só no pão, sem condimentos. É a maneira do Hugo. Qualquer coisa diferente disso é errado.

Eu: Mas então pode comer hamburguer sem pão? E bratwurst?

João: Peraí, peraí! Não vamos deixar as coisas mais complicadas do que elas são. É melhor deixar esses pormenores para os peritos profissionais no Hugo e suas regras.

Eu: E se não tiver pão?

João: Sem pão, nada de salsicha. Salsicha sem pão é errado.

Eu: Sem molho? Sem mostarda?

João (Gritando, enqunto Maria parece chocada): Não precisa falar assim! Condimentos de todos os tipos são errados!

Eu: Então uma pilha enorme de repolho azedo com umas salsichas picadas em cima, nem pensar?

Maria (enfiando os dedos nas orelhas): Eu não estou escutando!! La la la, la la, la la la.

João: Mas que nojento! Só um pervertido comeria isso…

Eu: Mas é bom! Eu como sempre!!

João (amparando Maria, que desmaia): Se eu soubesse que você era um desses, não teria desperdiçado meu tempo. Quando o Hugo o espancar, eu vou estar lá, contando meu dinheiro e rindo. Eu vou votar nele por você, seu comedor-de-salsicha-cortada-com-repolho!

E assim João arrastou Maria para o carro, e foram embora.

13 de Março, 2004 jvasco

Panteísmo e o Guardador de Rebanhos

Este pequeno excerto da autoria de Fernando Pessoa é muito curioso:

“Não acredito em Deus porque nunca o vi.

Se ele quisesse que eu acreditasse nele,

Sem dúvida que viria falar comigo

E entraria pela minha porta dentro

Dizendo-me, aqui estou!

(Isto é talvez ridículo ao ouvidos

De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,

Não compreende que fala delas

Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores

E os montes e o sol e o luar,

Então acredito nele,

Então acredito nele a toda hora,

E a minha vida é toda uma oração e uma missa,

E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores

E os montes e o luar e o sol

Para que lhe chamo eu Deus?

Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;

Porque, se ele se fez, para eu o ver,

Sol e luar e flores e árvores e montes,

Se ele me aparece como sendo árvores e montes

E luar e sol e flores,

É que ele quer que eu o conheça

Como árvores e montes e flores e luar e sol.”

12 de Março, 2004 jvasco

Ditado Libanês

No Líbano existe um ditado que revela um certo “défice democrático” na cultura daqueles que o apregoam. Suponho que a religião Islâmica e a sua influência cultural não é alheia a isso. O ditado é:

“Quando chegares a casa, bate na tua mulher. Se não souberes porquê, ela sabe.”

Aprendi este ditado ontem, e ainda me impressiona quando o escrevo.

6 de Março, 2004 jvasco

Religião: Civilização ou Barbárie – Desabafo pessoal

A tendência de qualquer pessoa é associar o desenvolvimento da Religião à Civilização: os animais não têm Religião, as tribos primitivas têm uns rituaizitos, as sociedades Civilizadas têm Igrejas organizadas e poderosas. Os monumentos religiosos são símbolos de Civilização, e a Religião é um elemento caracterizador de uma Civilização.

Eu sou da opinião que a Religião é sinal de barbárie e de bestialidade.

Pelas razões acima expostas, essa opinião é controversa (não entre os leitores deste Blogue) mas suponho poder sustentá-la com recurso aos seguintes argumentos:

1- A Religião é contrária ao Racionalismo, por ser uma forma de superstição (claro que um indivíduo pode ser Racional e Religioso, tal como muitos Cientistas no passado o foram, mas a Religião não deixa de ser uma forma de superstição, que por definição é contrária ao Racionalismo). O Racionalismo é a “espinha dorsal” da Civilização.

2- A Religião floresce na ignorância, tal como pode ser sustentado por inúmeras estatísticas que relacionam a percentagem de crentes com os índices de analfabetismo. A ignorância é contrária ao Conhecimento, e este sim é um verdadeiro símbolo da Civilização.

3- As instituições religiosas tendem geralmente a querer manter o sistema vigente, de onde costumam contribuir para evitar que os Homens tenham um papel transformador no mundo em que vivem. Essa vontade transformadora é o cerne do “desenvolvimento civilizacional”.

4- A Civilização tende a florescer com o intercâmbio de ideias e produtos entre diferentes povos. A Religião, ao encorajar (na generalidade dos casos) a intolerância e a aversão à diferença, inibe estas trocas.

5- A Religião por diversas vezes encorajou conflitos e guerras: símbolo de barbárie. Apadrinhou opressões e tiranias, que resultaram em castigos e conflitos bárbaros.

A Religião representa parte das nossas reminiscências animais: os impulsos evolucionários racistas, o medo ancestral do que é diferente, o medo do desconhecido e da natureza que nos rodeia, a territorialidade, etc…

À medida que os seres humanos foram evoluindo, foram criando sistemas humanos e civilizados: Escolas e Universidades para compreender o mundo que os rodeia e manipulá-lo, Tribunais para garantir o cumprimento de códigos de Ética que garantissem a Liberdade, Quintas para poder comer sem estar tão dependente daquilo que a Natureza oferece.

Mas a sua Natureza animal não conseguiu impedir que cada um desses domínios fosse corrompido: ao lado das Escolas e Universidades estão Igrejas e Seminários, ao lado dos Tribunais está a Polícia e o Exército, a rodear as Quintas estão as cercas. Qual macaco cheio de verniz, os povos, por irracional desperdício de recursos oportunidades e vidas, continuam a guerrear-se e a odiar-se; a ensinar superstições e rituais às novas gerações, a juntar aos códigos de Ética regras de submissão ao poder instituído. Em suma, o dinamismo dos povos assenta AINDA numa irracionalidade extrema: quais meras formigas, o homem escraviza o homem; quais meras matilhas, perdem-se tribos inteiras numa guerra animal até à extinção; quais meros macacos, continuam a usar-se rituais inexplicáveis sem função social útil.

Nesta batalha entre Humano e Besta, são os ecologistas os humanos, e os “eco-despreocupados” as Bestas: só o nosso lado humano se preocupa pelas consequências que a nossa acção tem no ambiente. Se fôssemos animais, e a nossa acção danificasse o ambiente (e a nós por consequência), acabaríamos por exemplificar a teoria de Charles Darwin e extinguir-nos-íamos. Se os “eco-despreocupados” vencerem esta batalha pelo nosso eco-impacto (elevado ou reduzido; nefasto ou positivo) no planeta, a vida na terra provavelmente sobreviverá (adaptando-se a novas condições), mas nós não. Nós teremos sido uma espécie animal que não alcançou um estádio suficientemente elevado de Civilização para ter REAL consciência dos seus impactos no ecossistema (como nenhum animal tem) e agir em conformidade com isso.

Nesta batalha entre Humano e Besta, houve vitórias do Humano: A imprensa, o Liberalismo, o fim (?) da escravatura, a Física Quântica. Até o 25 de Abril foi uma pequena vitória. É nesta batalha que se situa a batalha entre Ateus e Crentes, entre Democratas e Despóticos, entre Anarquistas e Fascistas, entre Ecologistas e “eco-despreocupados”, entre Idealistas e Conformistas, entre Universalistas e Nacionalistas, entre Cientistas e Místicos, entre a Liberdade de Expressão e a Censura.

Depois das vitórias do último século (fim (?) do colonialismo, derrota do Nazismo, derrota do machismo (?) ) estamos nesta década a sofrer o contra-ataque das forças da irracionalidade. Os povos começam a ser menos Universalistas, mais aguerridos, mais Religiosos, o FMI tem um poder sem precedente e o défice Democrático começa a apresentar-se como um problema, os movimentos místicos recomeçam a ganhar importância, o Idealismo começa a estar “fora de moda”, ao contrário do Conformismo. É PRECISO TER CUIDADO. NÃO podemos perder os bastiões conquistados! Os direitos civis, a Democracia, a Liberdade de expressão, o Laicismo do Estado são fortalezas na fronteira para que se possam atacar as mais desejadas (Paz entre os Povos, Racionalismo, fim da Opressão, Eco-Equilíbrio, etc…), mas mesmo essas ESTÃO AMEAÇADAS.

Nesta mensagem acabei por referir muitos assuntos que não têm tanto a ver com Religião.

Foi um grande desabafo pessoal.

6 de Março, 2004 jvasco

Animações engraçadas

Este link dá para uma página de animações engraçadas. São pequenas sátiras, na sua maioria sem estarem relacionadas com a temática religiosa. Mas aquela que eu apontei está, tal como uma ou outra que por lá andam. De qualquer forma, há muitas outras engraçadas.

22 de Fevereiro, 2004 jvasco

Crença, Racionalidade e Fé

Devo dizer que me irrita um pouco esta mania dos crentes de considerarem que os Ateus “têm a certeza” de que Deus não existe. Alguns tê-la-ão (existem até “12 provas da inexistência de Deus”, que é uma obra interessante), mas ser Ateu é NÃO ACREDITAR em Deus. E eu não acredito, tal como não acredito no Pai Natal. MAS não tenho a certeza que nenhum dos dois não exista, tal como não tenho a certeza que f=ma, tal como não tenho a certeza que as formigas não são na verdade um civilização avançada, ou que as bactérias tenham uma inteligência inferior à dos seres humanos. Se formos ao limite, eu não tenho a certeza de NADA.

Por isso eu acredito em coisas. Acredito que estou no Universo, acredito que f=ma, acredito que o Pai Natal não existe, etc… Qual é o critério? É a plausibilidade. Até agora todos os corpos cairam. O que é que é mais provável?

a)Existe uma lei que faz com que os corpos caiam

b)foi tudo uma gigantesca coincidência.

Eu acredito em a), sem ter (no limite) a certeza.

É possível que todas as leis físicas, todos os computadores, máquinas, técnicas agrícolas, etc… tenham funcionado por uma gigantesca coincidência. Posso imaginar que na verdade todos os corpos andam aleatoriamente, e a força da gravidade que nós pensávamos ver (bem como a electromagnética, a nuclear forte e fraca) foi tudo uma coincidência. Uma coincidência que fez com que eu (e toda a vida como a conhecemos) existisse. Isso é possível. Porque é que eu não acredito nisto?

PORQUE escolho acreditar na hipótese mais plausível. É só isso.

Tento descobrir a hipótese mais plausível a partir dos dados que tenho ao meu dispor, pensar sobre eles, e acreditar naquilo que é mais plausível.

A FÉ é o oposto: é acreditar em algo INDEPENDENTEMENTE do seu grau de plausibilidade.

Quando Jesus (alegadamente…) diz a Tomé que a crença deste não vale tanto como a dos outros que não necessitaram de o ver, ele está a defender a FÉ: as pessoas não deviam escolher aquilo em que acreditam com base nos indícios. Acreditar em Cristo depois de o ter visto é “fácil”, não é preciso “FÉ”.

Mas a racionalidade está contra isso. Nós devemos precisamente acreditar mais ou menos em algo EM FUNÇÃO do grau de plausibilidade.

E é isto que distingue os Ateus dos crentes. É este o cerne da diferença.

19 de Fevereiro, 2004 jvasco

Deus e o Estado

Um excerto de uma obra de MIKHAIL BAKUNIN, de nome “Deus e o Estado”.

O texto completo pode ser obtido aqui

“Sim, os nossos primeiros ancestrais, Adão e Eva foram, senão gorilas, pelo menos primos muito próximos dos gorilas, dos omnívoros, dos animais inteligentes e ferozes, dotados, em grau maior do que o dos animais de todas as outras espécies, de duas faculdades preciosas: a faculdade de pensar e a necessidade de se revoltar.

Estas duas faculdades, combinando sua acção progressiva na história, representam a potência negativa no desenvolvimento positivo da animalidade humana, e criam consequentemente tudo o que constitui a humanidade nos homens.

A Bíblia, que é um livro muito interessante, e aqui e ali muito profundo, quando o consideramos como uma das mais antigas manifestações da sabedoria e da fantasia humanas, exprime esta verdade, de maneira muito ingénua, em seu mito do pecado original. Jeová, que, de todos os bons deuses adorados pelos homens, foi certamente o mais ciumento, o mais vaidoso, o mais feroz, o mais injusto, o mais sanguinário, o mais despótico e o maior inimigo da dignidade e da liberdade humanas, Jeová acabava de criar Adão e Eva, não se sabe por qual capricho, talvez para ter novos escravos. Ele pôs, generosamente, à disposição deles toda a terra, com todos os seus frutos e todos os seus animais, e impôs um único limite a este completo gozo: proibiu-os expressamente de tocar os frutos da árvore de ciência. Ele queria, pois, que o homem, privado de toda consciência de si mesmo, permanecesse um eterno animal, sempre de quatro patas diante do Deus “vivo”, seu criador e seu senhor. Mas eis que chega Satã, o eterno revoltado, o primeiro livre-pensador e o emancipador dos mundos! Ele faz o homem envergonhar-se de sua ignorância e de sua obediência bestiais; ele o emancipa, imprime em sua fronte a marca da liberdade e da humanidade, levando-o a desobedecer e a provar do fruto da ciência.

Conhece-se o resto. O bom Deus, cuja presciência, constituindo uma das divinas faculdades, deveria tê-lo advertido do que aconteceria, pôs-se em terrível e ridículo furor: amaldiçoou Satã, o homem e o mundo criados por ele próprio, ferindo-se, por assim dizer, em sua própria criação, como fazem as crianças quando se põem em cólera; e não contente em atingir nossos ancestrais, naquele momento ele os amaldiçoou em todas as suas gerações futuras, inocentes do crime cometido por seus ancestrais. Nossos teólogos católicos e protestantes acham isto muito profundo e justo, precisamente porque é monstruosamente iníquo e absurdo. Depois, lembrando-se de que ele não era somente um Deus de vingança e cólera, mais ainda, um Deus de amor, após ter atormentado a existência de alguns biliões de pobres seres humanos e tê-los condenado a um eterno inferno, sentiu piedade e para salvá-los, para reconciliar o seu amor eterno e divino com sua a cólera eterna e divina, sempre ávida de vítimas e de sangue, ele enviou ao mundo, como uma vítima expiatória, seu filho único, a fim de que ele fosse morto pelos homens. Isto é denominado mistério da Redenção, base de todas as religiões cristãs.

Ainda se o divino Salvador tivesse salvo o mundo humano! Mas não; no paraíso prometido pelo Cristo, como se sabe, visto que é formalmente anunciado, haverá poucos eleitos. O resto, a imensa maioria das gerações presentes e futuras arderão eternamente no inferno. Enquanto isso, para nos consolar, Deus, sempre justo, sempre bom, entrega a terra ao governo dos Napoleão III, Guilherme I, Fernando da Áustria e Alexandre de todas as Rússias.” Agora que já se passaram uns aninhos desde que o texto foi escrito, poderíamos acrescentar Hitler, Estaline, Bush, etc…

Mais à frente o texto continua:

“Entretanto, no mito do pecado original, Deus deu razão a Satã; ele reconheceu que o diabo não havia enganado Adão e Eva ao prometer-lhes a ciência e a liberdade, como recompensa pelo acto de desobediência que ele os induzira a cometer. Assim que eles provaram o fruto proibido, Deus disse a si mesmo (ver a Bíblia): “Aí está, o homem tornou-se como um dos deuses, ele conhece o bem e o mal; impeçamo-lo pois de comer o fruto da vida eterna, a fim de que ele não se torne imortal como Nós”.

Deixemos agora de lado a parte fabulosa deste mito, e consideremos seu verdadeiro sentido, muito claro, por sinal. O homem emancipou-se, separou-se da animalidade e constituiu-se homem; ele começou sua história e seu desenvolvimento especificamente humano por um acto de desobediência e de ciência, isto é, pela revolta e pelo pensamento.”

Não podia concordar mais!