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Autor: João Monteiro

25 de Março, 2022 João Monteiro

Sobre a consagração da Rússia e da Ucrânia

Hoje teve lugar a Consagração da Rússia e da Ucrânia ao Sagrado Coração de Maria, numa cerimónia que teve lugar em simultâneo no Vaticano e no Santuário de Fátima. O Papa pediu a todos os bispos que estivessem presentes.

O padre Carlos Cabecinhas, reitor do Santuário de Fátima, explica do que trata esta iniciativa: “Um Ato de Consagração significa pedir a paz como dom de Deus, mas pedir também a Deus que toque o coração dos decisores políticos, para que encontrem caminhos justos para a solução dos problemas, que nunca podem ser a guerra. A guerra nunca é solução”.

Enquanto o papa presidia à consagração no Vaticano, o cardeal polaco Konrad Krajewski presidiu a cerimónia em Fátima. No seu discurso, o cardeal afirmou que a motivação desta iniciativa é “expulsar o demónio da guerra” e que os católicos têm “uma arma sofisticada: a oração, o jejum e a esmola” (…) “Convido-vos a usar esta arma e vereis que teremos um milagre”.

O Secretariado Geral da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) fez ainda um apelo: “Pede-se que todas as paróquias, comunidades, institutos de vida consagrada e outras instituições eclesiais assumam esta intenção de consagração nas celebrações desse dia”. E agora faço uma pergunta: Qual foi a personalidade pública e política que respondeu a este apelo? Provavelmente adivinharam: o senhor Presidente da República, considerando que o evento é um apelo à paz universal. O mesmo não foi sozinho, tendo o corpo diplomático também sido convidado.

Enquanto o Presidente estava num ato que só pode ser entendido como simbólico, porque na realidade é ineficaz se atendermos a uma relação de causa-efeito, os Chefes de Estado e de governo dos países-membros da NATO estiveram reunidos para discutir a invasão do governo russo à Ucrânia.

21 de Março, 2022 João Monteiro

O que é rezar?

Ainda sobre o potencial da oração na resolução de conflitos.

18 de Março, 2022 João Monteiro

“Nossa Senhora de Fátima” já está na Ucrânia

No dia 12 de Março deste ano, os jornais informavam que o Santuário de Fátima iria enviar uma estátua da Virgem Peregrina para a Ucrânia. A motivação terá estado num pedido do arcebispo local Ihor Vozniak, com o intuito de alcançar a paz pela oração.

Está então encontrada a resolução para o conflito: qual resistência do povo ucraniano contra os invasores, quais negociações, quais intervenções políticas – afinal bastava parar e rezar.

Os crentes poderão argumentar que não devemos escarnecer desta estátua com supostos poderes milagrosos, pois a mesma será a personificação da “verdadeira Nossa Senhora”. E, de facto, esta estátua que foi para a Ucrânia não é uma estátua qualquer: é a réplica nº13 (a original continua em Portugal).

A mesma chegou ontem à Ucrânia (17 de Março) e aí ficará durante um mês. Se a paz for alcançada, e nós queremos que seja, a Igreja irá fazer dessa situação um aproveitamento atribuindo a responsabilidade à presença da estátua, mesmo que a causa verdadeira tenha sido a intervenção política ucraniana e internacional.

Acho incrível a capacidade de acreditar que um pedaço de madeira/barro/plástico que constitui a estátua possa parar uma guerra. Mais incrível quando se sabe que se trata de uma réplica e não da estátua original!

Além disso, porquê desejar uma estátua portuguesa e não utilizar uma estátua de uma santa ou santo local? Para quê levar uma estátua a viajar entre países, quando a própria Virgem poderia aparecer diretamente ao vivo no local? (a resposta a esta é fácil, porque a dita Virgem não existe e por isso nunca apareceu presencialmente).

A crença, frequentemente, é irracional. Mas para continuar a acreditar é necessário atribuir uma virtude que compense essa irracionalidade: a fé é essa virtude. É elogiado o que tem fé e criticado publicamente quem não a tem. Aí está o reforço psicológico para continuar a acreditar.

É claro que compreendo que a nível emocional, e ainda para mais num contexto desesperante como este, de uma guerra, as pessoas precisem de algo que lhes dê animo – e portanto, diriam alguns, está aí a função da religião. Porém, condeno o recurso à crença e à superstição para dar esse ânimo, porque é uma falsa esperança, um apoio frágil e enganador, enfim, é uma atitude paternalista. O ânimo deve ser dado por aquilo que realmente existe: as pessoas e a capacidade de mudança por intervenção do coletivo.

17 de Março, 2022 João Monteiro

Vereador de Lisboa: estando em funções, vai em procissões

Ângelo Pereira, vereador da Câmara Municipal de Lisboa, abandonou o seu exercício de funções para acompanhar a Procissão do Senhor dos Passos da Graça. O próprio fez questão de o mencionar com alarde no twitter (ver fotos abaixo). Estes tweets merecem duas críticas: uma de carácter institucional e outra de carácter religioso.

A nível institucional, e tendo nós um Estado Laico, há que relembrar o dever de separação da crença individual do exercício de funções públicas, o que exige uma neutralidade confessional. Assim, Ângelo Pereira poderia estar na procissão na qualidade de cidadão enquadrado na sua crença, mas não se poderia identificar como Vereador em exercício de funções públicas como fez no tweet. Além do mais, o carácter político na procissão fica reforçado se atendermos que o mesmo contou com a presença da Embaixadora da Ucrânia e – surpresa, surpresa – do nosso Presidente da República.

A nível religioso há a apontar a oração pela paz e fim da guerra. Qual o resultado prático desta oração? Nenhum. Não são as orações que terminam as guerras – aliás, não fazem nada. O que termina as guerras são as conversações, as negociações e as intervenções políticas. Mas, uma vez mais, orações religiosas e intervenções políticas deveriam ser como água e azeite: não se misturam.

Sejamos construtivos: então qual o procedimento correto que o vereador deveria ter tido?

a) presença na procissão a título pessoal, enquanto cidadão, ou não ir de todo;

b) no final do ato religioso, convidaria a Embaixadora e o Presidente da República para um encontro de carácter político em ambiente profano.

É simples. Fica a dica para próximas ações.

16 de Fevereiro, 2022 João Monteiro

Deus aceita esmolas também por Multibanco

O santuário de Fátima instalou terminais de pagamento Multibanco para receber donativos e esmolas, segundo noticiaram a revista Sábado e outras publicações (ver aqui). O terminal permite colocar o valor do donativo e fazer a transferências por contactless através do cartão e smartphone.

A diocese justifica que esta medida pretende “servir melhor os peregrinos”, nós consideramos que serve melhor os interesses e os cofres da Igreja. Isto é daquelas manipulações básicas em que alguém faz algo em interesse próprio, mas justifica que é para benefício de terceiros, para ter melhor aceitação.

Talvez a Igreja devesse seguir o conselho que Jesus, alegadamente, deu ao jovem que lhe perguntou o que mais poderia fazer: «Jesus disse a ele: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”. Ao ouvir essa palavra, o jovem afastou-se pesaroso, pois era dono de muitas riquezas.» (Mat, 19: 21-22). Assim é também a Igreja, apregoa o voto de pobreza mas dona de muitas riquezas não está disposta a abdicar das mesmas. Hipocrisia.

Imagem do Reddit
19 de Novembro, 2021 João Monteiro

Livro: “Roma, temos um problema”

A propósito do texto publicado ontem aqui no blogue, e dada a atualidade do tema, parece-nos pertinente sugerir a leitura do livro “Roma, temos um problema”, sobre a história dos abusos sexuais de menores (e não só) no seio da Igreja e como a instituição lidou com esses acontecimentos ao longo do tempo. O livro foi recentemente publicado pela editora Tinta da China.

A SIC Notícias abordou esse tema no seu website, e a reportagem pode ser lida aqui.

18 de Novembro, 2021 João Monteiro

O abuso sexual de menores e a Igreja Católica

O abuso sexual de menores é um problema prevalente na sociedade e que merece o maior repúdio por parte dos cidadãos, porque afeta crianças (deixando sequelas físicas e psicológicas) e porque é perpetrado por pessoas próximas e da confiança daquelas (familiares, vizinhos e padres, por exemplo). Antes de avançar, clarifiquemos os termos: o abuso sexual de menores é o ato que se deve condenar e que está tipificado como crime; a pedofilia é considerada uma parafilia e não é crime (porque nem todos os pedófilos cometem abuso sexual de menores).

Abusos sexuais em vários países europeus

A Igreja, enquanto instituição, há muito que se debate com este problema, embora só recentemente, e relutantemente, tenha assumido a existência de casos de abusos no seu seio – apesar deste passo, a instituição continua a esconder, a negar e a desvalorizar as denúncias que amiúde vêm a público.

Na Irlanda, “desde 2002, vários relatórios e investigações evidenciaram mais de 15 mil casos de abuso sexual cometidos entre as décadas de 1960 e 90, (…) mas as desculpas do Papa Francisco só chegaram em 2018”, refere uma notícia da Euronews. A Igreja Católica na Alemanha solicitou um relatório independente que concluiu que “314 menores sofreram violência sexual por parte de 202 membros do clero e leigos entre 1975 e 2018 na diocese alemã de Colónia”, refere o Diário de Notícias.

Numa revisão recente ao seu Código de Direito Canónico, a Igreja Católica passou a enquadrar o crime de abuso sexual de menores no capítulo dos delitos contra a vida, a dignidade e a liberdade do homem.

O caso recente da França

Com isto, chegamos às notícias da atualidade. Na sequência do escândalo dos abusos sexuais praticados pelo Padre Bernard Preynat, em Lyon, que levou à demissão do arcebispo dessa cidade, o cardeal Philippe Barbarin, foi criada a Comissão independente sobre o Abuso Sexual na Igreja Francesa, presidida por Jean-Marc Sauvé, para analisar o que se passou nesse país. Ao longo de dois anos e meio de trabalho, a referida comissão analisou arquivos (igreja católica, polícia, justiça e imprensa) e testemunhos de pessoas, tendo finalizado o trabalho com um relatório com cerca de 2500 páginas, em que dá uma visão quantificativa do fenómeno e apresenta 45 soluções. As conclusões do relatório são demolidoras: nos últimos 70 anos, isto é, de 1950 até ao presente, terão existido 115.000 padres ou religiosos em França, dos quais cerca de 3000 terão sido abusadores de crianças – uma estimativa por baixo. No mesmo período de tempo, mais de 330 mil crianças terão sido abusadas.

E em Portugal?

Em Portugal as autoridades eclesiásticas têm fechado os olhos, afirmando não ter dados estatísticos ou dando a entender que, a haver casos em Portugal, eles seriam residuais, como noticiou o jornal Público em Maio deste ano. Em outubro, no seguimento da apresentação do relatório francês, o jornal Público voltou a contactar alguns padres e a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), entidade que afiançou que se estaria a preparar a organização de uma comissão para analisar os casos em território nacional e elaborar também um mapa estatístico da distribuição de casos. Ao jornal Expresso, a CEP disse também estar a planear organizar ações de formação e a elaboração de um manual de boas práticas.

A história das denúncias de abusos sexuais por membros da Igreja nas últimas décadas mostra que os mesmos só foram levados a sério após denúncias pelos meios de comunicação social e por pressão da sociedade. Perante a passividade do clero português em dar passos resolutos, noticiou o jornal Público que católicos pedem investigação aos abusos sexuais pelo clero português nos últimos 50 anos.

Por incrível que pareça, e certamente pela primeira vez, vejo-me a concordar com o padre conservador Gonçalo Portocarrero de Almada (imagine-se!!) quando ele afirma que “é absolutamente necessário que se conheça toda a verdade e que a Igreja seja exemplar no exercício da justiça e da caridade para com as crianças, que são as principais vítimas deste terrível flagelo (…) Também sempre disse que os abusadores e encobridores, sejam clérigos ou leigos, bem como os que foram cúmplices destes crimes, por conivência ou omissão, devem sofrer todas as consequências legais e morais desses seus actos. Que a CEP siga estas palavras.

Conclusão

A Igreja pode e deve organizar as comissões que bem entender dentro do âmbito do seu funcionamento institucional. Porém, para haver uma comissão verdadeiramente independente, a mesma não deve ter membros do clero que possam condicionar ou influenciar o resultado das averiguações. Além disso, estamos a falar de uma situação grave, e até de índole criminal, que é o abuso sexual de menores, pelo que a investigação a estes potenciais crimes deve envolver as autoridades oficiais, nomeadamente a investigação por parte da polícia judiciária e do ministério público.

Fonte: Pixabay

Fontes:

Depois do silêncio”. Como a Irlanda se reergue dos casos de pedofilia – Euronews 2-12-2020

Mais de 300 crianças abusadas sexualmente por membros do clero na Alemanha. “A maior crise que a Igreja já viveu” – Diário de Notícias 18-3-2021

Abusos sexuais na Igreja portuguesa: um ano depois, 4 queixas e apenas uma investigação aberta – Público 29-5-2021

Papa determina que pedofilia é crime “contra a dignidade” – Euronews 1-6-2021

Cerca de três mil pedófilos na Igreja Católica francesa desde 1950 – Diário de Notícias 3-10-2021

330 mil crianças foram vítimas de pedofilia na Igreja Católica francesa – Euronews 5-10-2021

Plus de 300 000 victimes en 70 ans: les chiffres chocs de la pédophilie dans l’Eglise – L’Express 5-10-2021

Igreja Católica portuguesa admite investigação de casos de pedofilia desde que não seja limitada ao clero – Público 9-10-2021

Pedofilia na Igreja: bispos avançam com grupo coordenador nacional das comissões diocesanas de proteção de menores – Expresso 12-10-2021

Católicos pedem investigação aos abusos sexuais cometidos pelo clero português nos últimos 50 anos – Público 8-11-2021

Pedofilia na Igreja em Portugal: só a verdade nos faz livres – Observador 16-10-2021

5 de Novembro, 2021 João Monteiro

Todos nascemos Ateus

Texto de João Monteiro

Escreveu o Onofre Varela, num texto publicado neste blogue a 22 de outubro, que:

Ninguém nasce ateu ou religioso, tal como não se nasce a saber falar.
A língua materna é aprendida em família, e o sentido da religiosidade também”
.

Apraz-me comentar que discordo da primeira parte, pois entendo que todos nascem ateus, isto é sem crerem em qualquer deus. Porém, Onofre Varela está correto na segunda frase quando afirma que o sentido de religiosidade é aprendido em família – ou em qualquer outro ambiente cultural em que se desenvolva o petiz.

Podemos debater se uma criança sem qualquer contacto religioso terá uma tendência inata para qualquer tipo de espiritualidade. Mas o que é inegável é que o contexto em que se cresce pode contribuir de algum modo para uma tendência religiosa. Alguém que cresça num contexto cristão terá tendência a identificar-se como cristão; alguém que nasça num contexto islâmico terá tendência a identificar-se como muçulmano; alguém que cresça num contexto judaico terá tendência a identificar-se como judeu; alguém que cresça num contexto politeísta terá tendência a prestar homenagem a diversos deuses; alguém que cresça num contexto ateísta terá tendência a manifestar-se indiferente a qualquer crença religiosa.

Será ao longo do seu desenvolvimento, e num contexto de liberdade de pensamento, i.e. sem pressões e condicionalismos externos, que um indivíduo poderá formar a sua opinião sobre o seu percurso religioso (ou agnóstico/ateu). A crença numa dada religião não é um fenómeno natural, mas antes o resultado de uma transmissão cultural. Daí não se poder afirmar que há uma religião única verdadeira. Para qualquer crente, a sua religião é a verdadeira, mas se ele tivesse nascido noutro país ou noutra família já estaria a defender como verdadeira outra religião.

Em resumo: todos nascem ateus; a crença religiosa é dependente do meio em que se está inserido e da pressão social existente.

Imagem de Sanjasy por Pixabay

4 de Novembro, 2021 João Monteiro

Lei do Divórcio

Texto de Carlos Esperança

Lei do divórcio – Viva a República (Efeméride)

Há 111 anos foi decretada a primeira lei do divórcio, logo publicada no dia seguinte, no Diário do Governo n.º 26, de 4/11/1910, pág. 282.

O decreto de 3 de novembro decidiu no seu Artigo 1.º que o casamento se dissolve:

1.º – Pela morte de um dos cônjuges;
2.º – Pelo divórcio.

O segundo ponto foi o avanço civilizacional que agitou mitras, báculos e sotainas. Sob as tonsuras ferveram raivas e rangeram dentes, enquanto a acidez gástrica aumentava e o ódio à República crescia.

«Marido e mulher terão desde então o mesmo tratamento legal, quanto aos motivos de divórcio e aos direitos sobre os filhos».

Não bastava o divórcio pôr em causa a ordem divina interpretada pelo clero, veio ainda a igualdade de género a contrariar preceitos pios que a Igreja defendia há séculos.

A paz e a ordem voltariam com Salazar, graças à Concordata, que eliminou a ofensa ao sacramento do matrimónio e satisfez os celibatários avençados do Divino.

Viva a República!

22 de Outubro, 2021 João Monteiro

Sobre o pensamento ateu

Texto de Onofre Varela

Ninguém nasce ateu ou religioso, tal como não se nasce a saber falar.

A língua materna é aprendida em família, e o sentido da religiosidade também.

Todas as sociedades obedecem a preceitos religiosos que alicerçam o pensamento enraizando-o de geração em geração.

Na minha família (sou filho de pai republicano e ateu, e de mãe católica não praticante) nunca se deu importância à fé religiosa. Fui educado no respeito pelo próximo e pela Natureza, dispensando a adoração a deuses e a santos.

Quando tive idade para raciocinar, e em confronto com os meus amigos participantes em missas, acompanhei-os e senti necessidade de os interrogar sobre o culto. Aquilo parecia-me estranho por não ter bebido da taça religiosa dos meus amigos, e afastei-me voluntariamente de celebrações litúrgicas que me pareciam sem nexo.

No passar do tempo que tudo transforma, a minha atitude perante a Religião também sofreu alterações. Aquela frase popular “só os burros não mudam de opinião”, funciona em todos os sectores… sendo que a opinião mudada pode incluir a total inversão do caminho, direccionando-a noutro sentido, ou considerar, apenas, um retoque, limando o que precisa de ser limado, quando se entende que o caminho está bem traçado e por isso se recusa um retrocesso.

A minha preocupação primeira de negar Deus, sem muita substância no pensamento que me levava à negação, alimentada na juventude que tudo sabe, pode e vence, acabou por me passar. Foi como um resfriado!… Não porque o considerasse um pensamento errado na sua totalidade, mas porque me defrontei com um raciocínio mais maduro após 20 anos a dar atenção às coisas que à Religião pertencem.

A partir daí (tinha eu 40 anos) concluí ser ateu, e que a preocupação de negar Deus não fazia sentido. De facto, é tão desinteressante negar Deus, como é afirmá-lo. Discutir o conceito de Deus acaba por não ter significado. O conceito existe porque foi necessário criá-lo, e todas as criações têm a sua razão, a sua função e o seu tempo.

O Homem só cria aquilo de que necessita. A criação de vários deuses, primeiro, e a do conceito do “Deus único”, depois, resultam da mesma necessidade intelectual do Homem, ditada pela própria evolução do pensamento. A negação do conceito do Deus único que eu faço aqui (e que já muitos autores o fizeram e provavelmente tantos outros o farão) também pertence a essa evolução. Será o derradeiro ponto final na História dos deuses e de Deus.

A esta conclusão cheguei com a contagem dos anos. Crer ou descrer tem tanta importância como sair de casa para ir ao cinema num centro comercial ou à missa na igreja da paróquia. Nenhuma das opções é mais importante do que a outra. Para quem as toma é uma atitude pessoal legítima que depende, unicamente, da vontade e do interesse de cada um… e cada qual atribuirá à questão do sagrado e dos credos relacionados, o grau que pretender atribuir-lhe.

As discussões acesas sobre Deus e a fé religiosa, não acrescentam nem diminuem nada na medida da crença de uns, nem na medida da descrença de outros. Em regra os contendedores terminam como começaram… nenhum deles aceita ter aprendido ouvindo o outro… até porque não se ouve o outro… ambos querem debitar discurso mais forte, real e único. Discursos que, afinal das contas, no contexto social em que vivemos, com tantas preocupações bem mais importantes… são nada!

Importante é que a troca de ideias não tenha fim, e que ambos os intervenientes nesta discussão (ateus e religiosos) se respeitem mutuamente e aprendam a ouvir opiniões contrárias às suas e raciocinem sobre elas, em vez de as descartarem liminarmente sem tentarem entender a razão do outro.

A fuga à tentativa de perceber o porquê de existirem ideias contrária às nossas, tão usada nas militâncias políticas, futebolísticas e religiosas, não abonam a qualidade do raciocínio de quem assim age…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV