Loading

Autor: João Monteiro

19 de Outubro, 2021 João Monteiro

A Igreja é uma instituição politicamente neutra?

Texto de Onofre Varela

O semanário Alto Minho, na sua edição do dia 2 de Junho último, dedica uma página à notícia protagonizada pelo padre Tiago Rodrigues (não confundir com Tiago Brandão Rodrigues, ministro da Educação!), pároco de Cardielos, Serreleis, Torre e Vila Mou, em Viana do Castelo.

O jornal divulga que o sacerdote não quer que “os leigos com nomeação episcopal se envolvam nas eleições autárquicas deste ano” e diz ter tomado tal posição para que “a neutralidade da Igreja seja mais visível e concreta”.

Naturalmente que a posição do padre Tiago só pode causar polémica numa sociedade democrática aberta a todas as tendências políticas e religiosas como, saudavelmente, é a nossa. Perante as primeiras críticas da população à sua atitude, o padre apressou-se a esclarecer que não pretende proibir ninguém de se envolver nas eleições. Apenas “declara que os membros da Fábrica da Igreja, Confrarias, Direcção e Conselho Fiscal do Centro Social e Paroquial” não devem integrar quaisquer listas concorrentes a eleições, sejam autárquicas ou parlamentares. Mas se “entretanto, optarem por integrar alguma corrida eleitoral, devem suspender as suas funções nos cargos paroquiais”.

Esta sua atitude pode parecer inserida numa lógica de “não infectar” a Igreja com procedimentos alheios ao culto… porém, o culto que o senhor padre Tiago Rodrigues representa, está infectado desde os seus princípios, em tempos medievais, enquanto modo de prender os crentes aos interesses da instituição através do medo à punição divina.

Contrariando o padre, um político local, com toda a legitimidade de cidadão numa república laica que se rege por uma Constituição democrática moderna, acusou o sacerdote de estar “a condicionar direitos, liberdades e garantias num acto eleitoral”, e considerou a posição do sacerdote como uma “interferência brutal nunca antes vista”.

A notícia do semanário Alto Minho obriga-me a interrogar:

A Igreja Católica, enquanto instituição, é politicamente neutra?…

Eu tenho a resposta: Não!… Enquanto agente social, a Igreja faz política.

A atitude do padre Tiago Rodrigues é uma atitude política.

O Homem é, essencialmente, político… e a Igreja é feita por homens. Todas as atitudes sociais tomadas por sacerdotes são atitudes políticas, incluindo a proibição decretada pelo senhor Tiago Rodrigues.

Desde sempre a Igreja foi uma instituição política, criticando governos… e pior ainda (para mim que sou de Esquerda) quando essa crítica é dirigida a atitudes políticas de Esquerda, enaltecendo atitudes políticas de Direita, como é o caso das leis da interrupção da gravidez e da eutanásia.

A Igreja (enquanto instituição) usa o púlpito para defender ideais políticos de Direita, atacando ideais de Esquerda. E quando no seu seio algum sacerdote de índole mais humana e fraterna, atento à História política do país, assume discurso diverso do oficialmente decretado pelos mandantes do credo (o Vaticano), esse sacerdote corre o risco de expulsão, como aconteceu com o padre Mário de Oliveira, da Lixa (lixaram-no!…).

E quando no Vaticano há um papa como Francisco I, atento à sociedade, usando discursos inabituais, a Santa Sé transforma-se num ninho de víboras que esperam ver Francisco I substituído na cadeira de S. Pedro.

O que na Igreja se faz é política, e o culto é uma arma… muitas vezes letal… e se hoje já não protagoniza actos como a queima dos infiéis na fogueira… move-se nos bastidores do mundo, conseguindo impor vontades que nunca (ou raramente) são as aspirações da generalidade dos povos crentes, obedientes e tementes!…

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Opinião de Onofre Varela sobre a alegada neutralidade da Igreja.
Imagem de Peter H por Pixabay
18 de Outubro, 2021 João Monteiro

Estarão todos doidos?!…

Texto da autoria de Onofre Varela

Ultimamente tornou-se moda contestar a História, pretendendo reescrevê-la de acordo com um certo pensamento divorciado dos factos que a fizeram. Nesse sentido há atitudes vândalas contra estátuas e monumentos, como fizeram à imagem do Padre António Vieira, em Lisboa, a quem acusam de ter pactuado com a escravatura e os maus tratos aos povos indígenas do Brasil; e ao Monumento aos Descobrimentos, em Belém… como se não fosse um facto histórico dali terem partido as caravelas dos nossos marinheiros quinhentistas, e como se tal facto não fizesse parte da História, nem representasse um modo de se ser e de se fazer, num determinado tempo e lugar, em determinadas circunstâncias ditadas pelo evoluir da sociedade e do próprio pensamento social e filosófico que faz cada tempo!

A História conta-nos os feitos dos nossos antepassados, quer nós gostemos, ou não, de algumas narrativas. A História não é um petisco que se come, ou não se come, de acordo com os nossos gostos gastronómicos: é o registo de factos que não podem ser mudados. O meu professor de História, na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis, definia História como “uma sucessão de sucessos sucessivos que sucedem sucessivamente sem cessar”… e agora há uns patuscos que, ao estilo de Camões, gritam “cesse tudo o que a musa antiga canta…” por questões ideológicas actuais, alheias aos factos que fizeram a História. Em Julho último, por exemplo, indígenas do Canadá queimaram igrejas católicas, movidos pelo “desrespeito aos autóctones”, por parte de alguns padres em algum momento da História!

Ultimamente uma notícia divulgada pelo jornal espanhol El Mundo (edição de 10/9/2021) dá conta de, também no Canadá, uma instituição conservadora que agrupa 30 escolas francófonas de Ontário ter retirado das suas bibliotecas cerca de cinco mil livros que acabaram na reciclagem do papel, e outros em fogueiras “purificadoras” à boa maneira da Inquisição Católica! Algumas das obras “diabólicas” que mereceram tal fim, eram histórias de Banda Desenhada de Tintim e de Astérix!… E porquê?… Por, presumivelmente, a obra Tintim no Congo (de 1931) conter racismo. Igual acusação é dirigida ao Astérix (da excelente dupla de criadores Albert Uderzo [desenho] e René Goscinny [texto]) alegadamente por “falta de respeito pelas tribos índias do Canadá” (!?!)…

Os censores são umas bestas!… Não sabem destrinçar sátira e humor ficcional, de realidade histórica!… Também Pocahontas e Lucky Luke não escaparam à cerimónia de “purificação nas chamas”, e o conselho escolar declarou que, com tal acto “enterramos as cinzas do racismo, da discriminação e os estereótipos, com a esperança de as crianças crescerem num país inclusivo em que todos possam viver com prosperidade e segurança” (!?!).

Mas… o que é isto?!… Estará tudo doido?!… Se esses “puristas do pensamento” um dia acordarem com vontade de irem mais longe nessa purificação tomada como cruzada… vão ter de queimar a Bíblia!… É que os “textos sagrados” permitem que os pais vendam as suas filhas (Êxodo: 21; 7-8) “E se algum vender a sua filha […] não poderá vendê-la a um povo estranho”. E também permitem a escravatura (Levítico: 25; 44 – 46) “E quanto ao teu escravo ou à tua escrava que tiveres […] deles comprareis escravos e escravas […] também os comprareis dos filhos dos forasteiros que peregrinam entre vós […] e possuí-los-eis por herança para os vossos filhos depois de vós”!… Exactamente como se o escravo fosse um objecto de ser usado de mão em mão, assim como uma jarra ou um penico!

Gostava de conhecer o comportamento social diário desses “puristas-queimadores-de-livros” alegadamente por “respeito aos autóctones”! Se calhar ainda ia concluir que alguns deles mereceriam ocupar o lugar dos livros nas suas tão queridas fogueiras!… Estará tudo doido, ou sou eu que estou a ver mal a coisa?!…

(O autor obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Opinião de Onofre Varela sobre a reescrita da história.
Imagem de Anuj Chawla por Pixabay
1 de Outubro, 2021 João Monteiro

AAP condena a oferta autárquica de quadro religioso

29 de Setembro de 2021

Comunicado de Imprensa

Associação Ateísta Portuguesa condena a oferta autárquica de quadro religioso pago com o dinheiro dos contribuintes

A Câmara Municipal de Gaia pagou dez mil euros ao artista António Bessa por duas pinturas que assinalam a aprovação do concurso público para a ponte D. António Francisco Santos, nome do antigo Bispo da Diocese do Porto e cuja escolha a Associação Ateísta Portuguesa (AAP) já criticou. Os dois quadros, sob o título “A ponte que nos une”, retratam cada um respetivamente o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, e o presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues. Em ambos os quadros cada presidente aparece acompanhado do antigo bispo portuense, de jovens, de uma “Nossa Senhora” e do Santuário de Fátima como pano de fundo.

Esta situação já confirmada pelo “Polígrafo”, plataforma de verificação de factos, levanta dois problemas: um de ordem material e outro de ordem simbólica.

Por vivermos num estado laico, em que há separação clara entre o Estado e a Religião, a AAP condena o facto de uma Câmara Municipal utilizar o erário público para comprar uma obra religiosa. 

Que fique claro que nada impediria que o cidadão e artista António Bessa oferecesse uma obra da sua autoria, mesmo que religiosa, aos autarcas. Diferente é ser pago por uma instituição autárquica laica para produzir uma obra religiosa, que ainda por cima favorece uma religião em particular: a católica. 

Além disso, uma obra de arte nunca é neutra, trazendo consigo vários significados, muitos deles simbólicos. Assim, “a ponte que nos une” pode ser entendida literalmente como a ponte que unirá as cidades de Porto e Gaia, mas também os laços estratégicos que unem os dois presidentes de autarquias vizinhas. Mas a obra pode ter ainda um terceiro significado: tendo como peça central o antigo bispo e como pano de fundo Fátima, a religião pode ser entendida como a ponte que une a política dos dois autarcas. Portanto, é também pelo valor simbólico da obra, e não apenas pelo valor pecuniário desviado ao erário público, que a AAP condena esta oferta do quadro do Presidente de Gaia ao Presidente do Porto. 

Lembramos que a esfera religiosa deve permanecer afastada da esfera política, em respeito aos valores da República e da Laicidade que tanto custaram a estabelecer. 

10 de Setembro, 2021 João Monteiro

In Memoriam: Jorge Sampaio

Faleceu hoje Jorge Sampaio (1939-2021), que foi advogado, presidente da Câmara Municipal de Lisboa (1989-1995) e Presidente da República Portuguesa (1996-2006). O seu percurso será lembrado como uma vida dedicada à causa pública, como opositor à ditadura e pela sua atitude Humanista, em particular através da criação de oportunidades de integração para com os refugiados. Jorge Sampaio foi um ateu assumido, sem receio que isso o afetasse politicamente.

Em 2017, a propósito de uma homenagem a José Medeiros Ferreira organizada pelo IHC – Instituto de História Contemporânea, da FCSH-UNL, disse:

“Saímos do nada e voltamos para o nada. Entre estes dois pontos estende-se o ato da vida. Todos sabemos que é assim, mas como quase nunca sabemos a cronologia dos acontecimentos, pensamos mais no dia de amanhã do que no do fim.”

Prestamos os nossos pêsames aos familiares e amigos.

Direção da Associação Ateísta Portuguesa

Jorge Sampaio (1939-2021)
10 de Setembro, 2021 João Monteiro

Ateu, graças a Deus

Texto de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim.

É comum ouvirmos os crentes darem graças a Deus pelos mais diversos motivos: por terem saúde, por terem trabalho, por chover ou não chover, por fazer sol ou por terem feito boa viagem. Do mesmo modo os religiosos islâmicos – os da facção mais extremista e negativa – também evocam Deus antes de se fazerem explodir entre a multidão de um mercado, de uma estação de Metro ou de um aeroporto. Excluindo desta apreciação os bandidos que matam convictos de estarem a executar uma acção de santidade, sobram aqueles que têm de Deus a mais pacífica das imagens e, em seu nome, procuram ser bondosos. Muitos destes são, essencialmente, hipócritas. Afirmam-se boas pessoas dando esmola na igreja e oferecendo pacotes de arroz para missões caritativas, porque a ideia que têm de Deus é a de um polícia e juíz que espia e condena os crentes apanhados em falso. Soubessem que Deus estava distraído, ou que não existe… e borrifavam-se na caridadezinha social!

(Aliás, a caridade por hábito religioso [que não em situações extremas de calamidade] deve ser substituída pela obrigação social do Governo promover o bem-estar dos cidadãos. É essa a primeira e mais importante missão de um Governo, e é para isso que foi eleito. A caridade não resolve o problema da fome… ajuda a mantê-la! Os carenciados deste ano são os mesmos do ano passado, acrescentados de outros que a caridade produz quando os governos não resolvem o problema na sua base. Só há necessidade da caridade pública quando o Governo não é eficaz).

Estamos programados para dar graças a Deus pelos bons desfechos. Dizemos “graças a Deus fizemos boa viagem”, quando chegamos bem ao nosso destino. Se houver um acidente, nunca dizemos “graças a Deus espatifamos o carro e o tio Zé morreu”!… O que não se entende!… Porque sendo Deus o guardião de todos nós, deve ser responsabilizado, também, pelos maus desfechos, pois retirou-se do seu posto de vigia precisamente no momento em que fazia mais falta!… E quando os meus piadéticos amigos me dizem “és ateu graças a Deus”, não fazem ideia da verdade que estão a proferir para além da anedota que os motiva a debitarem essa frase velha como o mundo.

Vejamos: Um crítico literário, ou cinematográfico, só existe porque existe Literatura e Cinema. Se não existissem estes, não havia razão para existirem aqueles! Do mesmo modo, um Ateu (a: partícula de negação; + teo: Deus) é um crítico do conceito de Deus. Se não existisse o conceito, não haveria lugar para a existência dos seus críticos. Na verdade é graças a (o conceito de) Deus, que os ateus (seus críticos) existem!

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

OV

2 de Setembro, 2021 João Monteiro

Ainda os abusos sexuais exercidos por religiosos

Texto de Onofre Varela, publicado na Gazeta Paços de Ferreira.

Já aqui divulguei que o jornal espanhol El País tem um departamento que se dedica a investigar casos de pedofilia protagonizados por sacerdotes, ou outros profissionais, em estabelecimentos de ensino administrados pela Igreja Católica. Tal departamento recebe depoimentos de ex-alunos (que dizem terem sido abusados sexualmente enquanto crianças ou jovens) e depois investiga.

(Bem sei que o abuso sexual não é exclusivo de agentes religiosos da fé católica com, ou sem, responsabilidades no ensino. Mas, dado o conceito de “amor” tão difundido pela Igreja, bastaria um único caso de crime sexual dentro da sua organização, para que o seu propalado amor fosse considerado uma farsa a merecer crítica severa).

Na sua edição de 24 de Julho último, o El País conta haver uma investigação criminal à instituição religiosa católica designada por Maristas, sediada em León. A investigação chegou a 20 colégios em todo o território espanhol e abarca casos de pedofilia cometidos entre as décadas de 1950 e 1990. Só na Galiza contam-se denúncias de 13 religiosos, e nas investigações já encetadas em 16 centros contam-se 18 vítimas. Em León há cinco acusados num só colégio.

As investigações espalham-se por instituições situadas em Madrid, Barcelona, Valência, Granada, Bilbao, Erandio (Biscaia), Artzeniega (Álava), Pamplona, Toledo, Badajoz, Málaga, Múrcia e Elche. Os abusos são relatados como sendo cometidos em salas de aula vazias e em dormitórios, por treinadores de basquetebol, pelo enfermeiro e pelo próprio tutor… todos eles professores com fama reconhecida.

A seu tempo houve várias denúncias de pais e alunos que não serviram de nada. Hoje, os queixosos são antigos alunos com idades que ultrapassam os 70 anos, contando-se entre eles profissionais como professores, médicos e empresários, que guardaram segredo por toda a vida, não revelando os abusos de que foram vítimas, nem às suas famílias nem às autoridades. A maioria dos sacerdotes acusados pelos ex-alunos mais idosos, já faleceram.

Nos últimos anos foram acusados 36 Maristas, maioritariamente em colégios catalães, onde a ordem religiosa chegou a acordo com a Justiça e as vítimas, pagando indemnizações no valor de 400.000€ a 25 famílias.

Os actuais responsáveis pela instituição Marista pedem perdão a todas as vítimas por terem falhado, reconhecendo que não foram capazes de proteger e cuidar dos seus alunos como era sua obrigação.

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

Onofre Varela

Texto de opinião de Onofre Varela, sobre os abusos sexuais na Igreja.
Imagem de Zoltan Suga por Pixabay
1 de Setembro, 2021 João Monteiro

Voltando à defesa do Ateísmo

Texto de Onofre Varela, publicado na Gazeta de Paços de Ferreira.

Terminada a série de quatro artigos onde abordei a vida aventurosa do Padre/Arqueólogo Eugénio Jalhay, regresso ao teor dos meus artigos habituais nesta coluna em defesa do Ateísmo.

Para quem pense que, pelo facto de eu ser ateu, deveria dizer mal de tudo quanto cheire a Igreja e de todas as acções dos sacerdotes… terá de rever esses seus pensamentos conspurcados por um fundamentalismo que deve evitar em nome de uma decência comportamental.

O facto de ser ateu não impede o meu elogio a sacerdotes e outros agentes religiosos quando o elogio se impõe, como foi o caso de Eugénio Jalhay. E isto é assim porque um ateu, antes de ser ateu, é homem… com todos os defeitos e todas as virtudes que são comuns a qualquer ser humano.

Um dia, em conversa com um amigo sacerdote católico, falei das razões que me levaram a ser ateu. Ele não só me entendeu como usou um discurso semelhante ao meu, o que me levou a dizer: “Espera lá!… Afinal, quem é o ateu? Sou eu ou és tu?!”. Respondeu-me que a verdade que salta aos olhos não pode ser escamoteada nem ter outra interpretação.

Esta casualidade de discursos idênticos, vindos de um ateu e de um homem de fé, foi referida pelo poeta inglês T. S. Eliot em relação ao livro “Porque Não Sou Cristão” do filósofo ateu inglês Bertrand Russel, que foi editado em 1927. Disse ele: “O senhor Russel supõe que não é Cristão porque é ateu […] quando nos familiarizamos com o Ateísmo reconhecemos que é, frequentemente, uma variedade do Cristianismo”.

O teólogo alemão Rudolf Bultmann, na década de 1960, defendia um “Cristianismo arreligioso”, retirando a Jesus Cristo a carga mitológica com que o enfeitam enquanto “filho de Deus”, tornando-o puramente humano. E o seu colega, também teólogo, J. L. Altizer, propôs a ideia do “Ateísmo Cristão”.

Por cá, por estas nossas terras lusitanas onde o Ateísmo é tão vilipendiado sem qualquer razão racional para isso (sendo-o, apenas, por questões culturais e preconceituosas), o pensador, professor universitário e escritor açoriano, Vitorino Nemésio, no seu programa de televisão dos anos 60, “Se Bem Me Lembro”, onde proferia palestras que eram, sempre, interessantes, disse um dia: “Sou, contraditoriamente, religioso e ateu…”. Esta é a conclusão de um homem sábio: religioso pela positividade de alguns conceitos comportamentais inscritos na Bíblia – o livro eleito por Judeus e Cristãos – como, por exemplo, “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Levítico: 19; 18) o que, se fosse bem considerado, impediria guerras e outros conflitos; e ateu pela racionalidade científica que coloca cada coisa no seu lugar natural, fazendo, de cada um, um verdadeiro conhecedor… o que, inevitavelmente, nos conduz para a via do pacifismo!

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

Imagem de un-perfekt por Pixabay
31 de Agosto, 2021 João Monteiro

Ser ateu é difícil… chiça!…

Texto de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim

O sentido religioso promove e alimenta o êxtase da fé. Criamos símbolos com o propósito de os adorarmos, tal como os Hebreus fizeram com o bezerro de ouro. Moisés insurgiu-se contra o povo idólatra… mas hoje os cultos do seu livro, e que pregam por ele, continuam a alimentar a idolatria, mormente o Catolicismo que é muito rico em iconografia, com as imagens de Jesus, Maria e uma imensidão de santinhas e santinhos que uma repartição do Vaticano não se cansa em fabricar!…

Os símbolos fazem parte da nossa natureza. Todos nós enfeitamos a nossa vida com símbolos, e a Igreja tem majestosos templos, estatuária e pintura, fabulosos utensílios de culto em prata e ouro, mais os paramentos, os hinos, as celebrações teatralizadas e os ritos. As religiões fabricaram todas as ferramentas para serem constantemente lembradas e acrescentadas de novos elementos para o culto, como as imagens dos “santos” que decoram os templos, as capelas e os nichos de estrada, sempre acompanhadas pela respectiva caixa com ranhura colectora de receitas na forma de dádiva voluntária. Sem este aspecto material… o espiritual não se governa!

O Ateísmo não possui nada disto!… Os ateus só são espirituais, descurando o aspecto material… são uns pobretanas!… Não constroem templos nem criam ícones para conquistarem aderentes. (A Associação Ateísta Portuguesa começou por usar como logotipo a representação do átomo; a menor partícula que compõe um elemento químico. Recentemente mudou-o para uma representação gráfica das iniciais da associação). Os ateus apenas têm a palavra para espalharem a sua filosofia, e não o fazem com o empenho de a propagar diariamente, como a Igreja o faz nas missas. Se a palavra é coisa pouca nesta era da imagem… acaba por ser suficiente porque a palavra é tudo. Assim haja quem a queira ouvir ou ler, e raciocinar sobre o que ouve e lê.

Para dificultar o caminho aos ateus, acresce que as sociedades estão formatadas em preceitos religiosos que fecham as portas ao discurso ateísta. O Ateísmo ainda é alvo de preconceitos e de uma censura que lhe impossibilita uma visibilidade franca para o tornar conhecido como realmente é, e não como alguns, maldosamente, pensam que é e afirmam ser. Tenho amigos de várias confissões religiosas, entre os quais há padres católicos, que já me disseram: “Tu não és ateu”. E porque o dizem? Não é pelo meu discurso em defesa da minha descrença, mas sim porque me conhecem bem e consideram que um fulano a comportar-se assim, não pode ser ateu!!… E isto não é mais do que preconceito!… Esses meus amigos têm gravado nas suas mentes religiosas uma figura de ateu que não corresponde à realidade. Provavelmente idealizam os ateus como anti-sociais, mal-comportados, patifes e mal dispostos… e como me conhecem bem… não posso ser ateu!… Oh meus amigos… isto é do caraças!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Free-Photos por Pixabay
30 de Agosto, 2021 João Monteiro

Comunicado – Direitos Humanos no Afeganistão

Associação Ateísta Portuguesa preocupada com o desrespeito pelos Direitos Humanos no Afeganistão

A Associação Ateísta Portuguesa, perante os últimos desenvolvimentos políticos no Afeganistão, vem demonstrar a sua preocupação com uma governação por Talibans e das consequências sociais que daí poderão advir.

A Associação Ateísta Portuguesa defende e promove valores que crê universais, como os direitos humanos, o livre-pensamento, a democracia, a laicidade ou a igualdade de género.

Estes valores poderão estar em causa no Afeganistão com a chegada ao poder de um regime conhecido por aplicar a sharia, ou lei islâmica baseada no Corão, representando por isso mesmo um atentado à laicidade que consagra a separação da religião do Estado. Recordamos que se o governo Taliban instituir um Estado de inspiração islâmica com a adoção da sharia, as outras religiões serão perseguidas e os ateus poderão ser executados, sendo essas atitudes uma afronta ao Humanismo Secular.

Também nos preocupa o retrocesso de direitos que irão afetar as raparigas e as mulheres afegãs, nomeadamente no acesso à educação, ao trabalho e à sua presença enquanto agentes na sociedade. Quando os Talibans governaram o país no passado, as raparigas eram impedidas de estudar, as mulheres de trabalhar e os seus direitos e liberdades estavam limitados.

Perante isto, a Associação Ateísta Portuguesa apela às instituições políticas nacionais e internacionais que tomem ações políticas que minimizem ou revertam algumas dessas ações, como por exemplo:

a)      Reconhecimento do governo apenas com a garantia do respeito pelos Direitos Humanos e do investimento na educação das raparigas e de iguais oportunidades profissionais para homens e mulheres;

b)     Estabelecer ligações diplomáticas e realizar trocas comerciais apenas se estiver garantido o respeito pelos Direitos Humanos;

c)      Acolher os refugiados que procurem asilo no Ocidente.

Bem sabemos que a situação histórica e política no Afeganistão nas últimas décadas é complexa e que não pode ser reduzida a simplificações. Também sabemos que a manutenção das forças militares dos Estados Unidos da América em território afegão era de duração limitada e que deveria haver uma passagem gradual para uma autonomia afegã. Porém, sendo pragmáticos e face à situação atual, há que estar atentos aos desenvolvimentos políticos naquele país e exigir, junto das instituições políticas nacionais e internacionais, o respeito pelos Direitos Humanos e pela dignidade de todos os cidadãos.

 ###

Imagem de Amber Clay por Pixabay
25 de Agosto, 2021 João Monteiro

Abuso sexual. O caso Português

Texto de Onofre Varela

Os abusos sexuais exercidos por religiosos, aqui referidos no último artigo, são exemplos que vêm de fora das nossas fronteiras, concretamente de Espanha, onde um jornal diário (o madrileno El País) criou um gabinete específico para recolher denúncias, proceder à sua investigação e, posteriormente, divulgá-las. Esta actuação do jornal pode constituir uma barreira à continuação dos abusos, se for considerada um meio dissuasor. Se assim for, a atitude do El País tem valor acrescentado.

Por cá não conheço acção idêntica da imprensa, ou de qualquer outro organismo, que tenha a mesma função dissuasora da prática do crime de abuso sexual no seio da Igreja.

O jornal Público, na edição do dia 29 de Maio último, dá conta de que, no espaço de um ano (desde a criação das comissões diocesanas para lidar com eventuais queixas de abuso sexual de menores ou adultos vulneráveis cometidos por membros da Igreja Católica) houve quatro queixas e foi aberta uma investigação.

A Igreja Católica Portuguesa parece não querer dar atenção à directiva do Papa Francisco I no sentido de se denunciar e investigar os casos de abusos sexuais dentro da instituição religiosa. Um responsável pela Conferência Episcopal alegou não ter dados nacionais, e que não pode dar “números porque podiam estar errados, se é que os há…”, o que parece denotar pouco interesse no estudo dos casos, mas também nenhuma preocupação pelo mutismo de muitas dioceses sobre os abusos sexuais.

Em alguns casos as escusas para se proceder a tais inquéritos soam anedoticamente, como se vê pela declaração do bispo do Porto, Manuel Linda, ao jornal Público, que equiparou a pertinência de se avançar com uma comissão deste tipo, “à de se criar uma comissão para estudar o efeito da eventual queda de um meteorito na cidade do Porto” e só respondeu às perguntas dos jornalistas ao fim de duas semanas de insistentes tentativas.

Das 20 dioceses a que o jornal perguntou se foram recebidas queixas, quatro não responderam, as da Guarda, de Viana do Castelo, de Angra do Heroismo e de Viseu. E de entre as 16 que responderam “apenas Braga, Bragança-Miranda e Funchal, reportam um total de quatro denúncias” as quais teriam ocorrido antes da formação das referidas comissões, ou já estavam prescritas.

Por tudo isto se constata que, apesar do decreto papal “Vós Sois a Luz do Mundo”, que entrou em vigor no dia 1 de Junho de 2019, com a recomendação de que se considerasse urgente a criação das comissões de inquérito no prazo máximo de um ano (que expirou em 2020), muitas dioceses borrifaram-se para o papa e não consideraram a importância de que o caso do abuso sexual se reveste.

Não há casos de denúncia a partir da própria Igreja, nem da parte dos consumidores do credo, “o que não quer dizer que não existam, quer apenas dizer que não foram reportados”, salientou o bispo Américo Aguiar, coordenador da Comissão de Protecção de Menores do Patriarcado de Lisboa.

Anteriormente à formação das comissões de inquérito, na arquidiocese de Braga foram recebidas duas denúncias, sendo que numa delas, a vítima pediu sigilo absoluto, e o crime está prescrito por ter sido cometido há mais de 30 anos. E a segunda denúncia referia, como abusador, um sacerdote já falecido, pelo que o caso foi encerrado.

Em Setúbal também já havia uma queixa antiga, mas o inquérito acabou por ser arquivado por não se terem reunido “indícios suficientes da verificação do crime, nem de quem foi o seu autor”.

E tudo está bem, quando termina bem…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV