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“Amai os vossos inimigos”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa

Enquanto cristãos (nós, Portugueses), por questões culturais, temos mais inclinação para a leitura dos Evangelhos do que para o Velho Testamento, e encontramos neles a exaltação das boas práticas sociais baseadas na fraternidade, com a intenção de se propagar a Paz entre os povos, o que só é possível almejar se cada um de nós entender o outro e respeitar as suas ideias quando são diversas das nossas. 

Não tenho dúvidas de que tais ensinamentos (atribuídos a Jesus) fazem parte da aspiração de todos nós, independentemente do lugar e da etnia a que pertencemos, e nos acompanha através de todos os tempos, no sentido de que seja possível almejar uma sociedade perfeita, sem guerras nem diferenças sociais. Bem sei que estas premissas são consideradas utópicas… mas não são impossíveis. 

Nas palavras de Lucas, no Sermão da Montanha (6; 27-39), estão contidos todos os modos de bem viver em comunidade quando esta é sadia. Vejamos o que nos diz ele (percorrendo o mesmo caminho já percorrido por Mateus [5; 1-12]): “A vós que me escutais digo o seguinte: amai os vossos inimigos e fazei bem aos que vos odeiam; a quem te bater numa face oferece-lhe a outra; a quem te roubar a capa dá-lhe também a túnica; dá a todo aquele que te pede, e quando levarem o que é teu, não reclames; tal como queres que as pessoas procedam contigo, procede com elas da mesma maneira”. 

A estes ensinamentos seguem-se algumas perguntas para aclarar propósitos: “Se amais aqueles que vos amam, que agradecimentos mereceis? Também os pecadores fazem o mesmo. E se emprestais àqueles de quem esperais receber, que agradecimento mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores a fim de receberem o equivalente. Amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca. Não julgueis para que não sejais julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados; dai, e ser-vos-á dado”. 

Algum dos meus leitores conhece algum católico (ou crente num qualquer outro formato de fé) que proceda assim, conforme os mandamentos que considera sagrados? Quantos são os que emprestam dinheiro sem cobrar juros? Conheceis um banco, sequer, que tenha uma acção social e fraterna para com os seus clientes trabalhadores por conta de outrem? Algum banco já perdoou a dívida do empréstimo para habitação, em vez de tomar a casa e colocar o cliente na rua? (Mas o Novo Banco já perdoou grande parte da dívida de Luís Filipe Vieira!). 

No ano 2020 Jardim Gonçalves, presidente do Banco Comercial Português e membro destacado da seita vaticana Opus Dei, viu anulado, pelo Tribunal da Relação, o seu complemento de reforma no valor de 175 mil euros mensais (não é gralha: são 175.000 € por mês!) e o profundamente religioso católico e opusdeísta, não gostou de lhe ser permitido receber, “apenas” cerca de 70.000 euros, e recorreu da decisão do tribunal. Esta atitude do banqueiro tem algum resquício de “atitude cristã” ou da “santidade comportamental” propalada pelos membros da seita?… 

Relativamente ao mandamento que fala no dever de “amar os inimigos”, quantos são os profundamente católicos comedores de hóstias, que não amam, sequer, os amigos, quanto mais os inimigos?!… (É uma pergunta… não um julgamento). Quanto a julgar… já todos nós fomos “condenados” pelo julgamento de muitos dos nossos vizinhos e conhecidos, mesmo pelos mais fervorosamente crentes e tementes a Deus Nosso Senhor! Parece que até eu já fui alvo de julgamento por quem não me conhece, nada sabe de mim, nunca comigo falou e nem me viu!… 

As igrejas e as seitas ditas evangélicas são antros de hipocrisia e de interesses materiais camuflados pela espiritualidade religiosa? Quem souber que responda (ressalvando as raríssimas excepções à regra).

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay