Loading

Carlos Esperança

6 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Um cheirinho a antigamente

O diário «A Capital» (site indisponível) traz uma reportagem sobre a Igreja de São Nicolau, na Baixa Pombalina, que reabriu ontem ao público, completamente remodelada e «com cheiro a novo». Apesar de reincidir nos mesmos produtos – a missa e a eucaristia – todos devemos estar gratos pela preservação do património nacional.

A notícia esclarece que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carmona Rodrigues, foi convidado para assistir à Celebração Eucarística presidida pelo experiente patriarca Policarpo, convite que aceitou, como o comprova a foto onde aparece acompanhado de vários membros do Governo entre os quais o ainda primeiro-ministro Santana Lopes, incapaz de faltar a uma festa.

As obras estavam orçadas em 418.377, 17 euros mas não se sabe o custo efectivo. A ICAR é mais rápida a divulgar milagres do que a prestar contas.

Para se avaliar a inflação, comparem-se os preços actuais com os que se praticavam em meados do séc. XIX, por muito pouco credível que seja o documento que, a seguir, se transcreve e não passe de uma bem conseguida piada:

Cópia da Factura que um de mestre de obras apresentou em 1853

pela reparação que fez na capela do Bom Jesus de Braga.

Por corrigir os 10 mandamentos, embelezar o Sumo

Sacerdote e mudar-lhe as fitas ...................... 170 reis

1 galo novo para S. Pedro e pintar-lhe a crista ..... 95 »

Dourar e pôr penas novas na asa esquerda do Anjo da

Guarda .............................................. 90 »

Lavar o criado do Sumo Sacerdote e pintar-lhe as

suissas ............................................. 160 »

Tirar as nódoas ao filho de Tobias .................. 95 »

Uns brincos novos para a filha de Abraão ............ 245 »

Avivar as chamas do inferno, pôr um rabo ao Diabo e

fazer vários concertos aos condenados ............... 245 »

Fazer um menino ao colo de Nossa Senhora ............ 210 »

Renovar o Céu, arranjar as estrelas e lavar a lua ... 130 »

Compôr o fato e a cabeleira de Herodes .............. 55 »

Retocar o Purgatório e pôr-lhe almas novas .......... 355 »

Meter uma pedra na funda de David, engrossar a

cabeleira ao Saúl e alargar as pernas ao Tobias ..... 95 »

Adornar a Arca de Noé, compôr a barriga ao Filho

Pródigo e limpar a orelha esquerda de S. Tinoco ..... 135 »

Pregar uma estrela que caiu ao pé do côro ........... 25 »

Umas botas novas para S. miguel e limpar-lhe a

espada .............................................. 255 »

Limpar as unhas e pôr os cornos ao Diabo ............ 185 »

TOTAL ---------- 2.545 reis

6 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Sim à eutanásia

A morte é, como diz José Saramago, uma injustiça, inevitável, todavia, quando se cumpre o ciclo biológico ou acidentalmente se interrompe. Não raro, o fim é acompanhado por sofrimento indizível, pela degradação que ultrapassa todos os limites, por um desejo irreprimível de abreviar a angústia, a dor e a agonia. E sem a mais remota hipótese de se tornar reversível. É nestas circunstâncias que a morte por compaixão, a morte doce, precisa de um quadro legal que, evitando o crime, proteja a vontade reiterada do paciente.

É aqui que, mais uma vez, as Igrejas querem impor normas de conduta universais que apenas deviam obrigar os crentes. E, como de costume, com a mesma desonestidade intelectual com que a ICAR encara o aborto, a hipocrisia é o seu forte.

Claro que se desligam as máquinas nos hospitais, claro que a figura do «abafador», referida por Miguel Torga, é ancestral, claro que há sempre um médico sensato que ordena que cessem as manobras de reanimação, claro que há um momento em que o próprio e os que mais o amam pedem a morte que liberte, recusam os artifícios que prolongam o sofrimento. Mas a ICAR finge ignorância.

Há já vários países que encararam o problema e produziram legislação equilibrada. A Suíça é um deles, onde na última quarta-feira uma britânica com uma doença incurável morreu com ajuda médica em Zurique, depois de ter travado uma batalha legal em Inglaterra para se deslocar à Suíça, onde a lei permite a eutanásia.

É urgente que Portugal produza legislação que permita a morte com dignidade quando toda a esperança se apagou e o próprio recusa a vida.

5 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

O Papa e a Imaculada

À falta de outra ocupação, vários teólogos católicos estão reunidos, de 4 a 7 de Dezembro, na Universidade Pontifícia Lateranense no XXI Congresso Mariológico Mariano Internacional, organizado pela Academia Pontifícia Mariana Internacional.

O tema e os termos são bizarros para incréus: «Maria de Nazaré acolhe o Filho de Deus na história», mas a ICAR confiou a orientação destas discussões ao Cardeal Paul Poupard, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, que preside ao Congresso em nome do Papa.

Há nesta maratona teológica dois objectivos, pelo menos, que constituem uma obsessão de JP2:

– Reafirmar a virgindade de Maria (uma mentira muitas vezes repetida…)

– Reabilitar o Papa Pio IX (autor do dogma da virgindade de Maria).

Pio IX, o último papa detentor de poder temporal, mandou fuzilar patriotas garibaldinos, construir os muros do gueto de Roma em 1850 e encorajou os padres a baptizarem em segredo crianças judias retiradas aos pais; condenou a separação da Igreja do Estado, excomungou os que se opuseram ao poder temporal dos papas, os liberais, os maçons, os socialistas e os comunistas. Enfim, foi um santíssimo patife – mesmo para um papa católico.

Pio IX era um anti-semita primário que chamava cães aos judeus e deixou marcas culturais que tiveram o seu epílogo no holocausto perpetrado por nazis e fascistas em que pereceram seis milhões de judeus.

João Paulo II, quiçá sensibilizado com a encíclica Sillabus errorum onde Pio IX afirma que a Igreja é «inconciliável com o progresso e a civilização», cismou na sua reabilitação. Começou por lhe confiar um milagre e fê-lo curar, sem intervenção cirúrgica, uma carmelita que fracturara uma rótula, a troco de duas novenas que a freira lhe dedicou. Depois, em face do prodígio, decidiu beatificá-lo. Já se fala na encomenda doutro milagre para ser canonizado. Mais um santo à altura da ICAR.

3 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

A escola deve ser laica

A obsessão das Igrejas pelo ensino não é mais do que a tentativa de recuperação de uma arma política para controlar as consciências, promover o proselitismo e exercer o poder. A ICAR conseguiu em Portugal uma preponderância que compromete a laicidade. A mais escandalosa concessão, na escalada meticulosa e metodicamente preparada, é a Universidade Católica, com direitos e regalias de que mais nenhuma universidade privada goza. São excessivos os estabelecimentos dominados pela ICAR, desde o ensino pré-escolar ao superior, sem descurar os numerosos lares que lhe servem de apoio. O poder religioso só tem sido limitado pelas dificuldades de recrutamento do clero, compensado por uma legião de prosélitos dispostos a servir a ICAR.

A tradição ancestral do monopólio das igrejas nacionais na educação pública rompeu-se com a separação da Escola e da Igreja, que se iniciou em finais do séc. XVIII e se prolongou até aos princípios do séc. XX, umas vezes de modo gradual, outras de forma violenta. Foi este percurso histórico que quebrou o monopólio religioso que as igrejas em geral, e a ICAR em particular, se esforçam por recuperar, sem esquecer o carácter patológico das madraças islâmicas.

A ideia da separação entre a Igreja e o Estado está intimamente ligada à história política europeia e não é, segundo hoje se propala, uma singularidade francesa. Começou na Inglaterra de John Locke, com a Carta sobre a Tolerância (1689) onde se pedia já que a Igreja fosse completamente separada do poder político, pedido formulado em latim (Epistola de Tolerantia no seu nome original latino) para que as barreiras linguísticas não limitassem a difusão da pretensão através de toda a cristandade. Antes, já John Locke empreendera a refutação do direito divino dos reis e do absolutismo régio.

A convicção de que a descrença conduzia à depravação do indivíduo e à ruína social era o argumento para legitimar a educação confessional, torná-la obrigatória e justificar a discriminação e perseguição dos que enjeitavam a autoridade eclesiástica. O progresso da humanidade está ligado à emancipação da tutela religiosa. A progressiva secularização do ensino e da assistência estão na base das modernas sociedades democráticas. É por isso que a ICAR trava uma luta desenfreada contra o laicismo com pressões intoleráveis sobre os governos dos países onde se instalou.

A separação da Igreja e do Estado, em França, comemora no próximo ano um século. Da Espanha à América latina os povos pretendem romper as grilhetas impostas pela ICAR. Cabe aos livres-pensadores ser solidários nessa luta de emancipação e combater a vocação totalitária que parece ter recidivado no cristianismo (não apenas na ICAR) por um estranho contágio da esquizofrenia islâmica.

Não há países livres onde o ensino e a saúde são monopólio da Igreja. Não há democracia onde esta domina o Estado. Não há felicidade onde os padres controlam a sociedade.

1 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Religião e saúde

Sob o título «Bispos enfatizam assistência espiritual» o «Público» de hoje informa que o presidente da Comissão Nacional da Pastoral da Saúde», padre Vítor Feytor Pinto, defendeu ontem, em Fátima, uma maior formação de médicos e enfermeiros para integrarem a assistência espiritual no tratamento dos doentes.

Acusando os referidos profissionais de que «absolutizam a técnica « e ignoram o apoio espiritual que deve ser dado aos doentes», lembrou que «o novo Plano Nacional de Saúde, que está em vigor até 2014, inclui a assistência espiritual e religiosa como uma acção terapêutica junto dos doentes».

– Quais as bases legais que levam as autoridades a aprovarem «a assistência espiritual e religiosa como uma acção terapêutica»?

– Quais as bases científicas que garantem a eficácia? Há ensaios duplo-cegos que provem a eficácia superior ao placebo e ausência de toxicidade?

– Qual é a legitimidade ética para impor a pessoas, debilitadas pela doença, semelhante bizarria?

Já se imaginou um médico a prescrever um antibiótico mais uma ave-maria, um analgésico intervalado com padre-nossos ou o tratamento prolongado de cortisona com uma novena?

Um enfermeiro não tem legitimidade para obrigar o enfermo a debitar uma salve-rainha enquanto aplica um clister, a rezar o acto de contrição a um paciente com uma blenorragia, a impor o credo enquanto administra o óleo de rícino, a solicitar um padre para ministrar a eucaristia como tisana para a obstipação ou obrigar a rezar uma oração aos pastorinos de Fátima a um doente achacado com hemorróidas.

É preciso pôr cobro aos desvarios da ICAR.

1 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Agradecimentos

Os colaboradores do Diário Ateísta registam sensibilizados as numerosas mensagens de simpatia recebidas pelo seu 1.º aniversário:

Causa Nossa

Renas e Veados

Club-silêncio

Os tempos que correm

Povo de Bahá

Pula pula pulga

La pipe

O narcisista

Blasfémias

Critico

O olho do girino

Ao Marco «Açores», Júlio Reis, Ana, aar, Marco Oliveira, J. H. Coimbra, Carlos Camacho e a todos os que, involuntariamente, possamos ter omitido, agradecemos as felicitações enviadas.

Agradecemos igualmente a todos os leitores que ao longo deste primeiro ano nos acompanharam nesta estimulante caminhada.

30 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Diário Ateísta – 1.º Aniversário

Hoje, dia 30 de Novembro, o Diário Ateísta comemora o seu 1.º aniversário.

«Quem faz o que pode, faz o que deve». Miguel Torga

«Quem faz um filho, fá-lo por gosto». Ary dos Santos

29 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Diário Ateísta

Amanhã, dia 30 de Novembro, o Diário Ateísta comemora o seu 1.º aniversário.

«Quem faz o que pode, faz o que deve». Miguel Torga
«Quem faz um filho, fá-lo por gosto». Ary dos Santos

O actual endereço do Diário Ateísta é http://www.ateismo.net

26 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

A fé do general da R.M.S.

Na Região Militar Sul, o Exército português pode falhar o alvo, mas acerta na hóstia; talvez não saiba orientar-se na guerra mas sabe, em tempo de paz, encontrar o caminho da missa; não será exímio em manobras mas é insuperável em «Encontros Jubilares». Antigamente os generais preparavam as tropas para o combate, hoje orientam os soldados para a salvação da alma. Em vez da carreira de tiro preferem celebrações religiosas e substituem a táctica militar pela divulgação dos dogmas religiosos.

Esta é a conclusão a tirar do convite feito pelo General Comandante da Região Militar Sul ao bispo Januário para um encontro em Vila Viçosa, com os militares, funcionários civis e familiares das Unidades, Estabelecimentos e Órgãos sob o seu comando. O objectivo é celebrar os cento e cinquenta anos do dogma da Imaculada Conceição, proclamada padroeira de Portugal por D. João IV, função nunca homologada em Diário da República após a instauração da democracia em Portugal.

Integrada no programa militar, teve lugar a Celebração Mariana e a reflexão sobre «Nossa Senhora da Conceição e o seu Santuário Nacional», pelo padre Mário Tavares, seguida da Eucaristia presidida pelo bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança, a quem coube, certamente, disparar hóstias tendo como alvo a boca dos militares.

É verdade que as Forças Armadas Portuguesas se cobriram de glória em 1820, 1910 e 1974 mas não foi, certamente, com a ajuda da padroeira que no tempo de D. João IV não era ainda virgem. O dogma da virgindade é uma bizarria que se deve a PIO IX, um papa ultra-reaccionário e anti-semita que, depois de ter condenado o socialismo, a democracia, o liberalismo e a maçonaria, excomungou os judeus, os livres-pensadores, os que contestavam o poder temporal da ICAR e todos os que se batiam pelos valores que deram origem às modernas democracias.

Apostila: Pio IX foi ainda o inventor de um segundo dogma – o da infalibilidade papal. E, recentemente, fez um milagre encomendado e confirmado por JP2.