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Carlos Esperança

25 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

João Paulo II, um Papa obsoleto

Juan G. Atienza acusa a Igreja de, com a colaboração do Opus Dei, tentar criar o governo teocrático universal sonhado por Paulo. A sua aberta aliança com a Mafia internacional e a pseudo-maçonaria financeira bem como o abuso indiscriminado do negócio milagreiro (Lourdes, Fátima, La Salette, Chestojowa, o sangue de S. Pantaleão, os milagres do padre Pio, etc., são outras acusações que o mesmo autor lhe faz e de que todas as pessoas se podem dar conta*.

Em «Os pecados da Igreja» o Opus Dei aparece como o instrumento do confronto final entre o cristianismo e o islão fundamentalista.

Quem pensa que o estado-maior da ICAR esquece a guerra santa, quem julga que sob as sotainas se escondem apenas desejos reprimidos e votos de castidade, ignora o potencial de violência de que a fé, a repressão sexual e o desejo de martírio são capazes.

Na recente carta apostólica sobre o Ano da Eucaristia, João Paulo II concede uma indulgência plenária aos católicos que «participem numa missa, adoração eucarística ou procissão». Enganam-se os que pensam que a Igreja mudou. Até na promoção dos produtos repete os bónus que levaram à ruptura com Lutero.

Graças ao fabrico de beatos e santos em série, com este Papa a ICAR passou da época artesanal para a era industrial.

Quem acredita na conversão da Igreja católica à modernidade?

* «Los Pecados de la Iglesia». Pgs. 341 e 342. Ob. Citada

23 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Tolerância

Alguns leitores não terão reparado nesta advertência: «As opiniões expressas no Diário Ateísta são da exclusiva responsabilidade dos seus autores, e não representam necessariamente a generalidade dos ateus». Estranho seria a unanimidade de pontos de vista entre os onze colaboradores habituais, com percursos de vida distintos, variadas origens e diferentes marcas do passado.

O Diário Ateísta (DA) não pode, em nome da harmonia universal, defender a utilidade das religiões, a bondade dos seus valores ou a verdade dos seus livros. Quem começa por comover-se com o martírio de Deus acaba por acreditar nas mentiras da sua religião. Quem crê nos livros sagrados acaba por abdicar do livre-pensamento.

As religiões combatem o que julgam ser os nossos erros, nós combatemos o que pensamos serem as suas mentiras. Não vem daí mal ao mundo. O pluralismo é fonte de progresso e o caldo de cultura onde florescem as democracias. Não há mal em que haja crentes, o perigo reside nos que não se conformam com os crentes de outras religiões ou com os que desprezam Deus e a fauna celeste, se riem das profecias ou se alheiam dos castigos com que os padres assustam os fiéis.

Para lá das regras mínimas de urbanidade que é útil cultivar em sociedade, não devo condicionar a liberdade de expressão na denúncia dos erros, contradições e mentiras que exornam a bíblia. Dizer que o Deus de Abraão não merece crédito, que a sua crueldade indigna, que o seu pensamento se situa entre a indigência intelectual e a crueldade assassina, não revela radicalismo, denota civilização. Só há, aliás, uma desculpa para os bárbaros «ensinamentos» do Antigo Testamento – a crueldade do tempo em que o seu deus foi criado.

A tolerância não dimana da submissão à mentira, é apanágio de quem entende que o erro não exige castigo, a superstição não carece de cadeia e a oração não merece coimas. Há quem goste de ver gente de joelhos e prostrada no chão em subserviência beata. Desprezo esse deus e condoo-me com os seus crentes. Denuncio o despautério, antipatizo com a estética e sofro com as vítimas da fé.

O DA não se propõe divulgar orações, defender dogmas ou promover os mandamentos da Igreja; não reconhece valor terapêutico aos sacramentos nem acredita que a água benta seja melhor que a outra; tem fundadas dúvidas de que o pão e o vinho se tornem corpo e sangue de Jesus no momento da consagração na Missa; vê a confissão como uma arma política ao serviço do clero, a absolvição como placebo e a comunhão como ritual inútil e bizarro.

Mas há um aspecto em que os ateus são intransigentes: não se conformam com a violência dos livros sagrados e, muito menos, com os castigos que infligem aos infelizes que vivem em países onde as suas determinações são lei. Deus pode sentir um requinte sádico em mandar alguém para o inferno, em assistir à excisão de um clitóris, à lapidação de uma mulher, à amputação de membros, ao assassínio de sodomitas, à tortura de infiéis e a outras barbaridades, perante o ar bovino ou exultante dos seus fiéis.

Um ateu condena toda a crueldade inútil e tem a certeza de que vale mais a felicidade de um só homem do que o prazer de qualquer deus.

21 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Sobre o Diário Ateísta

Há por aí quem nos ache supérfluos, indignos e mal formados, quem julgue a nossa presença inútil, prejudicial ou perigosa, quem secretamente gostaria de nos ver calados, amordaçados ou erradicados. E nós, ateus, teimosamente vivos, perante a indiferença divina e o espanto dos crentes, teimamos em ser uma voz ao serviço da liberdade, do livre pensamento e da descrença.

Da enorme quantidade de religiões que disputam o bazar da fé todas se julgam inspiradas no único Deus verdadeiro, donde se conclui facilmente que na melhor das hipóteses todas são falsas e só uma é autêntica ou, no caso mais provável, que nenhuma delas passa de um embuste de que se alimentam os parasitas da fé à custa dos crédulos.

Os ateus respeitam os crentes e desprezam as crenças. São como médicos que cuidam os doentes e atacam as doenças; são solidários com os que sofrem e abominam os que incentivam o sofrimento; defendem a felicidade, o conhecimento e a razão e combatem a resignação, a subserviência e a superstição.

Nunca o Diário Ateísta defendeu posições racistas, discriminações com base na raça, no sexo, na religião ou em qualquer outro pressuposto. Não faz a apologia do nacionalismo ou estimula atitudes bélicas. Reitera a cada momento a nossa determinação na defesa dos princípios que regem a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Qual a religião que se conforma com tais princípios? Defendemos a liberdade, os direitos humanos e a democracia. Combatemos a pena de morte, a prisão perpétua e a tortura. Somos contra o racismo, a xenofobia e a discriminação sexual. Há alguma religião que nos acompanhe? Quem é intolerante?

É ignóbil que alguém procure impedir a prática de uma religião mas é ainda mais abjecto haver quem imponha a sua prática, um hábito a que não renunciam facilmente os prosélitos dos diversos credos, determinados a fazer cumprir a vontade do deus a que se encontram avençados, escravos da vontade divina transmitida pela mente embotada dos seus padres.

As sociedades que aprofundam o laicismo não põem em causa o exercício da liberdade religiosa mas as que se submetem a uma Igreja facilmente confiscam todas as liberdades em nome de um Deus que não existe, com uma sanha persecutória e uma vocação totalitária própria de quem se julga detentor de verdades absolutas.

20 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

A ICAR e o preservativo

A ICAR está para o preservativo como o islão para o toucinho. O bom senso não é o forte das religiões e a compaixão não consta dos seus valores. Bastaria o drama de África, onde a epidemia da SIDA grassa de forma devastadora, encaminhando o Continente para uma hecatombe, para abdicar de um dogmatismo estulto e criminoso.

Em Espanha o secretário geral e porta-voz do episcopado autóctone, após uma reunião com a ministra da Saúde, declarou que a Igreja reconhecia a eficácia do preservativo como método para a prevenção do terrível flagelo. Perante a estupefacção de alguns e a satisfação de muitos, dado o poder de que goza aí a Igreja católica, parecia assistir-se a uma reviravolta de 180 graus na posição tradicional do clero.

Foi sol de pouca dura. A Conferência Episcopal Espanhola (CEE) imediatamente reagiu, desautorizando o porta-voz, e reiterando que apenas a castidade e a fidelidade matrimonial eram os meios adequados à prevenção da SIDA tendo reiterado na sua boçal e canónica linguagem que o uso do preservativo era imoral.

Os beatos preconceitos da santa corja celibatária são, uma vez mais, um obstáculo às campanhas de saúde pública, um entrave à prevenção das epidemias e um estorvo ao bem-estar humano. Intérpretes encartados de um Deus cujo prazo de validade há muito se extinguiu, arautos de uma moral anacrónica, zeladores intransigentes da dor e do sofrimento, continuarão a ser cruéis, obsoletos e hipócritas.

Combater a SIDA é uma obrigação para salvar vidas humanas. Desacreditar as Igrejas é uma medida sanitária imprescindível à felicidade humana. Dentro de poucos anos um Papa qualquer pedirá perdão pelos crimes do actual, tal como este pediu pelos dos seus antepassados, sempre sobre os escombros das sociedades a que levaram a angústia, a dor e a morte.

19 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

ICAR espanhola contraria Papa

A Conferência Episcopal Espanhola (CEE) cujo azedume contra o Estado laico recolhe a unanimidade dos 74 bispos titulares de outras tantas dioceses, bem como da generalidade do clero, acabou por reconhecer ontem o uso do preservativo como meio de protecção contra a SIDA, sem ter em conta os ensinamentos papais em contrário e o desgosto que dão à Santidade JP2.

O porta-voz da CEE, à saída da reunião com a ministra da Saúde, onde apenas se discutiu a SIDA, afirmou que o encontro permitiu desmistificar «determinados preconceitos» e sublinhou que as posições da Igreja sobre a doença estão apoiadas em estudos científicos que defendem a abstinência, a fidelidade e o uso do preservativo – escreve o «Público».

A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), embora demasiado tarde e depois de ter provocado muito sofrimento inútil, acaba por se conformar com a ciência, perante o descrédito do Papa.

Quanto à abstinência adivinha-se que previne a SIDA sem necessidade de estudos científicos. Em relação à fidelidade há a certeza de que resulta, com a condição de nenhum dos parceiros estar infectado. Já quanto ao preservativo é que há estudos científicos que a ICAR sempre se recusou a aceitar e que o Papa ainda não suporta.

Apostila (6 horas depois) – Um comunicado [da Conferência Episcopal Espanhola] esclarece que: a abstinência sexual e a fidelidade conjugal são as únicas formas de prevenir, de forma completamente eficaz, a propagação da SIDA; que, mesmo quando recomendado tecnicamente pela comunidade científica como forma de prevenção da SIDA, o «uso do preservativo implica uma conduta sexual imoral».

17 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Notas piedosas

Filipe Scolari – O treinador de futebol conhecido por ter introduzido o pai-nosso no plano de treino da selecção portuguesa, após ter tomado conhecimento da sobrevivência de um menino indonésio de sete anos, durante 19 dias, após o maremoto, usando apenas a camisola da selecção portuguesa, declarou: «o menino que usava apenas a camisola da selecção, usava mais que isso: tinha no corpo a bandeira de Portugal. A forma como aconteceu mostra mais uma vez que Deus é grande. Que Deus existe».

Pergunta: O Deus que salvou esta criança será o mesmo que matou e estropiou centenas de milhares de vítimas?

Penitenciária Apostólica – Não se trata de uma casa de reclusão para promover o proselitismo, como parece indicar o nome. Deve-se-lhe a publicação de um decreto onde se explica o «dom da Indulgência Plenária durante o ano da Eucaristia», lançado por JP2 em Outubro passado. Assim, quem participe «com atenção e piedade» em actos de culto e veneração para com o Santíssimo Sacramento, como a missa ou a adoração eucarística, arrecada Indulgências Plenárias.

Na mesma altura, numerosas empresas comerciais anunciaram agressivas campanhas de vendas com fortes descontos e aliciantes ofertas. Esta época é fértil em promoções.

Espanha – «Setenta e quatro Bispos espanhóis vão explicar ao Papa a situação nas suas dioceses, num momento de particular tensão nas relações entre a Igreja Católica e o governo socialista de Zapatero» – informa a Agência Ecclesia. Os prelados vão reunir-se com o Papa em audiências privadas e públicas. O aborto, a legalização dos casamentos homossexuais e o ensino da Religião nas escolas públicas são os problemas que levam os bispos a queixar-se ao capataz de Deus, sediado no Vaticano.

Muito sofrem os bispos com os governos democráticos.

16 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Carta ao «Expresso»

Só pode tratar-se de lapso o cabeçalho de «A Causa do Aborto», (EXPRESSO, 15-01-05). Não é o conteúdo do texto, piedoso e retrógrado como muitos outros, mas o facto de vir assinalado como «EDITORIAL», que me leva a desconfiar tratar-se de gralha, circulando como opinião do Expresso o que provavelmente não passa de um comunicado da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

No mesmo dia em que a França assinalou 30 anos da «Lei Veil», lei da autoria da ministra da Saúde Simone Veil, que autoriza a interrupção voluntária da gravidez e cuja comemoração levou à rua milhares de manifestantes, sob os auspícios de organismos franceses de planeamento familiar, o EXPRESSO envolve-se numa catilinária contra o aborto.

O referido artigo repete os lugares comuns do costume (prática bárbara, traumatizante para a mulher, acarretando sentimento de culpa, arrependimento, etc.), e condena expressamente a despenalização como um sinal errado dado à sociedade, sem alguma vez referir que se trata de um problema de saúde pública, agravado pela perseguição às mulheres, com a devassa da vida íntima e a ameaça da cadeia.

A afirmação de que «em todos os países que despenalizaram o aborto, o número de abortos aumentou» carece de prova e pode contribuir para a salvação da alma de quem o refere mas não possui rigor científico.

É por isso que a prosa em apreço só pode ser da autoria da Conferência Episcopal Portuguesa (em que só participam homens) ou de um dos numerosos grupos de pressão que nascem nas sacristias e não do Expresso cuja isenção se não pode compadecer com o terrorismo ideológico do artigo.

Só o facto de estar previsto um novo referendo sobre a matéria deveria levar à contenção do jornal evitando o afloramento de um catolicismo agressivo e ultramontano mais consentâneo com o séc. XIX em Portugal do que com a Europa actual.

14 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

A fúria religiosa

A fúria fundamentalista do islão, várias vezes denunciada no Diário Ateísta, longe de ser contida, parece exercer uma estranha acção mimética nos clérigos de outras religiões. Os extravagantes desígnios de Deus não são substancialmente diferentes entre as diversas religiões nem a sua interpretação se afasta demasiado nas diversas latitudes. É ainda a religião que influencia a cultura, mais do que esta o fenómeno religioso.

À natureza misógina junta-se o carácter discriminatório de que as mulheres são vítimas por parte da tradição e da palavra revelada por Deus. A demência ideológica dos aparelhos religiosos contagia as sociedades submetidas à sua influência. Não admira, pois, que sejam as próprias mães a transmitir a opressão patriarcal, a controlar a sexualidade das raparigas e a educá-las na obediência e resignação e, nalguns casos, a serem cúmplices na barbárie da excisão do clitóris.

As religiões estimulam o sofrimento e a renúncia ao prazer, promovem o racismo e a xenofobia e usam a censura pública e colectiva para manterem o domínio clerical sobre a sociedade. Os padres não são trabalhadores de empresas úteis à sociedade, são proxenetas de Deus que semeiam o terror e embrutecem os povos. Quando podem, apropriam-se dos meios de produção e dominam o poder económico, político e militar, não dando espaço para que a instrução e a assistência se libertem da sua tutela.

A opinião, várias vezes expressa no Diário Ateísta, vem hoje corroborada por Vasco Pulido Valente no «Público» com um excelente artigo «Um mau sintoma», em que alerta para o «catolicismo agressivo e fanático, que lembra o pior ultramontanismo do séc. XIX». O exemplo que dá, João César das Neves, é o de um excelente talibã da ICAR, frequentemente objecto do repúdio do Diário Ateísta.

13 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Jesus

Um dia o enorme crucifixo da velha igreja ganhou vida. Genuflectida a seus pés uma beata atacava a quarta salvé-rainha enquanto, do lado direito, um pouco atrás, antes do transepto, outra beata debitava padre-nossos junto ao altar da Virgem Maria. É assim a força do hábito. Trocam-se as orações e os pedidos sem reclamação dos ícones nem reparo dos mendicantes. Ao mesmo tempo o padre vociferava latim e dizia a missa.

O senhor Jesus já por ali andava dependurado, há uns séculos, a suportar a crueza dos espinhos e o mau aspecto das chagas que nunca mais saravam. Enegreceu com o fumo das velas, suportou os odores de quem cuida melhor a higiene da alma do que a do corpo, ouviu gente em desespero e pedidos de vingança de almas danadas que lhe solicitavam o infortúnio dos inimigos.

Conheceu centenas de padres e numerosos bispos a quem nunca fez reparo pelo latim periclitante, a pobreza das homilias ou a riqueza dos paramentos. Ouviu confissões eróticas sem mover a tanga, safadezas incríveis sem se ruborizar, misérias de vidas e vidas de miséria, sem um suspiro, um grito ou um vómito. A tudo o senhor Jesus se habituou, até às versões diferentes a respeito da sua própria vida.

Ouviu um bispo irado a condenar os jacobinos, outro a amaldiçoar os judeus, e, todos, conforme as épocas, a execrar a Revolução Francesa, a república, o laicismo, a apostasia, a blasfémia e o preservativo.

A tudo o senhor Jesus assistiu, em silêncio, no bronze em que o esculpiram. Até um dia. Até ao dia em que o padre apostrofou os incréus que se afastavam do culto, faltavam à santa missa e se furtavam à eucaristia; admoestou as donzelas impacientes que não esperaram pelo casamento; ameaçou os casais que substituíam a castidade pelo preservativo e contrariavam os desígnios de Deus quanto aos filhos. Jesus despertou no preciso momento em que o oficiante explicava que naquelas rodelas de pão ázimo ia ele próprio, em corpo e sangue, pousar nas línguas ávidas de quem guardara jejum desde a meia-noite, bem confessado, melhor arrependido e excelentemente penitenciado.

Foi então que arrancou os cravos, deu um piparote na coroa de espinhos, abandonou a cruz e esgueirou-se por entre os devotos sem ninguém notar, nem a beata das salvé-rainhas, nem o padre que administrava a sagrada partícula, nem os comungantes habituados a fechar os olhos. Ninguém reparou que no seu lugar ficou apenas um sinal mais em raiz de nogueira com quatrocentos anos, aliviado do peso e do freguês.

Jesus saiu pela porta principal e não mais foi visto.

12 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Homenagem a Ramón Sampedro

Faz hoje sete anos que o velho marinheiro tetraplégico exalou o último suspiro. Há anos que aquela bela cabeça sem corpo pedia a morte. Vi-o várias vezes na televisão, lúcido e sereno, exigindo que o deixassem morrer. «Sou uma cabeça sem corpo, tenho direito a morrer» – repetia.

Hoje, sete anos volvidos, decorrido o tempo para a prescrição do «crime», a amiga que o ajudou, Ramona Monteiro, revelou como o fez. A morte foi gravada por vontade de Ramon, que demorou anos a cumprir um desejo, dolorosos anos de sofrimento que a hipocrisia judaico-cristã queria prolongar até que «Deus quisesse».

Sabe-se agora que a morte foi mais dura do que previra o lúcido suicida e do que julgara a abnegada mulher que acompanhou os três últimos anos de vida do corajoso galego.

O cianeto não terá proporcionado uma morte tão rápida e doce quanto a eutanásia exige mas foi o produto que Ramon conseguiu. Enquanto morria os olhares de amor ficaram como a última carícia de quem partiu e de quem ficou, com o aviso de quem se despedia: «depois de beber não me beijes os lábios».