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Carlos Esperança

12 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O Papa tornou-se um empecilho

Reina no beatério católico a convicção de que a sua Igreja foi fundada por Jesus Cristo e de que é exemplo de santidade. Os crimes passados são como as águas que deixaram de mover moinhos. O que conta é o presente e a bondade do seu clero. O que a distingue das outras é seu Deus verdadeiro, a maravilha dos milagres e a excelência do Papa.

Nisso dos milagres até têm razão. Nas outras religiões os mortos remetem-se às suas cinzas e deixam em paz os vivos. Na ICAR são requisitados para fazer curas, praticar boas acções e concorrerem a vagas de santidade que JP2 abriu em grande quantidade. É o regabofe da pantomina e a apoteose da superstição. Deus, desaparecido em parte incerta, faz-se representar por cadáveres mais ou menos recomendáveis que ensaiam umas curas perante o silêncio da Ordem dos Médicos e o desprezo dos bruxos e ofícios correlativos.

Já quanto à bondade da ICAR nem vale a pena falar nas perseguições aos teólogos progressistas e no impedimento da pregação a quem leia diferente a cartilha que a Cúria impõe. Mas esperar de uma religião a defesa da verdade, em detrimento da promoção do negócio, é de uma ingenuidade que só convence os néscios. É como pensar que os cardeais estão preocupados com a saúde do Papa. Apenas se interessam com os dividendos que as cerimónias fúnebres possam render e os prejuízos de uma longa agonia.

JP2 regressou ao Vaticano. O núcleo duro discute as vantagens e inconvenientes da sua presença à frente da ICAR. Dizem que está em óptimas condições intelectuais, como qualquer pessoa nota. Há uns séculos havia formas expeditas de resolver a situação, hoje todos os cuidados são poucos. O antecessor só esteve 33 dias em funções, até Deus o chamar. Hoje, com tanto incréu nos meios de comunicação, são poucos os que acreditam na vontade divina e muitos os que observam o embaraço dos cardeais.

Dá mais trabalho fingir que é o Papa que manda na Igreja do que exercer o poder de facto. A actual situação está insustentável. A Cúria vai ter de tomar uma resolução nos próximos dias.

9 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

Agitação no Vaticano

Há grande efervescência no Vaticano. No antro ninguém tem notícias de Deus nem é capaz de adivinhar o fim do déspota. Os negócios não param mas as estratégias de conquista de novos mercados estão paralisadas. Os fluxos de capitais dos EUA e da Alemanha estão em regressão. A exploração de um Papa deficiente lembra os pedintes das grandes cidades que exibem um aleijado para aumentarem a piedade das pessoas sensíveis. O truque não pode continuar.

Há entre os mais poderosos dignitários sólidos rancores e invejas antigas que começam a tornar-se visíveis. Por enquanto estão unidos pelo pacto reaccionário com o Papa polaco. Temem que um espírito ligeiramente mais arejado faça tremer os alicerces da última ditadura europeia. Sabem que se se desentenderem podem criar um novo cisma. E o descrédito eclesiástico não aguenta diferentes interpretações da bíblia e divergências sobre o uso do preservativo. Esta é possivelmente a razão a que JP2 deve a longevidade.

Enquanto se desconhece se o Papa regressa vivo ou morto do Hospital onde está internado, as intrigas e jogos de poder aumentam de intensidade. JP2 dá a bênção em play back. O cardeal Angelo Sodano, número dois do Vaticano, diz que o Espírito Santo guia o Papa e sabe o que lhe há-de aconselhar, mas o Espírito Santo há séculos que desapareceu e o último lugar onde se arriscava a entrar era na sede da ICAR.

Para além do cardeal Sodano há outra figuras perturbadoras à solta: Julián Herranz, membro do Opus Dei e titular do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos; o alemão Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício) e perseguidor dos partidários da teologia da libertação; o nigeriano Francis Arinze, do Conselho para o Culto Divino; e o mexicano Javier Lozano Barragán, titular da Pastoral de Saúde cujas funções lhe permitiram os mais rancoroso ataques contra as campanhas governamentais e sociais de prevenção da SIDA.

Este bando está inquieto. Hesita entre impor a renúncia ao Papa e conformar-se com a espera. Por sua vez JP2 fez saber, ou alguém por ele, na sua mensagem de domingo que, mesmo estando no hospital, continua a servir «a Igreja e toda a Humanidade». Desconte-se a megalomania e o auto-elogio às suas funções, e registe-se a advertência aos que estão impacientes para o despacharem. Com a vigilância mediática é difícil recorrerem à eutanásia. E o hospital fica em Itália!

8 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O Matrimónio

O Matrimónio é o sacramento que une «o homem e a mulher indissoluvelmente» e lhes dá a graça de conviverem santamente e de educarem cristãmente os filhos. Se os esposos contraírem o matrimónio sem estarem na graça de Deus cometem sacrilégio. Segundo os exegetas mais apreciados pela Cúria romana, o acto sexual só é legítimo para fazer filhos.

Em Coimbra, um professor de direito, na noite de núpcias, admoestou a legítima esposa cristãmente: «Minha Senhora, deixe-se de trejeitos mundanos e de manifestações lúbricas. Se está aqui com outros fins que não sejam os da prossecução da espécie, eu desmonto e desmonto já». Santa alma para quem os prazeres da carne não passavam de tentação do demo.

8 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A Ordem

A Ordem é mais do que um sacramento, é um emprego. Transforma um seminarista em padre. Converte um adulto, habituado ao pecado solitário e às fantasias do seminário, num confessor. É um sacramento que dá o poder de exercer os ministérios sagrados que se referem à Eucaristia e à salvação das almas, e imprime o carácter de ministro de Deus. A Ordem é uma espécie de diploma médico que, em vez de permitir tratar as doenças do corpo, se destina a curar as moléstias da alma. Uma das especialidades do diplomado é a prática do exorcismo.

8 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A Extrema-unção

O Óleo santo é um sacramento inventado para alívio espiritual e também corporal dos cristãos gravemente enfermos. Quanto ao alívio espiritual não apresenta diferenças em relação ao placebo. Quanto ao alívio corporal, a terapêutica da dor tem registado progressos que lançaram total descrédito sobre este sacramento.

7 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

Notas piedosas

Lisboa – O padre Loreno, pároco da Igreja de S. João de Brito, apelou durante uma homilia, para que os católicos não votem em forças políticas que admitam a legalização da interrupção voluntária da gravidez, o divórcio ou o casamento de homossexuais.

Os partidos políticos devem requisitar a Igreja para fazerem comícios e garantir o pluralismo.

IRAQUE – Os líderes xiitas querem o islão na Constituição do Iraque. O Papa queria o cristianismo na Constituição Europeia. São massa da mesma farinha a cujo terrorismo intelectual só a laicidade pode fazer frente.

Bósnia-Herzegovina – O islão radicalizado ganha terreno entre os muçulmanos. O mesmo fenómeno demente se passa nos EUA com o fundamentalismo metodista que inspira os neo-conservadores e com o catolicismo romano que contamina as sociedades seculares da velha Europa.

Indonésia – Está em debate um novo código penal que considera crime o adultério, as uniões de facto e… os beijos em público. Se o novo código vier a ser aprovado já se sabe que o islão ganha mais uma batalha rumo ao obscurantismo.

7 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

Fátima – altar da fé, em regressão

A religião é um embuste grosseiro que alimenta poderosas máquinas clericais, obscuros interesses privados e redes de cumplicidades que atravessam o globo.

Sob a capa untuosa de um clero que finge defender a paz e promover a harmonia, jogam-se poderosos interesses e definem-se estratégias globais de conquista do poder.

Há quem pense que as religiões são um mal necessário, que são como as armas nucleares cujo equilíbrio do terror impede uma guerra global. Mas enquanto os Estados não têm disparado as armas nucleares contra os seus cidadãos, as religiões espalham o obscurantismo, o medo e as ameaças entre os crentes e incitam o ódio, a guerra e a violência contra os infiéis.

À medida que a instrução e a ciência avançam, as religiões definham mas agravam a sua virulência e, no desespero, a agressividade e o ódio que devotam à liberdade, à democracia e ao livre-pensamento.

Nos últimos dias temos assistido à mais violenta e sinistra ofensiva da ICAR contra o Governo de Espanha e à tentativa desesperada de virar o povo contra os seus órgãos legítimos. Até o referendo à Constituição europeia, cuja abstenção fomentou, lhe serve para promover o divórcio entre as camadas mais embrutecidas da população e o Governo legítimo.

À azia que o clero transporta depois de ter abençoado o casamento de uma plebeia divorciada com o príncipe herdeiro, com pompa e circunstância, junta agora a brotoeja que lhe provoca o casamento de homossexuais, a liberdade religiosa e o uso do preservativo. A Cúria romana reagiu como se a grande nação ibérica fosse ainda um protectorado sob o domínio de um rei absoluto dominado pelo confessor católico.

Em Portugal, um comportamento discreto e dissimulado foi a regra até à assinatura desse aborto e abuso clerical que é a Concordata. A partir de agora a chantagem vai aumentar. À medida que a clientela se afasta, o acréscimo de poder e as exigências de visibilidade vão aumentar. A luta contra a maçonaria é um primeiro ensaio de uma guerra mais vasta contra os sectores laicos, agnósticos e ateus.

Sirvam de consolo os revezes eclesiásticos na conquista de novos clientes. Fátima, o supermercado da fé católica, a maior superfície de oração em Portugal, não deixou de perder peregrinos desde 2000, data da última visita do Papa JP2, derradeiro esforço de marketing para manter e aumentar a clientela. Em 2004 teve menos meio milhão de peregrinos apesar de aumentarem os grupos organizados pelas agências turísticas. O mercado da fé, no que diz respeito aos peregrinos, retraiu-se em cerca de 10%, no último ano. Mesmo as actividades de lazer místico (terço, adoração, procissão das velas, laudes, vésperas) sofreram uma razoável retracção. As próprias maratonas de joelhos (populares exercícios sado-masoquistas) vão perdendo praticantes.

Não há só más notícias.

5 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A Penitência

Tendo Jesus descoberto que o pecado foi a única coisa boa que o seu divino Pai deixou aos homens, inventou logo um sacramento para perdoar os pecados cometidos depois do Baptismo. Com o hábito católico de atacar com o Baptismo os recém-nascidos inventou-se-lhes o pecado original para justificar o primeiro sacramento – espécie de lixívia que limpa o pecado original e é igualmente eficaz nos outros.

A Penitência ou Confissão costuma aparecer no menu dos sacramentos ordenado em quarto lugar e é o que vale aos pecadores para irem pecando sem perder o direito ao Céu. A confissão é a acusação dos pecados feita ao sacerdote confessor, para receber a absolvição. Quando os pecados são demasiado apetitosos o próprio confessor tem ausências, arfa, entra em agitação e, após reparadoras pausas, dispara a absolvição que é a sentença pela qual, em nome de Jesus Cristo, de quem tem procuração, perdoa os pecados ao penitente.

É bom lembrar aos pecadores relapsos que uma confissão bem feita exige cinco coisas: 1.º o exame de consciência; 2.º a dor dos pecados; 3.º o propósito de nunca mais pecar; 4.º a acusação (isto é, ser bufo de si próprio); 5.º a satisfação ou penitência.

Claro que, depois disto, não se fica vacinado contra o diabo. Há pecados a que nem Cristo teria resistido se, como se propala, foi um verdadeiro homem. Esse pecados muito bons são os mortais, os que dão pouco gozo aparecem no catálogo como veniais.

Quem elabora o rol de uns e outros é o cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Sagrada Congregação da Fé (ex-Santo Ofício) piedoso cardeal a quem a idade e o múnus dispensou de os praticar mas a quem continua confiada a actualização do catálogo.

Advertência: Quem, por vergonha, oculte um pecado mortal ao confessor, não faz uma confissão bem feita e comete um sacrilégio. Deve, mesmo antes de voltar a repetir o pecado, voltar a confessar-se e solicitar a absolvição, a penitência e ir em busca de indulgências plenárias e parciais. Todas as indulgências não são de mais para pecados graves daqueles que dão a sensação de se ter frequentado o Céu.

Apostila – O Diário Ateísta, dada a frequência com que os crentes resolveram visitá-lo, vai procurando lembrar-lhes a boa doutrina e adverti-los dos riscos que a salvação da sua alma corre se, em vez dos sacramentos, que são chatos, passam a cometer pecados, que são divinos.

5 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O Crisma

Acontece com o Baptismo o que ocorre com a vacina do tétano – com o tempo perde eficácia. Um ferimento com um prego ferrugento, em local habitualmente frequentado por cavalos, revela a perda de imunidade e extingue o prazo de validade da vítima.

Com a idade, as pessoas julgam-se imunes aos perigos do mundo e descuram as defesas. E se se descuidam com o corpo, por definição precário, arriscam-se ainda mais com a alma que, pela sua natureza, não se queixa. Diga-se que a alma sofre tanto mais quanto mais goza o corpo, sendo por isso tão apetitosos os pecados e tão amargo o destino da alma.

A Confirmação ou Crisma é um sacramento que faz perfeitos cristãos e soldados de Jesus Cristo e imprime esse carácter. O Crisma não diminui o Baptismo, é uma espécie de reforço executado por um técnico altamente especializado no ofício divino – um bispo. O Crisma está para o Baptismo como um transplante do coração para o tratamento dos calos.

O Crisma faz perfeitos cristãos e soldados de Jesus Cristo, dando abundância de Espírito Santo, isto é, da sua graça e dos seus dons. Com a quantidade de Espírito Santo que recebe e com tal abundância de dons, surpreendente que o cristão se faça apenas soldado de Jesus Cristo e não assente praça em general. Mas isto e a respectiva conversa da treta é o que ensina o catecismo da ICAR.

Quem recebe a Confirmação – ensina o catecismo – deve estar na graça de Deus e, se tem o uso da razão, condição absolutamente supérflua para um cristão, nesse caso deve conhecer os mistérios principais da fé e aproximar-se deste sacramento com devoção.

O bispo besunta depois a testa do candidato com uns óleos que designa de santos, faz uma cruz com o polegar e uma massagem vigorosa para que os óleos não escorram e penetrem até à alma. Com as rezas e os óleos fica feita a recruta para soldado de Cristo.

Recordo-me de ter recebido dois santinhos por saber muito bem a doutrina. Deram-me as munições mas esqueceram-se de me distribuir a espingarda. Talvez não tivesse direito ainda a uso e porte de arma.

O crucifixo do bispo era tão grande que mais parecia um morteiro de 16mm do que uma simples arma para afugentar o demo. E o bispo era tão farto de carnes que o demo se havia de intimidar, sobretudo com medo de que o prelado se sentasse em cima.

Os fregueses só recebem o Crisma uma vez na vida. Sem outra mudança de óleo, se existisse alma, esta acabaria por gripar. E os soldados de Cristo, com a alma gripada, tornavam-se num exército em debandada.

4 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O Baptismo

Agarre-se uma inocente criancinha com dias ou poucas semanas de idade, vista-se de forma ridícula, leve-se à igreja e entregue-se ao eclesiástico. Ele fabricará um cristão. Havendo a água, sabidas as palavras que a seu tempo se dirão, estando disponível o padre, estão reunidos a matéria, a forma e o ministro, respectivamente, para impor o sinal eficaz da graça. O baptismo é a lixívia que lava a alma do pecado original e está para o cristão como a primeira prestação para a compra do automóvel. Começa-se por aí.

Antes das vitualhas os convidados assistem ao acto: mergulha-se a criancinha em direcção a uma pia e ela resiste e agarra-se desesperada ao algoz. Tem a sensação de que vai ser largada, grita e apanha com uma chapada de água na cabeça e uma pitada de sal nos lábios enquanto ensopa a fralda. Em surdina, abafado pelos gritos do neófito, o oficiante declara com o ar de enfado de quem passou a vida a fazer aquele número: «eu te baptizo em nome do Padre, e do Filho e do Espírito Santo» e devolve a encomenda a um dos padrinhos que, sentindo-a húmida, logo a larga no colo da mãe.

O padre, para justificar a propina, afiança que livrou do limbo o recém-nascido, que o fez cristão, isto é, discípulo de Jesus Cristo, filho de Deus e membro da Igreja, sítio onde é recomendável não regressar enquanto não controlar os esfíncteres e o choro. Quando a propina ameaça ser choruda, o oficiante explica ainda que o baptismo imprime na alma um carácter permanente, espécie de nódoa que resiste à benzina, pois o carácter é um sinal distintivo que nunca se apaga.

Os pais, embevecidos, repetem em uníssono: «já é cristão», acidente que a criancinha aceita com a mesma sofrida resignação que há-de reservar à varicela, ao sarampo e ao trasorelho. São doenças de crianças, normalmente benignas, não sendo o baptismo contagioso apesar do carácter endémico em certas zonas rurais.

O sacerdote que tem as habilitações canónicas para o difícil ofício baptismal aproveita para dar uma aula sobre o baptismo e dizer que, em caso de necessidade, qualquer pessoa baptizada, que tenha a intenção de fazer o que faz a Igreja, pode proceder ao baptismo, para que nenhuma criança morra sem o primeiro sacramento que lhe garante um entrada permanente no Paraíso até ao primeiro pecado.