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Carlos Esperança

14 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Lotaria

No Vaticano andou hoje a roda da sorte. Na lotaria da santidade o prémio saiu à casa. Foram beatificadas duas freiras, uma espanhola e outra americana.

A missa das beatificações foi presidida pelo cardeal Saraiva Martins, encarregado da criação de beatos e santos, na qualidade de prefeito da Congregação para as Causas dos Santos.

JP2 pelava-se por desempenhar estes números e nunca deixou que fosse um Ajudante a beatificar os numerosos bem-aventurados que elevou aos altares.

Agora, o facto de ter sido um cardeal nascido em Portugal é motivo de orgulho para os que julgam que Deus está comprometido nos negócios dos milagres.

13 de Maio, 2005 Carlos Esperança

O hipermercado da fé

Há sessenta anos a Virgem viageira poisava nas azinheiras e mandava rezar o terço às criancinhas. Em campanha eleitoral, contra o comunismo e a República, agendou umas sessões de esclarecimento para a Cova da Iria onde reuniu três inocentes pastorinhos.

Disse-lhes que «Nosso Senhor» andava muito zangado e que era preciso rezar muito. Quanto ao mau feitio do referido indivíduo percebe-se hoje melhor o mau humor e apenas se desconhece se continua de trombas ou se já se dá por satisfeito com milhões de terços rezados e com o fim do comunismo.

A Lúcia era a única que via e ouvia a tal Virgem que lhes disse: «eu sou a Nossa Senhora» e, por especial deferência, teve direito a ver o Inferno onde se encontrava o Administrador do Concelho de Ourém que, em vida, não ia à missa. Teve ainda direito a outros mimos como foi o caso da visita de Jesus Cristo que foi a Tuy, de propósito, para a visitar na cela, em rigorosa clandestinidade.

Mas, para que não se pensasse que as crianças eram parvas e se punham a inventar coisas, a Senhora de Fátima, como depois havia de ficar conhecida, mandou o Sol fazer piruetas perante numerosos fregueses atraídos pelas aparições e maravilhados com o espectáculo.

E foi assim, faz hoje 60 anos, que um lugar rústico do concelho de vila Nova de Ourém se tornou no promissor sector terciário, graças ao terço e às peregrinações.

O Papa que mais protegeu o negócio foi o defunto JP2 que hoje, contra as tradições da ICAR, viu o Papa Ratzinger anunciar o requerimento para a promoção a beato. Antes de JP2 só depois de cinco anos decorridos é que se podia meter os papéis.

O negócio está próspero e os milagres vão aumentar. Há grandes investimentos para a promoção do sobrenatural até porque a concorrência de outras seitas mais pequenas e ágeis se adiantaram no ramo. Assim, dentro e breve João Paulo II será vendido como santo, em madeira, bronze, cristal e porcelana, fabricado nas Caldas da Rainha, na Vista Alegre e em numerosas fábricas que vão requerer o alvará de fabrico.

Sexta-feira, 13, é o dia da sorte para os negócios da fé. A RTP, canal de serviço público, desde ontem que tem o tempo de antena adjudicado à ICAR.

12 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Saudades para Vanessa

Leio e não acredito. Volto a ler. Julgo ter percebido mal e releio. Ainda penso que há gralha, que o jornalista cometeu um lapso e disse o contrário do que queria. Leio uma última vez.

Sinto comoção e raiva. Já vivi muito e sei das baixezas de que os homens são capazes. Estive 26 meses na guerra colonial. Mas, talvez, a estupidez não seja o pior dos males. Pior só a estupidez e a fé reunidas.

Paulo, drogado, saído da prisão de Custóias há quatro meses, desempregado, faz filhos em várias mães no Bairro do Aleixo, bairro de problemas e miséria da cidade do Porto. Uma das filhas chamava-se Vanessa. Tinha cinco anos e a vida para viver. Paulo tê-la-á matado à pancada.

A mãe de Vanessa mandou rezar-lhe missa do 7.º dia na igreja de Lordelo do Ouro, no Porto. Foi o mimo que lhe faltou em vida.

Vou copiar devagar o que li e reli na pg. 90 da «Visão», de hoje. Domingos Oliveira, o padre que celebrou a missa do 7.º dia, por Vanessa, criança de cinco anos, morta à pancada pelo pai, disse na homilia: «matar uma criança no seio materno ainda é mais violento do que matar uma menina de 5 anos» e invectivou a sociedade «que favorece o uso de preservativos».

Há na demência mística do padre Domingos Oliveira uma tal insensibilidade, um tão grave insulto à memória de uma criança mártir, um desrespeito tão grande pela mãe que encomendou a missa e um tamanho ultraje à vida, que estupefaz e arrepia.

Este almocreve de Deus, apóstolo da fé, santa besta fiel ao Papa, padre católico, acha preferível matar uma criança de cinco anos à pancada do que interromper a gravidez de um embrião de cinco semanas.

Maldito seja Deus.

11 de Maio, 2005 Carlos Esperança

13 de Maio – feira anual

É preciso muita insensibilidade para não sentir dó dos numerosos peregrinos que vão a pé a Fátima. Seguem em bandos pela orla do caminho, atravessam estradas, distraídos, pés inchados, rostos suados, corpos sofridos, em busca do alívio de uma promessa cumprida por um favor implorado ou uma graça recebida.

Acreditam que alguém, algures noutro astro, se importa com vidas tristes e cinzentas. Imploram a protecção da virgem viageira que poisa em azinheiras, fala com pastorinhos e põe o Sol a fazer piruetas. Crêem no Pai, no Filho e no Espírito Santo, confiam em anjos e demónios, em bruxas e maus olhados, na confissão como detergente, nas propriedades nutritivas da eucaristia e na água benta como desinfectante.

Muitos rezam ainda pela conversão da Rússia e pelo fim do comunismo. Pedem a Deus que ilumine os governantes e lhes dê longa vida enquanto outros, mais esclarecidos, os advertem, a estes não, e voltam às contas do rosário a desfiar ave-marias e padre-nossos numa interminável cantilena com que esperam indulgências que os conduzam à vida eterna.

São longos os caminhos e demorada a viagem. Rezam pelo Santo Padre, sem se darem conta de que ele precisaria de muitas orações se acaso estas resultassem ou ele lograsse tornar-se melhor. E voltam ao rosário, às jaculatórias, aos mistérios gozosos, dolorosos ou gloriosos, consoante o dia da semana, e à alienação dos padre-nossos e ave-marias.

São devotos que se revêem no Francisquinho, mais dado à contemplação mística do que à frequência escolar, que rezam à Jacintinha com enorme devoção, que anseiam pela canonização da Lúcia. São crentes, portadores de uma fé cada vez mais anacrónica, que exultam com a procissão das velas e se comovem com a bênção apostólica, que mantêm abertas as igrejas e a próspero o Vaticano.

São estes peregrinos que vão em busca de Deus e se satisfazem com um cardeal, alguns bispos e numerosos padres, julgando-se perto do Céu. São como crianças que vão ao Jardim zoológico e crêem viajar pela selva e embrenhar-se em florestas tropicais.

A fé não move montanhas mas cria montanhas de ilusões.

11 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Fátima: Mortos – 1; Milagres – 0

Um homem de 56 anos, oriundo de Vila Nova de Gaia, foi ontem colhido mortalmente próximo de Antanhol, nos arredores de Coimbra, quando se dirigia para a peregrinação anual a Fátima.

A fatídica Estrada Nacional n.º 1, onde ocorreu o infausto acidente, é anualmente palco de mortes e feridos que se deslocam de suas casas atraídos pela propaganda do santuário de Fátima.

Fátima é a miragem da fé, a EN-1 é o cemitério dos crentes.

Os peregrinos saem de diversos locais, todos à mesma distância de Deus, em busca de um destino em que apenas se colocam mais perto dos padres.

Deus não merece o sacrifício de uma vida. Não há milagres que compensem a dor e o luto das famílias que choram os entes queridos, perdidos inutilmente numa curva de um caminho que não conduz a lado algum.

Fonte: «Público Centro», pg. 52, de hoje.

10 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Igrejas à venda

A diocese de Saint George no Canadá acaba de pôr à venda todos os seus bens, incluindo as igrejas, para pagar mais de oito milhões de euros de indemnizações a que foi condenada pelos crimes de pedofilia de um dos seus padres.

A ICAR está a apelar a todos os crentes para que a ajudem a comprar de novo as igrejas, onde decorrem os actos litúrgicos.

Até há pouco tempo a ICAR gozava de uma certa imunidade no Canadá, imunidade que caducou por uma recente decisão do Governo Federal. A responsabilização criminal da diocese levou-a à falência.

Como há ainda trinta processos pendentes, por abusos sexuais, envolvendo seis padres, o futuro da Igreja católica não se apresenta risonho na referida diocese. São mais de 8 milhões de euros que vão receber as primeiras vítimas.

Sem igrejas o trabalho apostólico da Igreja católica complica-se. Não é prático proceder às confissões numa casa particular ou dar a eucaristia numa garagem alugada para o efeito.

Não deixa de ser curioso que a sexualidade, tão atacada pelo Vaticano, esteja na base dos maiores problemas que enfrentam as suas sucursais com os seus padres.

10 de Maio, 2005 Carlos Esperança

O Iraque e a democracia

O Governo iraquiano foi completado. O ministro designado para os Direitos Humanos recusou o cargo com o argumento de que não tinha sido consultado nem pretendia legitimar um Governo baseado em quotas confessionais.

Um Governo formado a partir de quotas religiosas não assegura a direcção de um país. Na melhor da hipóteses partilha orações e divergências teológicas; na pior, discute a fé e envolve-se em guerras santas.

No Iraque, após as eleições que, por comodidade de exposição, considero justas e livres e sem exército ocupante, não houve apresentação de programas, discussão de propostas, competição eleitoral. Houve orações e atentados, assassinatos em nome de Alá e suicídios para encontrar a porta do Paraíso. Faltaram comícios, sobraram os massacres.

O «Governo» é formado por 18 xiitas, 8 curdos, 9 sunitas e 1 cristão. É o ideal para discutir o Corão e apreciar alguns versículos da Bíblia, mas não chega para fazer uma democracia.

Um programa de Governo não pode ser a síntese de dois movimentos muçulmanos que se desentendem sobre o valor da Suna como complemento do Alcorão e um palpite cristão. Os ministros estão mais interessados na salvação da alma do que na resolução dos problemas dos cidadãos. A lei serve a glória de Deus e não os interesses humanos.

Um Governo assim é um bando tribal a lutar pela hegemonia. Pode começar como uma comissão de festas canónicas mas acaba inevitavelmente numa guerra de turbantes. Não há democracias que não sejam laicas nem teocracias que aceitem o pluralismo. É este o labirinto em que os invasores enredaram o novo e piedoso Governo iraquiano.

9 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Notas piedosas

Papa Ratzinger – O pastor alemão anunciou no fim de semana que irá resistir a todas as tentativas que ameaçam a palavra de Deus e que lutará para garantir a obediência à doutrina de Deus. Visará apenas os fregueses ou quererá impor os dogmas aos ateus e à clientela de outras confissões? Desconhecem-se os meios que tem em mente mas conhecem-se os que a ICAR usa tradicionalmente.

Timor – O acordo entre a ICAR e o Governo lembra a paz assinada há sessenta anos entre as tropas aliadas e as alemãs – a capitulação sem condições. Após 19 dias de arruaças religiosas o acordo contempla oito pontos, sendo os cinco primeiros dedicados à importância dos valores religiosos e à garantia da continuidade da manutenção da disciplina de Religião e Moral como cadeira regular e curricular. O sexto ponto obriga o Código Penal «a tratar da questão do aborto em todas as suas vertentes» e estipula que a lei «deve igualmente definir a prática da prostituição voluntária [sic] como um crime».
O que será, para a ICAR, a prostituição involuntária?

Verdades da ICAR** – Em Portugal há 10, 05 milhões de habitantes, dos quais 9, 404 são católicos, uma percentagem de 93,57%. Estes pescadores de almas são mais exagerados do que os pescadores de robalos e os caçadores de perdizes.

Baptismo** – Em Portugal, de 1999 a 2002 (inclusive) as crianças baptizadas até aos 7 anos representaram respectivamente 94,60%, 93,95%, 94,18% e 93,87%. De pequenino é que se torce o pepino. O recrutamento precoce e a manipulação posterior fazem parte do proselitismo religioso da seita.

Portugal **- De 1999 a 2002 o número de ordenações sacerdotais foi de 54, 54, 40 e 30 respectivamente. Os óbitos foram 96, 72, 75 e 77. As defecções cifraram-se em 9, 6, 3 e 1, sempre em relação aos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002, respectivamente. Nem tudo são más notícias. A redução da equipe de vendas é de bom augúrio.

** Fonte: Agência Ecclesia

8 de Maio, 2005 Carlos Esperança

O sacristão da minha aldeia

(…)

O sacristão era coxo. O nome verdadeiro encontra-se, se acaso o soube, arquivado na desmemória de sexagenário. Todos o tratavam por Ti Mijinhas.

Sempre julguei apanágio do múnus o cheiro dele, antes de saber que o efeito conjugado da incontinência urinária e da relutância ao banho era a causa necessária e suficiente de um odor que as pituitárias da época, muito mais conformadas e cristãs que as de hoje, assinalavam com nauseada tolerância.

Era ele que ajudava o sr. pároco a paramentar-se, cargo que à época conferia algum prestígio, se encarregava de agitar a campainha quando o sr. Prior passava com a hóstia em frente do Santíssimo, no sentido ascendente e no descendente, estridente toque que me levou muitas missas e cuidada averiguação a localizar. Eu julgava que era o efeito da passagem da hóstia à frente do sacrário que produzia o som, qual célula fotoeléctrica, antes de ter descoberto que o mesmo se devia à campainha com quatro chocalhos cruzados, agitada pelo sacristão, a razoável distância, no momento adequado das exéquias.

Mas era a eucaristia que enobrecia o homem pela singularidade das funções. Cabia-lhe acompanhar com a patena a trajectória das hóstias que do cálice eram transportadas pela mão do oficiante até à língua dos devotos, espécie de rede protectora a impedir que o corpo de Cristo caísse desamparado por alguma manobra mais infeliz ou desajeitada do oficiante, mera precaução para um eventual acidente nunca registado. Nesses momentos até parecia que a perna mais curta do coxo, que o sacristão sempre fora, se adequava melhor à função do que se ambas lhe tivessem crescido iguais.

Era ele que transportava a caldeirinha da água benta com o hissope mergulhado à espera que o sr. prior o sacudisse vigorosamente sobre os paroquianos para os aspergir e abençoar. Cabia-lhe ainda acender as velas e apagá-las, guardar as alfaias, dobrar e arrecadar os paramentos. Os trabalhos menos nobres, a limpeza da Igreja, o tratamento dos paramentos, a mudança da roupa aos santos e outras tarefas menores, de grande interesse para o culto e razoável benefício para a alma, eram destinados a mulheres que disso se encarregavam em obscura dedicação.

Já depois de dita a missa, enquanto se rezavam as últimas orações, uma espécie de IVA para prolongar o santo sacrifício, lá ia o Ti Mijinhas de bandeja em punho a pedir para vários fins, conforme o domingo. O mais usual era o «costolado da oração» que anos depois a minha mãe me esclareceria tratar-se do «apostolado da oração», o que não alterava o valor do óbolo nem confundia a devoção daquela gente pobre.
(…)

Nota: trecho piedoso de uma crónica publicada no «Jornal do Fundão».

7 de Maio, 2005 Carlos Esperança

A liberdade está em perigo

A vocação totalitária das religiões está inscrita no código genético. Não há democracia onde o poder da Igreja não se encontre claramente limitado, nem liberdade onde não se tenha imposto o laicismo. Já Pio IX tinha afirmado a incompatibilidade da ICAR com a liberdade e a democracia – sábias palavras de um pontífice que odiava os judeus e a modernidade com igual fervor.

Há muito que o Diário Ateísta acompanha o ressurgimento dos neo-cruzados que como feras esfaimadas se precipitam contra governos democráticos na tentativa de imporem a verdade única e fazerem da Bíblia a fonte do direito. Não compreendem que haja mais mundo para além do direito canónico e dos dogmas da sua Igreja.

São bandos de beatos à solta, bárbaros sedentos de proselitismo, clérigos fanatizados nos campos de treino do Vaticano e nos antros do Opus Dei. É a igreja das cruzadas e da inquisição que ressurge, é a contra-reforma que avança, é o mercado da fé à procura da globalização.

A vitória dos neoconservadores americanos e a conquista do aparelho do Estado mais poderoso do mundo por beatos evangélicos, em perfeita simetria com o histerismo do islão político, lançou a ICAR através das Conferências Episcopais numa desvairada deriva contra o poder secular.

Em Espanha (ver artigo da Palmira) a «desobediência civil» promovida pelos bispos é um vigoroso ataque à democracia desferido por lacaios do único estado totalitário europeu – o Vaticano.

Na América do Sul, há poucos anos apoiavam os ditadores assassinos, hoje ameaçam e limitam as transformações democráticas em curso.

Em Timor Lorosae, dois bispos ameaçam lançar o País numa guerra civil e humilham os governantes faltando a reuniões adrede preparadas, sem explicações ou desculpas, exigindo a demissão de quem tem a legitimidade democrática, encaminhando o País para uma teocracia.

Em Timor Lorosae, os bispos começaram por exigir a revogação da lei que criou, a título experimental, o carácter facultativo do ensino religioso em 32 escolas. Depois pediram demissão do chefe do Governo, agora exigem «a imediata remoção do primeiro-ministro».

O bispo de Baucau, Basílio do Nascimento, declarou à Lusa – segundo o Público de hoje -, «ter proposto que o poder político se pronuncie a favor da criminalização do aborto e da prostituição, aguardando que o Parlamento se venha a pronunciar sobre esta matéria».

A seguir virá o divórcio e o adultério. Depois, a sodomia, a blasfémia e a apostasia. Por fim os timorenses dividir-se-ão entre os que seguem a ICAR com velas ou com cacetes. É a dialéctica do poder totalitário.