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Carlos Esperança

30 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Saudades do Barnabé

COMUNICADO

«A partir de Domingo próximo, o Barnabé fecha as portas. Tomou-se esta decisão numa almoçarada, como sabem as pessoas que estavam sentadas num raio de cinquenta metros à nossa volta, e demo-nos estes três ou quatro dias para escrever os últimos posts. (…)»

Diariamente nascem e morrem blogues. Alguns são como estrelas cadentes de que poucos se apercebem. Mas o Barnabé é diferente. É uma estrela de primeira grandeza que brilha no firmamento da blogosfera.

Gostaria que os inspirados autores reconsiderassem, mas quando a decisão se ouve «num raio de cinquenta metros», torna-se irreversível.

O mesmo grupo nunca mais se reunirá, mas espero que nenhum se afaste deste espaço de liberdade que é a blogosfera. Com outros que venham, partam para uma nova aventura cujo sucesso se renove.

Saudações amigas. É grande a mágoa e forte perda.

29 de Junho, 2005 Carlos Esperança

A ICAR e a educação sexual

«Experiência a Madre das Cousas»

Segundo o «Diário de Notícias» a Igreja Católica está insatisfeita com a educação sexual que se pratica nas escolas portuguesas. Sei que a obsessão da ICAR pelo sexo a faz acompanhar com pio desvelo o que, neste campo, se tem ou não tem passado.

Não duvido, aliás, da importância do problema que vivi como pai, professor e cidadão. Só duvido de que a ICAR seja recomendável para abordar o problema.

Quem não apresenta soluções para além da castidade, do ódio ao preservativo e do horror à contracepção, além das piedosas mentiras de que o preservativo provoca a SIDA ou a masturbação conduz à cegueira, não merece confiança.

Mas numa sociedade livre tem todo o direito de manifestar-se, direito que não existe em sociedades de forte domínio clerical. São, aliás, desejáveis os contributos da ICAR para a educação sexual e a referência às suas próprias experiências individuais e colectivas.

Com direito igual ao da ICAR também nós, cidadãos e ateus, não estamos satisfeitos com a educação sexual praticada nos seminários católicos e nos conventos da ICAR.

Quem aconselha uma noviça a lidar com a menstruação, a fazer a palpação da mama, a lidar com o desejo sexual ou sobre a contracepção? Quem acompanha uma madre superiora no período difícil da menopausa? Quem ajuda uma carmelita descalça a ver-se livre das visões de um santo nu? Quem esclarece que as velas se destinam a alumiar os santos e a virgem Santíssima?

Que cursos frequentaram os membros da Conferência Episcopal Portuguesa para se julgarem autoridades em matéria sexual? Não basta o onanismo da adolescência ou experiências furtivas em camaratas onde eram obrigados a dormir com as mãos fora da roupa, vigiados por um preceptor ou acariciados por ele. Muito menos a repressão sexual de uma vida ou o doutoramento em castidade e oração se tornam cartas de recomendação.

A Igreja Católica durante séculos procedeu à castração de miúdos pobres, para lhes conservar a voz. E não só. A vocação para a educação sexual vem de longe.

Dos bispos portugueses só o arcebispo resignatário de Braga, Eurico Dias Nogueira, tem experiência assumida em matéria sexual, pois – segundo as suas próprias palavras -, aprendeu mais em meia hora a ver «O Império dos Sentidos» do que no resto da sua vida.

28 de Junho, 2005 Carlos Esperança

As ateus e o casamento do clero católico

Nós, ateus, não somos contra as uniões de facto nem contra o matrimónio do clero católico. Eventualmente somos contra o seu excessivo património cuja proveniência seja suspeita. E, em absoluto, somos contra a obrigatoriedade do seu casamento.

Esse acto que os padres católicos têm o hábito de benzer, e que em nenhuma circunstância permitem repensar, deve ser-lhes permitido e nunca imposto.

As uniões de facto entre padres, ou entre estes e freiras, ou de freiras entre si, é um direito que nós, ateus, defendemos, sem imposições. Temos simpatia pelos casamentos mistos, um padre e um padeiro, uma freira e uma professora, um bispo e um torneiro mecânico, uma madre superiora e um alfaiate, por exemplo. Mas, repito, sem que seja obrigatório.

Em coerência, defendemos igualmente uniões entre mullahs e cónegos católicos, rabis e monges ortodoxos, freiras e pastores evangélicos, arcebispos e suicidas islâmicos, entre dignitários de ambos os sexos e de qualquer religião, embora desconhecendo os riscos do cruzamento de um bonzo com uma freira carmelita e muitas outras combinações que não têm sido objecto de ensaios duplo-cegos estatisticamente significativos.

Os papas modernos perderam o hábito da procriação, contrariamente aos seus santos antecessores da Idade Média cujos rebentos algumas vezes ocuparam a cadeira do progenitor. Ultimamente a provecta idade e os preconceitos têm-nos impedido da multiplicação que a bíblia preconiza.

Se um Papa romano quiser tomar por companheiro/a um chofer de táxi ou a superiora das Reparadoras do Imaculado Coração de Maria, o geral do Opus Dei ou um gerente do Banco Ambrosiano é um direito que não lhe deve ser coarctado. Mas sempre, repito uma vez mais, se for da livre e expontânea vontade de ambos.

Já quanto ao preservativo deve ficar ao critério dos casais eclesiásticos. Se acham que ofende ao seu Deus, enjeitem o adereço e rezem para que nada lhes aconteça. O Senhor, na sua infinita misericórdia, há-de poupar os ministros do culto à sífilis, à hepatite, à blenorragia e à SIDA que os frequentadores dos bares de alterne arriscam.

Quanto à interrupção da gravidez, deve ser respeitada aos casais clericais a renúncia, ainda que o feto resultante de uma piedosa cópula entre um cónego sexagenário e uma freira balzaquiana mostre sinais ecográficos de malformações congénitas ou uma análise aponte para o nascimento de um mongolóide.

Em suma, os ateus respeitam a vontade do clero católico sem pretender impor-lhe os seus valores, com respeito pelas suas convicções e autodeterminação sexual.

Em troca, os ateus exigem que a ICAR respeite as convicções e os valores alheios.

27 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Momento Zen da segunda-feira

João César das Neves (JCN), quiçá no comprimento da penitência imposta pelo confessor, para o absolver de algum pecado mortal, volta hoje aos temas com que julga conseguir as bem-aventuranças celestes.

Uns julgam ter à sua espera setenta virgens e rios de mel doce, outros esperam encontrar a virgem Maria e banhos quentes. «Cada doido com sua mania» – como diz o adágio.

JCN afirma que o divórcio e as uniões de facto enfraquecem o matrimónio, contrato que – segundo ele – deve ser sacramentado e manter-se indissolúvel, independentemente dos maus tratos, alcoolismo, infidelidade, incompatibilidade de feitios e torturas mútuas ou unilaterais.

JCN vê o matrimónio como um cálice amargo que, por vontade divina, deve ser bebido até à última gota.

«As crianças são descartadas antes de nascer pelo aborto e mal-amadas depois pelo divórcio» – afirma o pio plumitivo. Espero que se refira a crianças diferentes, isto é, que as mal-amadas não sejam os fetos abortados a que ele chama crianças.

JCN parece temer que a interrupção voluntária da gravidez, o divórcio e os casamentos homossexuais se tornem obrigatórios. Não distingue direitos de obrigações, como não compreende que a humanidade se vá libertando de um velho carrasco – Deus.

O católico fervoroso, JCN, entende que «vivemos no tempo que mais agride, despreza e oprime a mulher». Esquece tempos, não muito longínquos, em que uma mãe solteira era expulsa de casa, agredida, às vezes morta por questões de honra, e, na melhor hipótese, acabava na prostituição em Lisboa. Esquece que, dentro do matrimónio, a violação não existia juridicamente, as agressões eram normais e a mulher era um objecto que Deus entregava ao poder discricionário do marido, com a bênção da Igreja.

Este avençado de Deus desconhece que o direito de voto, o acesso à educação, o direito ao trabalho, a igualdade (ainda débil) entre os dois sexos são conquistas recentes após luta contra a tradição, a vontade da ICAR e a mentalidade religiosa.

JCN diz que estas questões (I.V.G., casamentos homossexuais e divórcio) «estraçalham hoje a sociedade espanhola, corroem a cultura holandesa, incendeiam os estados norte-americanos». Não refere as intrigas, a chantagem e as ameaças com que a ICAR procura destruir governos legítimos.

Surpreende-me que JCN não apele aos bispos, padres e ao próprio Papa para contraírem o sagrado matrimónio, sempre heterossexual, abstendo-se do divórcio e multiplicando-se cristãmente, sem recorrerem ao aborto.

Pode ser uma solução para a falta de vocações sacerdotais.

26 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Catequese à moda antiga

O «Correio da Manhã», de hoje, informa que o padre João Parente, da freguesia de Parada de Cunhos, terá agredido dois jovens da aldeia de Granja, que frequentavam a catequese para a Profissão de Fé, uma cerimónia que facilita o percurso dos difíceis caminhos do Paraíso.

As agressões ocorreram dentro do estabelecimento – a Igreja Matriz de Parada de Cunhos, na diocese de Vila Real.

Como o pontapé e as piedosas chapadas que sua reverência distribuiu pelos miúdos não foram do agrado dos pais, que preferem arriscar a salvação da alma a verem agredidos os seus filhos, o padre fugiu da paróquia, sem confiar na protecção divina.

A fuga do ministro de Deus deixa a paróquia sem missa, sem profissão de fé e outras cerimónias litúrgicas que exijam um padre encartado.

Por enquanto, Deus está sem agente na aldeia da Granja.

25 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Burla piedosa

Segundo a Agência Ecclesia, «Lisboa renova a consagração ao Imaculado Coração de Maria» no próximo dia 2 de Julho. Claro que é mentira. Não é a cidade que se consagra, é o «Grupo da Imaculada» que tomou a iniciativa.

Há neste gesto beato um claro abuso: dirigir sinais cabalísticos e borrifos de água benta aos cidadãos que não gostam de ser conspurcados com tal água nem ameaçados com semelhante gestos, ainda por cima oriundos de um travesti com sotaina.

Mas ignoremos os gestos idiotas de quem se julga ungido para consagrar os lisboetas, como se todos fossem devotos, de quem pensa que a cidade é umaa sacristia, de quem imagina que é útil a paródia circense da consagração da cidade.

O interessante é que os piedosos devotos que ocupam a ociosidade em rezas e bênçãos não se dêem conta de que a segunda consagração, após vinte anos, apenas desacredita a primeira, reconhecendo que o prazo de validade caducou ou que as bênçãos são como algumas vacinas que precisam de doses de reforço.

À primeira desgraça, os cidadãos de Lisboa vão reclamar da ineficiência da consagração e pedir uma indemnização pela administração do placebo. Quem assume a garantia da piedosa apólice?

24 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Ainda o Diário Ateísta

Recentemente um bando de energúmenos da melhor cepa fascista apareceu a escrever nas caixas de comentários do Diário Ateísta.

Os dez colaboradores habituais são ateus de diferentes proveniências culturais e variadas opções políticas que têm em comum o ateísmo e o desejo de combater as religiões pela acção deletéria que lhe atribuem. Há certamente outros ateus que não se identificam connosco nem nós queremos qualquer confusão com eles.

No meu caso pessoal, junto ao ateísmo militante um anti-clericalismo entusiástico, certo de que não posso combater eficazmente a droga sem beliscar os traficantes. Não é só a religião que é responsável pelo atraso dos povos e por uma atitude retrógrada perante a vida, é o clero, na luta pelo poder político, que impede o progresso e cerceia a liberdade.

Sabemos que não somos os únicos. Há ateus entre extremistas violentos, estalinistas e nazis. Mas é fauna com que não nos identificamos.

O Diário Ateísta defende a liberdade religiosa e o direito de todos poderem ter uma religião, abdicar dela, aderir a outra ou desprezar qualquer fenómeno atribuído a Deus. Apenas não abdica do direito de combater as crenças nem de defender igual direito para os que nos combatem, desde que a única arma seja a palavra.

O que todos aqui defendemos é a democracia, baseada no sufrágio universal e secreto, o respeito pelas minorias, a não discriminação de quem quer que seja por motivos de raça, sexo ou outros e a exigência da separação do Estado e da Igreja, única condição para que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos possam ser respeitados. Apenas impedimos o proselitismo religioso neste espaço bem frequentado pelo ideal ateísta.

As religiões são falsas e mentirosas. Atribuem a Deus livros que consideram sagrados e que frequentemente apelam ao crime, mas, nem por isso, aceitamos outro foro para o seu julgamento que ultrapasse a opinião pública que nos esforçamos por esclarecer e os tribunais a quem, num Estado de direito, cabe julgar os crimes de crentes e ateus.

Os homens primitivos criaram Deus à sua imagem e semelhança, com os seus piores defeitos e nenhuma das virtudes que a humanidade no seu incessante progresso se tem encarregado de criar. É por isso que Deus é cruel, vingativo, misógino, ignorante e feroz.

O dever dos homens e mulheres civilizados é desmascarar as religiões e os clérigos que as parasitam. O Estado moderno, laico e democrático, é um dique contra a superstição e a ignorância que o clero perpetua e as religiões se esforçam por aprofundar.

O Diário Ateísta continuará a defender os seus pontos de vista de acordo com a visão de cada colaborador, com o respeito devido à Constituição da República Portuguesa e o apreço que lhe merece a Declaração Universal dos Direitos do Homem.