14 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança
Como se borra a pintura
Presidente da República condecora vice-postulador da causa de canonização dos Pastorinhos
Presidente da República condecora vice-postulador da causa de canonização dos Pastorinhos
Papa profere discurso de apoio à vida, à família e ao matrimónio.
A ICAR não pára na sua ânsia de proselitismo. Depois da pastoral do embrião e da teologia da pílula do dia seguinte, a associação de sotainas, representada pelo reverendo padre João Eleutério, procura «mostrar que é possível o despertar religioso nas crianças desde os recém-nascidos até aos cinco anos».
Uma Igreja que condena experiências em embriões propõe-se, ela própria, usar recém-nascidos. Não é inovadora, apenas se limita a ultrapassar os limites simbólicos dos borrifos baptismais e entrar na manipulação ideológica dos lactentes. O desvario do islão, cujas crianças fanatizadas aprendem a apedrejar judeus antes dos cinco anos, contaminou definitivamente a ICAR.
«De pequenino se torce o pepino», que é como quem diz: apropria-te da vontade de uma criança e faz dela um beato. Não deixar crescer sem inocular o veneno da fé é o objectivo da Faculdade de Teologia da Universidade Católica do Porto em parceria com a Fundação Maria Ulrich e a Escola Superior de Educadores de Infância.
Perante a incúria da sociedade e a conivência dos meios mais obscurantistas, educadores, catequistas, pais e avós propõem-se participar numa torpe acção de proselitismo contra crianças até aos cinco anos de idade, os primeiros por maldade e os últimos por ignorância.
Não há lei que defenda as crianças indefesas?
Escondam as crianças, há padres à espera.
Compreende-se a preocupação dos prelados pois no Vaticano, a sede da sua Empresa, o Estado de que se sentem cidadãos, há muito que não nasce uma criança. É, aliás, o único Estado do mundo sem maternidade.
Os bispos compreendem, como ninguém, a ansiedade de um filho desejado, os esforços de um casal que, por mais que tente, a mulher não alcança, e o declínio demográfico do País apesar das orações, novenas e promessas não cumpridas por falta de graças.
As frequentes e reiteradas consagrações à Virgem não inverteram a curva demográfica descendente. Talvez por ser à Virgem. Deviam virar-se para Maria Madalena ou para a canonização de Messalina e Lucrécia Bórgia a quem consagrariam, depois, o país como estímulo à procriação.
Mas é de crer que seja sobre os embriões excedentários que as reverendas criaturas se vão pronunciar pois por cada embrião fabrica-se uma alma e com os excedentários fica a dúvida se sobra a alma ou falta a criança. É este problema que dilacera os bispos que, com a sua experiência, querem contribuir para a teologia da procriação.
«Não existem apenas fundamentalistas religiosos. Também existem fundamentalistas ateus e sem religião. Também existem ateus sem religião que combatem o fundamentalismo de um ateísmo ignorante». Frei Bento Domingues, Público (LIDO – DN, 09-01-2005)
Ateus sem religião deve ser o oposto de crentes com religião. Os crentes sem religião são supersticiosos não filiados.
Os ateus não têm livros sagrados nem são incitados a combater os fiéis. Ao contrário dos crentes, não têm o Paraíso à espera. Não os aguardam setenta virgens nem rios de mel em recompensa de actos terroristas; não ascendem aos Céus por participarem em cruzadas; não comprazem Deus a carrear lenha para queimar hereges.
É verdade que os ateus se livram do Purgatório, sítio mal frequentado, com aposentos despojados de qualquer electrodoméstico, sem divertimentos nem conforto, donde se sai à custa de missas de quem tem cabedais e devoção para mandar rezar.
Também o Inferno é reservado aos crentes que discordam da teologia do latex, comem carne de porco à sexta-feira, faltam à santa missa e amam sem intuitos exclusivamente reprodutivos.
O ateísmo pode ser ignorante, ao contrário da fé. Fr. Bento lê o Diário Ateísta e tem-nos em má conta. Mas pensar que a fé é esclarecida e que a devoção não é ignara, é miopia ou necessidade de preservar o futuro da ICAR, os seus activos financeiros e o fausto do «Sapatinhos Vermelhos» B16.
Há cerca de cinco anos houve na Guarda um pio escândalo, humano e divertido. Só surpreende que a comunicação social, tão ávida a espreitar pelo buraco da fechadura dos políticos, não se atrevesse a explorar um escândalo religioso.
Junto ao antigo Hospital Distrital e, até há pouco, local das Urgências, havia, e há, um lar de idosos. Ali esteva internada D. Márcia, depois de enviuvar, carregada de anos e de haveres, até Deus ser servido de a chamar à sua divina presença, como soe dizer-se.
No início dormia no excelente apartamento que comprara, ali próximo, e passava o dia no lar, onde comia, com pessoas da sua idade. Depois passou a pernoitar e ocupou um óptimo quarto que o os rendimentos lhe permitiam pagar.
D. Márcia não teve filhos. Era muito devota, temente a Deus, amiga da missa, confissão e eucaristia. Rezava o terço desde o tempo em que a irmã Lúcia o recomendou contra o comunismo a rogo da Virgem que poisava na azinheira.
No lar, além do tratamento esmerado, tinha a solicitude cristã de piedosas freiras que a assistiam nas rezas e nos caprichos – lindas moças cuja beleza o hábito encobria, mulheres espantosas a quem a fé não destruiu a natureza.
A solidariedade cristã levou D. Márcia a emprestar-lhes a chave do apartamento para pias reuniões que as esposas do Senhor certamente fariam ad majorem Dei gloriam.
Uma noite D. Márcia foi a casa e, estupefacta, escutou suspiros cuja origem a idade não lhe permitia recordar. Sentiu alegria no ar, risos, satisfação, quiçá, gemidos do êxtase.
Perante a dúvida, primeiro, e a indignação, depois, não era uma cerimónia litúrgica, o calvário recriado aos pulos ou o mês de Maria, com coreografia, o que D. Márcia viu. Eram as freiras e mancebos desnudos, numa cerimónia colectiva a evocar Adão e Eva no Paraíso e a folgarem.
D. Márcia achou perdido o mundo e exigiu a chave, o provedor da Misericórdia e a diocese transferiram as freiras para parte incerta, a cidade murmurou, exultaram os ímpios e cochichou-se pelos becos.
O escândalo foi abafado, certamente para evitar aos homens casados perturbações familiares e às freiras um despedimento sem justa causa.
Os tentáculos das Igrejas são longos e perigosos, mas é no ódio à liberdade que mais se fazem sentir. Quem viveu a ditadura autóctone, sabe como a ICAR foi aliada da violência, despotismo e poder discricionário do fascismo beato de Salazar.
A ICAR não é a pior das religiões, é apenas demasiado má. Os evangelistas dos EUA, os islamitas, os judeus das trancinhas, os calvinistas e outros fanáticos pedem meças na intolerância, ódio e aversão ao livre-pensamento.
As religiões têm imensos jagunços que se disfarçam de agnósticos, vestem a pele de ateus, fingem ser tolerantes, desconhecer o cheiro do incenso, o sacrifício da missa, o embrutecimento da oração enquanto escondem os calos das genuflexões.
Uns discordam da forma, outros da substância do que os ateus dizem ou fazem mas, no fundo, é brotoeja que sentem sempre que o charlatanismo da sua fé é posto a nu.
Denuncio a ICAR pelos privilégios de que goza: avião do Estado para o Policarpo ir ao funeral do director-geral; verbas para excursões a Fátima; soldo a capelães militares e hospitalares; vencimento aos professores de religião, em escolas do Estado, nomeados pelos bispos.
Mas a gula dos padres parece, aos crentes, direito divino. Sempre que se contesta vêm beatas histéricas com maldições, tartufos sedentos de azorragar ímpios, inanes em êxtase da última homilia, intelectuais arrimados às pias sinecuras e bandos de prosélitos vestidos de anjos vários como nas procissões do Senhor dos Passos.
Há para aí quem acredite no Deus que ditou a um pastor de camelos, analfabeto e tribal, um livro tão detalhado que, da gastronomia ao sexo, da discriminação das mulheres à interdição do álcool, do número de orações diárias às relações sexuais, tudo seria feito segundo a sua vontade.
Esse Deus, tão rude e violento como o destinatário, afiançou-lhe que a sua tribo era a predilecta, que as outras eram infiéis e deviam ser assassinadas pela seguinte ordem: primeiro os judeus e, depois, os cristãos e, posteriormente, todos os que não prestassem vassalagem ao profeta.
Antes desse esquizofrénico plagiador já o Deus do Cristianismo tinha visitado a zona geográfica, feito milagres, pregações e ressuscitado mortos para que todos fizessem o que queria o Deus mais velho, a quem chamava pai, enquanto um pobre carpinteiro era ultrajado por uma pomba e um anjo fez de alcoviteiro.
Também este plagiara um tal Jeová, o primeiro a ditar um livro, como se Deus fosse dado à literatura, que jurou amor a doze tribos de Israel e fez uma escritura de doação de terras que ainda mata que se farta entre fiéis dos diversos avatares do deus abraânico.
Claro que para as religiões monoteístas é extremamente difícil explicar com o seu mito bom, generoso, omnipotente, omnisciente e omnipresente, as guerras, as tragédias e crueldades que ensanguentam o mundo.
Assim, os crentes começaram a desconfiar de Deus e a acreditar no Diabo.
O Diário Ateísta ultrapassou hoje as 300 mil visitas graças a ateus dedicados, curiosos acidentais e crentes que a ICAR obriga a dar público testemunho da sua fé.
Destes últimos, há-os inteligentes, dialogantes, cultos e com sentido de humor.
No entanto, muitos parecem ter saído da pia de água benta sem tempo de se enxugarem, disparados da missa com a hóstia mal deglutida ou de longas genuflexões com a coluna e os joelhos ainda doridos.
Outros, embrutecidos por jejuns e orações, debitam sandices nas caixas de comentários, persignam-se enquanto escrevem e fogem, depois, espavoridos a beijar o anel ao bispo e a pedir a bênção ao cura da paróquia.
Ser crente não é crime, é apenas pecado cometido por obras, palavras e pensamentos. Alguns possessos do divino estacionam no Diário Ateísta, ressabiados, com o coração a explodir em ódio, cruzados ansiosos por travar batalhas contra os infiéis.
Vêm em busca do passaporte que lhes dê entrada no Paraíso, do sofrimento que redime ou da penitência que merecem. Para estes o Diário Ateísta é o caminho da salvação.
A solidão é o cimento que cola o abandonado à fé, torna o proscrito crente, faz beata a pessoa e transforma um cidadão num trapo.
A religião é o colchão que serve de cama ao desamparado, o mito que se entranha nos poros do desespero, o embuste a que se agarra o náufrago. É o vácuo a preencher o vazio, o nada que se acrescenta ao zero.
O padre está para a família como o álcool para o corpo. Primeiro estranha-se, depois entranha-se e finalmente domina.
A religião é um cancro que se desenrola dentro das pessoas e morre com elas. Também metastisa e atinge órgãos vitais. Mas é dos joelhos que se serve, esfolando-os, da coluna vertebral, dobrando-a, e do cérebro, atrofiando-o.
A religião busca o sofrimento e condena o prazer. Preza o mito e esquece a realidade.
Um crente faz o bem por interesse e o mal por obrigação. É generoso para agradar a Deus e perverso para o acalmar. Dá esmola para contentar o divino e abate um inimigo para ganhar o Paraíso.
A religião vive da tradição, do medo e da morte. Começa por ser uma doença infecto-contagiosa que se apanha na infância, transmitida pelos pais, através do baptismo. O lactente é levado ao primeiro rito mais depressa do que às vacinas.
Depois, o medo, o medo da discriminação na escola, no emprego e na sociedade, leva a criança à catequese, à confirmação, eucaristia e penitência. De sacramento em sacramento, missa após missa, hóstia sobre hóstia, com orações à mistura e medo do Inferno, transforma-se um cidadão em marionete nas mãos do clero.
Na cúpula temos o Vaticano, um antro de perversão a viver à custa dos boatos sobre o filho de um carpinteiro de Nazaré e os milagres obrados por cadáveres de católicos, de virtude duvidosa, à custa de pesados emolumentos.
O seu negócio é a morte que explora em ossos ressequidos pelo tempo, caveiras, tíbias e maxilares, pedaços de pele e extremidades de membros, numa orgia de horror e delírio.
É assim que a tradição, o medo e a morte continuam a encher os cofres do último Estado totalitário da Europa, que governa pelo medo e se mantém pela chantagem.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.