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Funeral de Estado

A reportagem do Expresso sobre o funeral do ilustre cidadão Dr. Nunes de Almeida, presidente do Tribunal Constitucional (TC) e, nessa condição, a quarta figura do Estado, levanta muitas dúvidas e alguma perplexidade:

– Em primeiro lugar, ser considerado pelo Presidente da República o local apropriado para um funeral de Estado, a que o defunto tinha direito, um templo católico e, no caso, a Basílica da Estrela;

– O facto de a referida basílica ser propriedade da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), donde se pode concluir que o Estado, para prestar as honras devidas, não tem casa própria;

– A possibilidade de ser dificultada ou impedida a realização de cerimónias maçónicas para cumprimento do desejo manifestamente expresso pelo defunto;

– Poder o Patriarca impedir o elogio póstumo, a fazer pelo vice-presidente do TC, como solicitado pela família, inclusive na área da capela mortuária;

– A proibição do enterro católico, como retaliação da cerimónia maçónica.

Em meu entender, a proibição do enterro católico não podia ser o efeito da retaliação do Patriarca pela cerimónia maçónica, mas um acto de respeito por quem, seguramente, se não revia na religião proprietária do templo.

O cidadão Nunes de Almeida não foi poupado à leitura de uma passagem do Evangelho pelo padre Melícias, de quem era amigo, nem a um «pai-nosso», mas livrou-se da missa, de que não era frequentador, e da «encomendação da alma».

Pela minha parte não se livra do respeito e consideração que lhe devoto pelo que a democracia e a jurisprudência constitucional ficam a dever-lhe. Preocupa-me, todavia, a promiscuidade entre o Estado e a ICAR trinta anos depois de Abril. A República não encontra o tom certo para um país laico.