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Espanha – 32.º aniversário desta monarquia

Há tradições do Tribunal do Santo Ofício que servem ainda de catarse popular aos ódios e ressentimentos. Acabaram as cremações de corpos exumados por ódio e raiva pia, mas permanecem, à semelhança da queima em efígie, as labaredas de fotos de quem se detesta.

As bruxas, livres da Inquisição, dedicam-se ainda a espetar alfinetes em figuras de cera odiadas pelos clientes, habitualmente por amores interrompidos ou não correspondidos. Já nem as autoridades as perseguem por burla, quanto mais queimá-las por malefícios. Os clientes trazem os conselhos e deixam as poupanças com a foto do/a amante infiel ou a peça de roupa de quem lhes fez mal.

No mundo urbano as práticas são mais sofisticadas e limitam-se à queima de bandeiras e de fotos dos líderes que se detestam. A bandeira dos EUA é o alvo preferido e o mais consensual, da Europa à Ásia, com especial entusiasmo no Médio Oriente. Quanto aos líderes mundiais, Bush destaca-se e esforça-se por merecê-lo. Mas não é costume haver multas para este tipo de catarse.

Em Espanha, porém, as multas que um juiz aplicou aos responsáveis pela publicação de uma caricatura dos Príncipes das Astúrias foram o início de uma perniciosa perseguição judicial que culminou com elevadas multas aos pirómanos de fotos reais e trouxe para a discussão pública o regime.

Juan Carlos, que hoje comemora o 32.º aniversário de reinado, é um democrata com provas dadas. Poucos têm tão honrados pergaminhos em prol da democracia, mas os acontecimentos dos últimos dias são de molde a que a discussão sobre a legitimidade monárquica suba de tom.

A escolha pelo mais sinistro ditador peninsular, o restabelecimento de uma monarquia caída nas urnas e a excessiva exposição mediática do rei, debilitaram a monarquia. A Espanha começa a esquecer o papel decisivo de Juan Carlos na transição pacífica de uma das mais atrozes ditaduras da Europa para uma das mais prósperas democracias.