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O Natal de um ateu

Por

ONOFRE VARELA

Tenho sentido haver curiosidade, por parte de quem é religioso, em saber como é o Natal de um ateu. É uma curiosidade motivada pela ideia generalizada de que a sociedade está dividida emsegmentos. Há o segmento religioso, o segmento político e o segmento futebolístico… e pensa-se que em cada segmento as pessoas que os constituem funcionarão de modo diverso das outras…

Para satisfazer os curiosos vou, aqui, dizer tudo. Então, é assim: 

Como se sabe, religiosamente, sou ateu. Politicamente sou de Esquerda, e futebolisticamente… sou contra! Não gosto de futebol. Nunca joguei a bola nem entrei num campo de jogos, e não sigo campeonatos, nem pelos jornais, nem pela rádio ou televisão. 

O futebol que nos servem não é Desporto: é indústria alienante. É um coio que alimenta interesses económicos e financeiros, e quem permite que um jogador de futebol ganhe mais do que umoperário especializado, devia estar preso. 

Ronaldo ganha num mês (enquanto jogador, não como industrial de hotelaria) mais do que um operário português ganha em toda a sua vida de 50 anos de trabalho! Isto é pornográfico, é vergonhoso e devia constituir crime! 

Quanto ao Natal… é uma festa religiosa das sociedades cristãs. Cada cidadão é o resultado do meio social em que cresce, embora também seja dotado (felizmente) de um raciocínio próprio e único. A história política e religiosa do país que o acolhe, faz os alicerces da sua educação. 

Por isso eu sou ateu de origem cristã (se tivesse nascido no Afeganistão e continuasse ateu, sê-lo-ia de um modo diferente por ser islâmico… ou, se calhar, já teria sido executado!…).

Ninguém foge à sua História e às suas origens. O Natal e a Páscoa são festas religiosas do meio em que me insiro. Para mim a Páscoa nunca teve significado especial. No meu meio familiar sempre foi um Domingo como qualquer outro.

Já o Natal é a Festa da Família. É um dia em que se reúnem os familiares mais chegados, habitualmente separados por motivos profissionais, num jantar comunitário (designado por Consoada, palavra derivada do latim Consolata que quer dizer “refeição partilhada”) onde se sacrifica um bacalhau salgado, já sacrificado no Mar do Norte, regado com azeite de Trás-os-Montes e acompanhado de um bom vinho. Há sobremesas doces da época e distribuição de prendas por todos, especialmente pelas crianças. Findo o serão vou dormir até tarde, porque no dia seguinte é feriado e não tenho que levar a neta à escola.

Portanto, retirando o presépio, mais as missas e as orações dos Católicos (que nem todos as cumprem), o Natal de um ateu é igual ao Natal de um religioso!…

As datas religiosas da Igreja Católica, como Páscoa e Natal, têm a ver com a vida de Jesus Cristo enquanto ícone deífico dos cristãos… (não como personagem da História), e são ligadas à Natureza, aos Equinócios da Primavera e do Inverno. A vertente histórica de Jesus, faz parte de um outro livro, que não dos contos dos Evangelhos que são, apenas, registos de fé.

Toda a vida dos Seres Humanos é baseada, em primeiro lugar, na Natureza, e depois na sociedade e no seu folclore próprio e sazonal, que pode ser laico ou religioso, mas que é, sempre, folclore inerente a cada grupo social, que a Antropologia, a Etnologia e a Sociologia, estudam e explicam.

(Texto a inserir na edição especial de Natal de 2018, do jornal regional Gazeta de Paços de Ferreira)