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  • 29 de Setembro, 2014
  • Por Carlos Esperança
  • Vaticano

A indústria dos milagres não entra em crise

Não me revejo no entusiasmo místico com que os cruzados degolavam infiéis, na euforia com que a Inquisição incinerava bruxas, ímpios e judeus, no dever cristão de delatar pais, irmãos ou filhos, suspeitos de heresia, nem a saltitar de gozo com a combustão de livros.

Não aprendi a gozar jejuns, a deliciar-me com cilícios ou a extasiar-me com a castidade. Sou um caso falhado para a vida eterna e um problema para o qual a democracia e os hábitos atuais não têm solução.

Não discuto o valor nutritivo da eucaristia, o interesse terapêutico da missa, a qualidade da confissão, como detergente, nem o valor da oração para adquirir um lugar no Paraíso.

Duvido, sim, da influência das novenas na pluviosidade, da capacidade de santa Bárbara a amainar trovoadas, da autonomia de voo da Virgem Maria para poisar nas azinheiras de Fátima, dos anjos de duas, quatro e seis asas e de toda a fauna celeste cuja existência embevece os crentes.

Abomino o hábito de vergastar pessoas para agradar a Maomé, de decepar membros para cumprir o Corão, de lapidar mulheres para punir o adultério, de decapitar infiéis para satisfazer Alá e os suicidas obcecados por virgens e rios de mel.

Troco Moisés por Voltaire, Cristo por Pasteur e Maomé por Rousseau. À fé prefiro a dúvida e aos milagres a verdade. Desprezo Deus e a sua vontade e substituo qualquer encíclica por um livro de Saramago.

E não sei o que dizer da onda de beatificações e canonizações com que o papa Francisco continua a produção industrial da santidade.

Anteontem foi a vez de ser beatificado o sucessor do santo franquista Josemaria Escrivà. Álvaro del Portillo foi elevado a beato depois de lhe ter sido adjudicado um milagre.