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DN – Suplemento Q – LER (2) – FIM

Suplemento Q_o convidado. DN – 10_06_2013

Convidado como presidente da Associação Ateísta Portuguesa, deixo aqui as respostas que dei:

LER

«Porque não sou cristão» – Neste livro, Bertrand Russel, insigne matemático, filósofo e escritor, galardoado com  o prémio Nobel da Literatura, prestou um enorme contributo à causa do ateísmo. O seu ateísmo, que não era militante, impediu-lhe a docência numa Universidade americana, tal a sanha que o ateísmo despertava, e ainda desperta.

No fundo invocou dois argumentos para justificar o título e o conteúdo do livro. Um argumento intelectual, que o impedia de acreditar em afirmações que não pudessem ser comprovadas; e outro, de natureza moral, que o impelia a ter valores civilizados e humanistas completamente inexistentes na época em que Deus foi criado.

De facto, hoje, quando a pena de morte é um símbolo de atraso civilizacional, é com espanto que vemos o Deus que os homens criaram a exigir tal sacrifício, por vezes por razões tão fúteis como a apostasia e a blasfémia. B. Russel foi um verdadeiro pedagogo.

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Antigo Testamento – É uma obra cuja leitura é recomendada pela Associação Ateísta Portuguesa (AAP). Estando na origem dos três monoteísmos ninguém ficará indiferente ao potencial de violência que contém. São particularmente significativos o Levítico e o Deuteronómio cujos horrores ultrapassam os preconizados pelos três outros livros que integram o Pentateuco.

Não foi por acaso que a Igreja católica proibiu a leitura da bíblia durante muitos séculos. Desde as contradições que encerra, até à fragilidade das afirmações científicas, há matéria suficiente para desconfiar de um Deus, se o houvesse, que fosse tão violento e reduzisse a criação humana a um mero trabalho de olaria. Mas o que mais perturba, mesmo quem tem convicções firmes sobra a natureza humana do AT, é o seu carácter misógino, que está na origem de séculos de sofrimento por metade da Humanidade –as mulheres. Veja-se, aliás, que a libertação da mulher foi conseguida, onde foi, no último século e sempre contra a vontade das religiões que a reduzem à menoridade, com especial violência no Islão.

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Deus não é grande – Christopher Hitchens procura demonstrar através deste livro como a religião envenena tudo. Foi um ateísta militante que deu uma notável conferência, uma das últimas, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa.  Este notável jornalista, escritor e crítico literário dedicou uma parte importante da sua vida a combater as religiões.

Talvez nenhum outro ateu tenha sido tão inflamado na defesa do ateísmo, uma opção filosófica que, contrariamente ao cristianismo e islamismo, não costuma ser prosélita.

A sua inteligência e sagacidade fez do livro «Deus Não É Grande» («God Is Not Great», no original), um libelo implacável contra a influência deletéria das religiões. Era temido pela rapidez do raciocínio e argúcia argumentativa.

Este livro é, para os ateus, uma referência que estimula o estudo das religiões. Hitchens, baseado nos textos ditos sagrados, documenta à saciedade como Deus é um reflexo do nosso medo da morte e desmascara, de forma inexorável, os dogmas responsáveis pela violenta repressão sexual e pelos caminhos ínvios que a humanidade, refém desses dogmas, percorreu.

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O Conde de Abranhos – Eça de Queirós é um notável retratista. No Conde de Abranhos, mais do que a ironia, é o sarcasmo que domina a imagem impiedosa de uma figura do Constitucionalismo. Misto de biografia e de romance, Eça escreve a história privada de Alípio Abranhos e a sua ascensão social, num delírio de humor e escárnio com que cria uma figura de que todos os regimes, todos os países e todas as épocas têm um avatar.

A descrição do Conde de Abranhos, cuja origem se perde numa genealogia suspeita, entre relações adúlteras e a roda de crianças abandonadas de um convento, é uma sátira ao oportunismo de um medíocre bacharel em direito que passa por deputado e chega ao ministério.

Este exercício de humor corrosivo ficou como imagem de marca do grande romancista. A biografia deste político constitucionalista, pela pena do seu secretário e dedicado biógrafo, Z. Zagalo, é uma das mais demolidoras críticas com que Eça de Queirós criou mais um personagem da sua imensa galeria de retratados.