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  • 21 de Dezembro, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • Ateísmo

O Diário Ateísta e a tolerância_1

Alguns leitores não reparam nesta advertência: «Todos os textos aqui publicados são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da AAP.».

Estranho seria a unanimidade de pontos de vista entre os colaboradores habituais, com percursos de vida distintos, variadas origens e diferentes marcas do passado.

O Diário Ateísta (DA) não pode, em nome da harmonia universal, defender a utilidade das religiões, a bondade dos seus valores ou a verdade dos seus livros. Quem começa por comover-se com o martírio de Deus acaba por acreditar nas mentiras da sua religião. Quem crê nos livros sagrados acaba por abdicar do livre-pensamento.

As religiões combatem o que julgam ser os nossos erros, nós combatemos o que  pensamos serem as suas mentiras. Não vem daí mal ao mundo. O pluralismo é fonte de progresso e o caldo de cultura onde florescem as democracias. Não há mal em que haja crentes, o perigo reside nos que não se conformam com os crentes de outras religiões ou com os que desprezam Deus e a fauna celeste, se riem das profecias ou se alheiam dos castigos com que os padres assustam os fiéis.

Para lá das regras mínimas de urbanidade que é útil cultivar em sociedade, não devo condicionar a liberdade de expressão na denúncia dos erros, contradições e mentiras que exornam a bíblia. Dizer que o Deus de Abraão não merece crédito, que a sua crueldade indigna, que o seu pensamento se situa entre a indigência intelectual e a crueldade assassina, não revela radicalismo, denota civilização. Só há, aliás, uma desculpa para os bárbaros «ensinamentos» do Antigo Testamento – a crueldade do tempo em que o seu deus foi criado.

A tolerância não dimana da submissão à mentira, é apanágio de quem entende que o erro não exige castigo, a superstição não carece de cadeia e a oração não merece coimas. Há quem goste de ver gente de joelhos e prostrada no chão em subserviência beata. Desprezo esse deus e condoo-me com os seus crentes. Denuncio o despautério, antipatizo com a estética e sofro com as vítimas da fé.

O DA não se propõe divulgar orações, defender dogmas ou promover os mandamentos da Igreja; não reconhece valor terapêutico aos sacramentos nem acredita que a água benta seja melhor que a outra; tem fundadas dúvidas de que o pão e o vinho se tornem corpo e sangue de Jesus no momento da consagração na Missa; vê a confissão como uma arma política ao serviço do clero, a absolvição como placebo e a comunhão como ritual inútil e bizarro.

Mas há um aspecto em que os ateus são intransigentes: não se conformam com a violência dos livros sagrados e, muito menos, com os castigos que infligem aos infelizes que vivem em países onde as suas determinações são lei. Deus pode sentir um requinte sádico em mandar alguém para o inferno, em assistir à excisão de um clitóris, à lapidação de uma mulher, à amputação de membros, ao assassínio de sodomitas, à tortura de infiéis e a outras barbaridades, perante o ar bovino ou exultante dos seus fiéis.

Um ateu condena toda a crueldade inútil e tem a certeza de que vale mais a felicidade de um só homem do que o prazer de qualquer deus.