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Treta da semana: papal disparatismo.

Joseph Ratzinger está de visita ao Reino Unido, como parte do seu plano de lutar contra o ateísmo e fazer gastar rios de dinheiro por onde passa. Esta visita já vai em mais de vinte milhões de libras, doze milhões dos quais cobrados à população maioritariamente protestante. Que, naturalmente, protestou (1,2).

Criticando o que chama de “secularismo agressivo”, o Papa recordou aos britânicos a sua luta corajosa «contra uma tirania Nazi que queria erradicar Deus da sociedade»(3). Isto porque, de outra forma, os britânicos só se recordariam dos bombardeamentos e das invasões, esquecendo que o maior perigo da segunda grande guerra foi o ateísmo. E foi pura sorte Hitler não ter sido um ateu agressivo como os de hoje. Senão, em vez de uma década de perseguição aos judeus e cinco anos de guerra mundial poderia ter escrito meia dúzia de livros sobre religião e ateísmo. O impacto nos cofres da Igreja Católica e no rating de audiências das missas teria sido terrível.

Ratzinger esqueceu, no entanto, a base cristã do nacional socialismo. Do Judeu e suas Mentiras, de Martinho Lutero, foi uma inspiração importante para a Kristallnacht, que o bispo protestante Martin Sasse, laudatório, salientou ter calhado no aniversário de Lutero (4). E Ratzinger omitiu também o apoio da Igreja Católica a Hitler (5), neste caso talvez mais por modéstia que por esquecimento. O lema da Wehrmacht era “Deus connosco”. E das duas vezes que Hitler usou “ateísmo” no Mein Kampf foi para acusar disso os partidos judeus e os marxistas. Como o exército alemão marchava com Deus e Hitler queria exterminar aqueles que considerava ateus, Razinger interpreta o nazismo como querendo eliminar Deus. Para um leigo isto pode parecer imbecil, mas temos de nos lembrar que a hermenêutica católica se rege pelo mistério da fé. Ou seja, pela máxima do “leio o que me dá jeito e que se lixe o que lá está escrito”.

Além das incorrecções históricas, a ligação entre o ateísmo e o nazismo é falaciosa. Mesmo que Hitler tivesse sido ateu, coisa que estava longe de ser, não se podia inferir daí que o problema do nazismo era o ateísmo. Afinal, Hitler também comia pão, ia à casa de banho e tinha bigode. Nem tudo o que ele fazia era terrível. E a violência e o totalitarismo nazi estão muito mais próximo das religiões que do secularismo moderno. Os ateus “agressivos” põem anúncios nos autocarros. Os religiosos agressivos põem bombas. Os ateus debatem, argumentam em público e acolhem o contraditório. Até porque, como diz o povo, pela boca morre o peixe, e quanto mais os religiosos explicam a fé mais da sua careca se vê. Em contraste, os religiosos passam a maior parte do tempo a fazer-se de ofendidos e a queixar-se que as críticas são intolerância.

A Igreja Católica, em particular, tem traços salientes de totalitarismo. Os cidadãos seculares são homens e mulheres que se dividem por vários quadrantes políticos mas que defendem consensualmente a democracia. A Igreja Católica é uma organização autoritária na qual alguns homens (sempre homens) mandam no resto. O movimento secular defende que o Estado e a sociedade deixem a cada pessoa as suas crenças, opiniões e sexualidade. A Igreja Católica quer imiscuir-se na vida privada e ditar normas de conduta sexual, casamento, divórcio e educação religiosa. Esta intromissão do poder público na vida privada é uma característica fundamental do totalitarismo.

E isto reflecte-se nos actos. A Igreja Católica opõe a distribuição de preservativos em África não só por considerar o seu uso imoral mas porque alega que o acesso aos preservativos aumenta a promiscuidade. O que é falso. É preciso ser muito ingénuo – ou desonesto – para defender que a falta de preservativos vai tornar celibatários milhões de africanos. Mas, pior que falso, é profundamente imoral. A Igreja Católica quer impedir o uso de preservativos para que a ameaça da SIDA obrigue milhões de africanos a alterar os seus hábitos sexuais. É uma sacanice digna do Hitler, e que os ateus unanimemente condenam.

Não quero dizer que o catolicismo seja igual ao nazismo. Apesar dos paralelos nas relações históricas com os judeus e no desprezo pela democracia e liberdade de consciência, não vou cometer o mesmo disparate do Papa. Mesmo que Hitler esteja mais distante de Dawkins que de Ratzinger, o nazismo foi muito mais terrível e violento do que é o catolicismo moderno.

Mas num aspecto a Igreja Católica ganha ao nacional socialismo. Hitler queria fundar um reich de mil anos. A Igreja Católica já vai quase no dobro, à conta da repressão, dos abusos de poder, e de aldrabices como esta.

1- CNN, Anger awaits pope on landmark UK visit.
2- BBC, Protesters march against Pope visit, via Portal Ateu.
3- BBC, Row after Pope’s remarks on atheism and Nazis
4- Wikipedia, Nazism
5- Por exemplo, o Ricado Alves publicou aqui um cartaz de 1933 apelando ao voto católico em Hitler, no referendo de 12 de Novembro. E aqui há uma fotografia da época ilustrando a forte oposição católica ao nazismo.

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