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D. Nuno e D. Guilhermina

Ontem D. Nuno foi posto a render ao serviço do obscurantismo e da superstição. Não se referiram as leis da época, as lealdades a que os cavaleiros medievais se obrigavam, as circunstâncias políticas das batalhas nem, por lapso, foi referido que do lado de Castela também se ajoelhavam os cavaleiros, como era hábito.

Se houvesse exigência de rigor em alguma afirmação, alguém devia ter explicado como se tornou D. Nuno o homem mais rico do reino e como exigiu a fortuna. Mas isso são coisas alheias à santidade e à cura do olho da D. Guilhermina.

Só do lado de D.Nuno se genuflectiram os cavalos, é certo, a fazer fé num opúsculo do Sr. Duarte Pio, especialista em cavalos devotos e tolices avulsas, não se percebendo o esquecimento dos cavalos com o precedente de S. Guinefort, o cão injustamente morto pelo dono e feito santo. Os historiadores ignoraram o espectáculo e deixaram ajoelhar consolados os escuteiros, bispos e beatos que foram agradecer a cura do olho esquerdo de D. Guilhermina, órgão que devia ser protegido com grades, não vá um especulador de relíquias arrancar-lho em vida.

O Patriarca Policarpo acusou o Estado de conviver mal com a Igreja, sem compreender a separação e a laicidade a que o estado é obrigado. O Sr. Duarte Pio, com vocação para a asneira, considerou que a canonização «tem mais importância para Portugal do que os «prémios Nobel».

Cavaco Silva, presidente dos portugueses católicos, mais ilustrado em santidade do que em letras, apesar de catedrático em literatura pela Universidade de Goa, afirmou que “será motivo de orgulho e de alegria para todos os que amam o nosso país e a sua história”, certificando de uma só vez o milagre de D. Nuno no olho da D. Guilhermina e os patriotas.

Eu, que me envergonho de muitos factos da nossa história, sobretudo das perseguições aos judeus, torturas da inquisição, esclavagismo, evangelizações, guerra colonial e ditaduras, amo a pátria sem precisar do certificado deste presidente que confunde a sua fé pessoal na cura do olho esquerdo de D. Guilhermina, queimado com salpicos de óleo fervente de fritar peixe, por intercessão de D. Nuno, com as funções que desempenha, que o impedem de certificar milagres e de abdicar da ética republicana a que as funções o obrigam.