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Desonestidade teísta. Opinião de um leitor

Por

Adão Cruz

Li o artigo do Sr. Bispo Carlos Azevedo no Correio da Manhã. intitulado “Desonestidade ateísta”. Como subscrevo aquilo que foi dito pela AAP sobre o beato Nuno, resolvi responder ao Sr. Bispo, não para contestar o candidato a santo, nem as razões da igreja, a qual pode criar os santos que quiser. Penso que o que revolta a AAP não é a canonização mas a afronta feita aos cidadãos política e intelectualmente honestos, que não admitem que se comprometa, desta forma servil e com laivos de escândalo num Estado de Direito, a laicidade desse mesmo Estado, sobretudo através do seu mais alto representante. O Sr. Presidente da República e os outros membros da comitiva, não têm o direito de praticar actos do foro das suas crenças religiosas, a expensas do Estado e dos cidadãos portugueses. Nada mais Sr. Bispo. O resto que o Sr. Bispo refere é especulação e desonestidade teísta.
Gostaria de contestar, isso sim, algumas das considerações do Sr. Bispo. Em primeiro lugar, o Sr. Bispo chama à AAP um pequeno grupo quase residual na sociedade portuguesa. É uma consideração duplamente redutora. Na verdade é um pequeno grupo de ateus, até agora pequeno mas é o que é em pleno direito. Um pequeno grupo que pretende ter voz dentro do ateísmo, e isso não é demérito, antes pelo contrário. Se o Sr. Bispo não sofre de desonestidade teísta, tem de concordar que mais de metade da humanidade é ateia. Dentro desses muitos milhões de ateus, haverá muita gente de grande honestidade intelectual, de grandes capacidades e conhecimentos, gente muito humana e solidária, cumpridora de todos aqueles preceitos a que chamam cristãos, sem que para isso tenham necessidade de deuses.

Diz o Sr. Bispo que respeita e considera como sério o ateísmo. Não acredito que seja verdade, porque ao dizê-lo, parece-me haver alguma desonestidade teísta. Como é possível o Sr. Bispo dizer tal coisa, quando a vossa igreja, através de um dos seus doutos sacerdotes, clama bem alto que o ateísmo é o maior drama da humanidade? Será sensato dizer que se respeita e se tem consideração pela fome, pela injustiça, pela guerra e pelo obscurantismo, esses sim, os verdadeiros dramas da humanidade?

Classifica o Sr. Bispo as considerações da AAP de posições extravagantes, fazendo parte de uma campanha anticatólica. Se não houver desonestidade teísta da parte do Sr. Bispo, concordará certamente, porque disso tem muitas provas, que os ateus e a AAP sempre fizeram questão de afirmar que respeitam a fé e as crenças das pessoas no que quer que seja. Sobre isto não pode haver a mais pequena dúvida. Contudo, isto não impede que um ateu como qualquer outra pessoa, religiosa ou não religiosa, como cidadão e ser pensante, tenha a sua forma de entender as coisas e os fenómenos, e o manifeste da maneira que melhor entender. Por exemplo, e temos todo o direito de o dizer, nós consideramos com grande convicção que a ciência e o conhecimento são, de uma maneira geral, antagonistas da fé e das crenças, e a ignorância o seu principal agonista. Contestável este pensamento? Permitam que façamos os debates necessários, onde quer que seja.

Quanto à campanha anticatólica, também não me parece que haja aqui, da parte do Sr. Bispo, grande honestidade teísta, pois o Sr. Bispo sabe bem que a AAP e os ateus em geral, nunca por nunca mostraram nem estão interessados em combater as posições e as opções de cada um em termos religiosos, políticos ou outros. Seria absurdo. O mesmo não significa, que o ateu ou não ateu, um qualquer cidadão, deixe de tomar posição e de ter consciência do papel que a igreja católica terrena, como fenómeno social, tem tido através dos tempos. E aqui é que a porca torce o rabo. Aqui é que a igreja, sofismaticamente, pretende confundir a justa crítica ao seu comportamento, com anticatolicismos e coisas do género. Aqui sim, há da parte da igreja grande desonestidade teísta. As considerações que se seguem, são pessoais, reflectem a minha visão das coisas e não posso colá-las a quem quer que seja.

Há hoje em dia, na literatura, uma profusão de livros, de testemunhos, e um conhecimento profundo sobre o que é e foi a igreja católica e o seu alto comando, o Vaticano. Longe de mim pretender ensinar alguma coisa ao Sr. Bispo. Não vou recomendar-lhe Richard Dawkins, deve estar farto de o ler. Nem penso que seja útil, porque a maioria do clero tem os seus padrões neurais tão blindados por dogmas e preconceitos, que não permitem a abertura suficiente para a entrada de argumentos deste teor. Mas há muitos mais livros, documentos e testemunhos, que só por desonestidade teísta se podem considerar mentirosos ou pouco sérios. Aliás, se o fossem, já a igreja, com todo o seu poderio económico e todo o seu poder de influência, tinha posto os autores atrás das grades. Lembro apenas um, de leitura muito fácil, bem compreensível e transparente, que vendeu cerca de seis milhões de exemplares: “EM NOME DE DEUS” de David Yallop. Seria insensato acreditar que o Sr. Bispo, ou quem quer que seja, pusesse em causa o que lá vem, aliás relatado, por outras formas e estilos, em muitos outros livros, nomeadamente do FBI. E o que lá vem é absolutamente vergonhoso, escandaloso, tenebroso e devastador para a igreja católica. De facto, o que ali é relatado, não deixa qualquer dúvida de que à igreja católica pouco interessa a salvação das almas. A igreja está tão interessada na salvação das almas como eu estou interessado em ser papa. A fé não passa do rótulo da garrafa, o conteúdo é bem diferente. Ali se demonstra que a igreja apenas está interessada na desenfreada especulação económico-financeira, na brutal criação de riqueza terrena e na conquista do poder, esteja ele onde estiver, ainda que para tal haja necessidade de crimes e assassinatos como o que vitimou o Papa João Paulo I. Percebe-se que a história é fértil e está repleta de exemplos escandalosos. Por isso o Vaticano vem sempre acusado de ter profundas ligações ao submundo da máfia, do crime organizado, da CIA e da altíssima corrupção a nível económico e político. Relatam os livros que alguns dos maiores crimes e algumas das maiores fraudes económicas e financeiras de todos os tempos, italianas e não só, tiveram o Vaticano pelo meio. Só é cego quem quer. É por estas e por outras que aqueles que procuram ter os olhos abertos, concordam perfeitamente que a igreja é a maior fábrica de ateus.

Sr. Bispo Carlos Azevedo, pare um pouco para pensar. Não lance para o ar, de ânimo leve, este tipo de questões. Acredite que há muita gente honesta, séria, e cheia de dignidade, que não pensa como o Sr. Bispo. Respeite essa gente a que chama de extravagante e intelectualmente desonesta. Que a igreja tenha a honestidade de não confundir a crítica ao seu criminoso passado e ao seu mais que duvidoso presente, com ateísmos, radicalismos, anticatolicismos e anticlericalismos. Que tenha a humildade de reconhecer que traiu da forma mais vil e grotesca a doutrina de Cristo, que procure inverter o seu perverso e malfadado percurso e retome o caminho da pobreza e da justiça, os seus alicerces naturais. Muito provavelmente, até os ateus, sem dela precisarem, a respeitarão.

Adão Cruz