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8 de Dezembro

«O ódio e a cólera dominavam os corações dos sucessores dos apóstolos. Repelia-se com horror a ideia de conciliação, da mais pequena concessão. Pensava-se que era necessário fortificar a ortodoxia, concentrando todas as forças, disciplinando e centralizando; empedernir a Igreja, para a tornar inabalável. Era a opinião absolutista, representante do Papado
Antero de Quental, Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos, discurso proferido em 27 de Maio de 1871, durante a 1.ª sessão das Conferências Democráticas ou Conferências do Casino.

O feriado de hoje, o dia da imaculada conceição, que celebra o dogma da Imaculada Concepção proclamado infalivelmente por Pio IX numa bula publicada em 1854, reflecte o que este excerto de Antero de Quental tão bem retrata.

Um pouco de História, num dia em que a meteorologia não convida ao passeio, ajuda a situar as declarações do pensador português, nomeadamente no que concerne à origem do feriado que reflecte a opinião absolutista de Pio IX, como diz o Carlos um «santíssimo patife – mesmo para um papa católico». De facto, o anti-semita Pio IX – o fazedor de um dos santos mais representativos da Igreja de Roma: o primeiro inquisidor mor de Aragão, Pedro Arbues de Epilae, apenas ultrapassado no zelo com que perseguiu judeus e na «eficácia» das suas tácticas por Torquemada – não é um exemplo recomendável, por muito que João Paulo II tentasse lavar a História ao beatificá-lo em 3 de Setembro de 2000.

O Vaticano, para a maioria das pessoas equivalente à Igreja Católica Apostólica Romana, vulgo ICAR, na realidade é herdeiro de uma instituição política déspota que governou com mão de ferro os Estados Papais, Estados Pontifícios ou Estados da Igreja.

Menos de seis séculos após se terem outorgado os únicos representantes do seu mitológico fundador na Terra, os únicos com autoridade para interpretar os seus «legados» e distribuirem magnanimamente a «salvação», os Papas tornaram-se os líderes políticos de facto de Roma e das regiões circundantes.

Esse governo de facto foi formalizado pelo rei franco Pepino, o breve, pai de Carlos Magno, que entregou ao Papa Estêvão II, por volta de 756, o domínio temporal de uma extensa região, compreendendo toda a Itália central.

Não satisfeito com o poder temporal oferecido por Pepino, Estêvão II produziu a falsificação mais famosa da História, a doação de Constantino, «Constitutum domni Constantini imperatoris», um documento falsificado pela própria Cúria Romana. Esta falsificação grosseira pretendia que o imperador Constantino teria cedido ao Papa Silvestre I, para si e para os seus sucessores, a possessão de todo o Império Romano e lhe outorgava os poderes imperiais do próprio Constantino.

Confirmada como uma falsificação grosseira em 1440 por Lorenzo Valla, a Doação de Constantino pretendia assim ser uma carta de Constantino dirigida ao papa Silvestre I em 30 de Março de 315, na qual lhe o Imperador lhe concedia autoridade sobre todo o Império Romano, doando-lhe o palácio de Latrão, as insígnias, vestes e os poderes imperiais romanos, não só sobre a Itália como sobre todas as demais províncias do Império. Declarava ainda a pia falsificação que o bispo de Roma era o «Vigário de Cristo» a quem concedia o estatuto de Imperador. As vestes e insígnias imperiais foram supostamente emprestadas a Constantino, que as vestia com permissão eclesiástica.

Pepino não foi no conto do Vigário e as ambições papais de domínio absoluto do anterior Império Romano ficaram restritas aos vastos estados italianos que, com alguns incidentes de percurso, se mantiveram sob domínio papal até 1870.

Ou seja, Pio IX – ou Pio No No como era conhecido pela sua oposição a tudo e mais umas botas, especialmente pela sua oposição ululante à democracia, um «princípio absurdo» e «ultrajante traição», à «loucura e erro» da liberdade de opinião e de consciência e demais direitos humanos e, claro, à laicidade -, foi o último déspota temporal por direito divino em solo italiano. Recordo ainda ter sido Pio No No, em total discordância com a própria doutrina da Igreja, que declarou ser o aborto um pecado imperdoável.

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(continua)