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Scientia ancilla Theologiae

«Geralmente, mesmo alguém que não é cristão conhece algo sobre a Terra, […] e esse conhecimento é tido como sendo proveniente de razão e experiência. Agora, é um perigo e uma desgraça um infiel escutar um cristão, presumivelmente citando a Escritura Sagrada, falar absurdos nesses assuntos; e nós devemos usar todos os meios para prevenir uma situação tão embaraçosa, na qual pessoas demonstram a vasta ignorância de um cristão e riem até ao escárnio»Agostinho de Hipona, De Genesi ad litteram, libri duodecim

O rídiculo em que os cristãos incorrem ao tentarem explicar o mundo com base nas «revelações divinas» é reconhecido desde os primórdios do cristianismo. Na realidade, mesmo há 1600 anos os dislates «revelados» eram reconhecidos como tal: dislates reveladores da profunda ignorância dos seus humanos escritores.

Como avisa Agostinho, as «opiniões tolas» dos cristãos sobre factos negados «através de experiência e à luz da razão» tornam impossível «acreditar nesses livros no que se refere à ressurreição dos mortos, de esperança e vida eterna e do reino do paraíso».

No entanto, o conselho de Agostinho raramente foi seguido pela hierarquia da Igreja que sustentou e sustenta o mito da inerrância e suficiência do seu livro supostamente revelado, isto é, que a Bíblia, o Dei Verbum, é isenta de erros em tudo o que afirma e contém toda a informação necessária para a vida do crente.

Não obstante Agostinho ser um dos mais importantes ideólogos do cristianismo e as suas elucubrações, nomeadamente sobre livre arbítrio, a origem do mal, pecado original e sexo, serem parte integrante da doutrina da Igreja, a única reflexão decente saída da pena fácil e erudita de Agostinho foi e continua a ser ignorada pela Igreja que persiste em debitar «opiniões tolas» sobre os mais diversos temas!

Na mui mediatizada palestra de Regensburg, Bento XVI deu o mote para a actuação da Igreja nos próximos tempos, que passa por uma guerra sem tréguas à modernidade e à ciência. Guerra à «irracional» ciência até esta reconhecer ser a teologia a mais nobre das disciplinas à qual as restantes se devem submeter, isto é, até se recuperar a máxima medieval que dá título do post, «A Ciência, escrava da Teologia».

Um dignitário cá do burgo, o bispo de Vila Real, Joaquim Gonçalves, que já no passado se tinha distinguido pela sua capacidade de debitar inanidades sobre ciência, resolveu evidenciar «a vasta ignorância» cristã sobre ciência ao arrogar-se a criticar a ciência e o desenvolvimento científico na Europa, «surdos» a Deus, isto é, aos dislates emanados do Vaticano.

Na mesma linha do Papa, que pretende recuperar o integrismo católico, objectivo para o qual é indispensável um retrocesso civilizacional ao pré-Iluminismo, Joaquim Gonçalves afirmou que «a ciência ensina a técnica de fazer as coisas e a sabedoria é a arte de as usar segundo a vontade de Deus». Isto é, para o dignitário, sábio não é quem sabe mas quem acredita em contos de fadas e demais impossibilidades lógicas. E, especialmente, segue à letra os ditames do Vaticano, a única autoridade habilitada para interpretar e debitar a vontade do mito.

Recusar seguir as imbecilidades debitadas pelo Vaticano corresponde a «Saber coisas sem as saber usar» que para o ultramontano dignitário «é o princípio da desgraça».

Logo a única lucubração agostiniana que considero acertada é igualmente a única que a Igreja que o elegeu como teólogo modelo não segue! E lá continuamos nós a ouvir «opiniões tolas» de cristãos sortidos!