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Objecção de consciência

A intolerância, que mais uma vez recordo ser apenas a atitude de não admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente da adoptada por si mesmo, é indissociável das religiões e dos crentes que seguem estritamente o preconizado por essas religiões.

A nossa sociedade, assente na tolerância e no pluralismo, isto é, no respeito dos direitos humanos que incluem o direito à diferença, é assim intrinsecamente incompatível com o fundamentalismo religioso.

De todos os cantos do mundo nos chegam exemplos da intolerância religiosa, que nos deveriam fazer reflectir e despertar da complacência em relação às religiões, todas elas, e perceber que a única forma de combater o perigo que o fundamentalismo religioso constitui é a defesa intransigente da laicidade. Não temos qualquer legitimidade para condenar os excessos dos fundamentalistas de uma religião se assobiamos para o lado em relação aos excessos dos representantes de outras.

Todos, e não apenas os islâmicos, têm de perceber que no nosso modelo de sociedade não são admitidas manifestações públicas da intolerância das religiões respectivas. O nosso modelo de sociedade assenta no respeito pelo outro não no respeito pelas ideias do outro. Aliás, foi e é construído no debate livre de ideias. A imposição aos outros dos anacrónicos, discriminadores e, em muitos casos, criminosos preconceitos religiosos é anátema para esse modelo de sociedade!

Um exemplo de intolerância religiosa que deveria ser firmamente combatida ocorreu recentemente em França, em que uma adolescente foi apedrejada por colegas no recreio da escola Jean Mermoz em Lyon por ter violado o jejum do Ramadão. Quase tão sintomático como o apedrejamento foi a reacção de Azzedine Gaci, presidente do CRCM (Regional Council for the Muslim Religion) que deplorou a reacção dos alunos, que considerou devida à sua ignorância do Corão – e aproveitou para lançar a farpa de que este deveria ser ensinado na escola.

A deplorada ignorância do Corão não se refere ao facto de este livro «sagrado» pregar a tolerância. Na realidade, todos os livros ditos «sagrados» pregam a observação estrita dos seus anacronismos, isto é, pregam a intolerância de quem não os siga. A ignorância do Corão lamentada refere-se ao facto de que este prevê que as mulheres «que não se sentirem bem», um eufemismo para a menstruação, estão dispensadas do cumprimento do jejum.

Outro exemplo de intolerância islâmica contra a qual medidas firmes deveriam ser imediatemente tomadas está a surgir um pouco por todo o globo e tem a ver com o facto de que os motoristas de táxi muçulmanos se recusam a transportar os infiéis que violam as leis islâmicas. Nomeadamente invisuais acompanhados por «sujos» cães guia ou passageiros que transportem álcool, mesmo em garrafas seladas.

Este exemplo levanta uma questão delicada: se é certo que não podemos tolerar este tipo de comportamento dos motoristas de táxi, especialmente em relação aos invisuais que dependem do transporte público na sua vida profissional e pessoal, em que é que este difere da chamada «objecção de consciência» permitida aos profissionais de saúde cristãos em relação à saúde reprodutiva?

«Objecção» dita de consciência que reflecte apenas preconceitos religiosos e que não se restringe ao aborto terapêutico ou em caso de violação, as condições previstas na limitada lei que temos. Manifesta-se em muitos ginecologistas que se recusam a prescrever ou aconselhar o DIU (na realidade dão informações erradas sobre o dispositivo); manifesta-se na mutilação desnecessária de mulheres no caso de gravidez ectópica, manifesta-se no «sermão» que acompanha a venda da pílula do dia seguinte (que em muitas farmácias nacionais, dirigidas por farmacêuticos católicos, nem sequer é disponibilizada, assim como não é disponibilizado o DIU), manifesta-se na objecção à fertilização medicamente assistida, etc..

Os motoristas de táxi que se recusam a transportar invisuais acompanhados por cães guia também «desejam exercer a sua profissão à luz dos princípios evangélicos» da religião respectiva e reger o trabalho pelo seu equivalente da «luz do valor de Cristo e do Evangelho» . Porque razão devemos penalizá-los por aquilo a que os católicos cá no burgo chamam coerência ou fidelidade à fé respectiva (e na Austrália pelo menos foram retiradas cerca de 200 carteiras profissionais a estes motoristas «coerentes com a fé»), assim como a Testemunhas de Jeová que desejem ser profissionais de saúde, e não devemos penalizar médicos e farmacêuticos católicos que se recusam a cumprir a lei vigente nos países respectivos?

Ninguém deve transportar para o espaço público os preconceitos e aberrações das respectivas religiões. O que fazem na esfera privada, desde que no cumprimento das leis vigentes nos países em que se encontrem, é uma questão de consciência individual. Mas a consciência colectiva das nossas sociedades tem necessariamente de ser completamente dissociada da religião. E especialmente o Direito não só não pode reflectir essas aberrações como deve penalizar de forma inequívoca as manifestações públicas da intolerância concomitante.

O direito à liberdade religiosa não pode ser confundido com o direito à intolerância religiosa. E esse é o ponto fulcral que precisamos urgentemente que os crentes em qualquer religião, não apenas a islâmica, entendam!

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