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Bento XVI e a palestra de Regensburg III

Os posts anteriores sobre a polémica palestra de Raztinger só abordaram três parágrafos em que este fala do Islão. Três parágrafos que, mais uma vez, comprovaram o oposto do que pretendem os dignitários e dirigentes islâmicos, como o porta-voz do Governo iraquiano, Ali Al Dabagh, que afirma mostrar o discurso de Ratzinger que este «não entende bem as doutrinas do Islão, que defendem a tolerância e a paz» . Na realidade, é insustentável afirmar que o Islão é uma religião de tolerância e paz no mesmo discurso em que se apela para que cesse a violência contra cristãos, represália «pacífica» às palavras de Bento XVI!

As reacções da comunidade islâmica, mais uma vez negando que o Islão é uma religião de tolerância e paz – que subiram de tom, apesar das declarações do papa, a tal ponto que a segurança no Vaticano foi reforçada – e a solidariedade que Ratzinger nos merece por mais esta confirmação da barbaridade do fundamentalismo islâmico, nomeadamente a ameaça de ataque ao Vaticano e a Roma pelo grupo armado iraquiano, Jaiech al-Moudjahidine, e pela al Qaeda, não podem, no entanto, fazer esquecer o ataque à laicidade, que ocupou a maior parte do tempo da dita palestra. Ataque resumido no seguinte excerto:

«No Ocidente predomina a opinião de que só o positivismo e as filosofias derivadas dele são universais. As culturas profundamente religiosas vêem nessa exclusão de Deus um ataque a suas convicções mais íntimas. Uma razão que, diante do Divino, se torna surda e rejeita a religião, é incapaz de se integrar ao diálogo das culturas».

Assim, o discurso explora os medos da actualidade europeia e passa a mensagem que a laicidade e a prevalência da razão em relação à fé deixa a Europa incapaz de responder à ameaça islâmica, ameaça bem evidente nesta resposta completamente acéfala da comunidade islâmica.

Resposta à ameaça islâmica que reside simplesmente em mostrar que o cristianismo é melhor que o islamismo. A incapacidade de resistir a um Islão, que segundo o Without Roots: The West, Relativism, Christianity, Islam declarou e conduz uma guerra ao Ocidente, é ditada pela abominável laicidade que impede os europeus de assumirem e afirmarem a superioridade do cristianismo!

Ou seja, este discurso foi apenas um mui hábil ataque à secularização e especialmente à ciência ateia – a razão que se ocupa apenas do mundo natural e para a qual a hipótese de consideração de qualquer factor «sobrenatural» é desnecessária e absurda – que o Papa considera ser a causa da secularização da Europa.

Ou seja ainda, o Papa pretende falaciosamente que são a secularização da Europa e a prevalência do pensamento científico as causas últimas do terrorismo islâmico, já que os muçulmanos teriam «mais respeito» pelos ocidentais se estes últimos deixassem a «fé» permear todos os aspectos da respectiva vida pública, nomeadamente do Direito, ou seja, se o Ocidente emulasse, noutro sistema operativo, o cristianismo flavour catolicismo, a promiscuidade religião-Estado dos países islâmicos.

Aliás a mesma posição do arcebispo de York, que num discurso recente exortou os cristãos britânicos a encararem os muçulmanos como aliados na guerra contra o secularismo, afirmando que os muçulmanos não se sentiam «ofendidos» pelo cristianismo mas sim por um estado secular, por uma «sociedade humanista sem Deus».

Afirmando ainda que:

«A violência dos que cometem actos de terror é alimentada não pelo choque de civilizações ou religiões mas sim pela falta de religião e pelo insulto a Deus que a descrença ocidental representa». Em linha com Ratzinger no ataque à ciência e à predominância da razão em relação à fé nas sociedades ocidentais o dignitário anglicano afirmou ainda que «O conhecimento por amor ao conhecimento tornou-se um poder de destruição».

Que tal não é verdade foi confirmado recentemente por uma sondagem da Gallup, realizada em 10 países muçulmanos – Marrocos, Egipto, Líbano, Jordânia, Turquia, Arábia Saudita, Irão, Paquistão, Bangladesh e Indonesia. E é igualmente confirmado se pensarmos que os Estados Unidos sob a administração Bush deixam de facto o cristianismo permear todos os aspectos da vida pública e no entanto não me parece que o respeito do mundo muçulmano em relação aos EUA tenha aumentado nos últimos tempos. Assim como não me parece respeito pelo Papa as recentes ameças de morte por parte de alguns fanáticos islâmicos ou a sua designação como «o macaco do Vaticano».

Na realidade, a única forma de ultrapassar a actual crise é a defesa intransigente da laicidade e dos direitos humanos! Não é o retorno à cristandade, a supremacia da religião sobre todos os aspectos da vida, isto é, ao fundamentalismo cristão, como pretende Ratzinger – que decretou a falência dos valores de tolerância e respeito pelos direitos do homem, que considera os responsáveis pela crise actual ! Combater o fundamentalismo islâmico com o fundamentalismo cristão não é opção se quisermos preservar a nossa sociedade democrática e livre!

O fundamentalismo islâmico é obviamente uma ameaça que urge combater mais eficazmente do que tem sido até agora e que não deve ser minimizada ou desculpada, e não é de forma alguma essa a minha intenção, bem pelo contrário, mas combatê-lo com o fundamentalismo cristão é receita certa para o desastre!