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A saga afegã

Ahmed Shah Massoud, o leão de Panjshir, assassinado em 9 de Setembro de 2001.

Há pouco mais de uma semana assisti a um programa do Canal de História, Afeganistão, O Legado Da Guerra, retratando ao longo de mais de uma década os horrores de uma guerra que massacra os afegãos há quasi três vezes esse tempo. Um guerra que começou política e, depois da saída da União Soviética do país em 1989, que continuou numa guerra religiosa entre os fanáticos wahabitas conhecidos como Talibans e a coligação de mujahidin comandados por Ahmed Shah Massoud, que figurou proeminentemente no documentário. Guerra religiosa cujas verdadeiras proporções são bem expressas neste relatório sobre (e apenas este) o massacre de Mazar-I Sharif.

E guerra religiosa dirigida especialmente às mulheres que, sob o regime Taliban que perdurou até 2001, se tornaram verdadeiras reféns nas suas próprias casas, proíbidas de estudar, trabalhar, sair sem companhia de um familiar masculino, destituidas dos mais elementares direitos e de qualquer vestígio de dignidade.

Desde a queda dos Talibans em finais de 2001, que a posição cultural, política e social das mulheres afegãs tem vindo a normalizar, isto é a voltar à situação anterior às fanáticas lapidações religiosas. Pelo menos no papel, já que a recém adoptada Constituição afirma a igualdade de direitos de homens e mulheres. Na prática, os talibans continuam a ter um peso pernicioso na sociedade afegã e os seus métodos não se alteraram pela paz relativa dos últimos anos, ou seja, continuam a considerar-se divinamente justificados para impor as suas aberrantes «verdades absolutas» sobre as mulheres. Assassinando ou ameaçando de morte aquelas que, como Shaima Rezayee ou Malalai Joya, se atrevem a desafiar as regras impostas pelos talibans.

Desta vez o regime de terror dos fundamentalistas tenta minar a penosa reconstrução de um país em guerra ininterrupta há quasi 30 anos, assassinando professores de escolas em que são aceites raparigas como alunas.

Um dos últimos ataques ilustra os extremos que o fanatismo (diria mais, demência) religiosa pode atingir. Malim Abdul Habib, o director de uma destas escolas, que, infâmia das infâmias, se atrevia, apesar dos «avisos», a ensinar raparigas, foi arrastado do interior para o pátio de sua casa em Qalat, a capital da província de Zabul, na passada noite de terça-feira. Aí, perante os olhos da sua família, forçada pelos fanáticos a assistir, foi decapitado pelos defensores da pureza da fé wahabita.

O documentário a que assisti e os testemunhos recolhidos pelo jornalista do Guardian indicam que a esmagadora maioria da população não só quer ver as suas filhas educadas como gostaria de se ver livre dos talibans. Mas as tácticas de terror destes parecem estar a resultar. Nabi Khushal, o director de educação em Zabul, afirmou à Associated Press que já fecharam por motivos de segurança 100 das 170 escolas da província e que apenas 8% dos alunos são raparigas.