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O Papa entrou de baixa

Ninguém, bem formado, se regozija com o mal alheio. A dor, o sofrimento e a morte podem ser um alimento da fé mas magoam as pessoas de bem. O ódio é um sentimento medíocre, que o proselitismo acirra, consequência da vocação totalitária que devora as religiões. Um ateu respeita o sofrimento, já um crente é capaz de provocá-lo para agradar ao seu Deus.

O internamento hospitalar do actual Papa católico é consequência do estado de saúde débil que há anos o acompanha, da avançada idade e do esforço despendido para alargar o poder e influência da ICAR. Há muito que a sua decrepitude é exibida e explorada pela Cúria romana para comover os incautos e promover a droga venenosa da fé católica.

É obscena a exploração do sofrimento como instrumento do marketing religioso. A exibição pública de um homem diminuído, com tremores e a babar-se, não é um acto de respeito pelo Papa, é um truque para inspirar compaixão, uma manobra para favorecer a imagem da ICAR que promove as chagas de Cristo há dois mil anos.

Agora aproveita-se a hospitalização de JP2 para promover maratonas de oração e manifestações de subserviência ao Vaticano. Chefes de Estado democraticamente eleitos dirigem-se ansiosos a saber novas da saúde do teocrata vitalício. É a hipocrisia na sua máxima apoteose, a insensibilidade perante os problemas do mundo postergados pela doença de um papa moribundo.

A doença que o aflige não faz dele uma pessoa de bem, um democrata ou um filantropo. JP2 tem sido um entrave ao controlo demográfico que ameaça a sobrevivência do planeta, um travão no combate à SIDA, um adversário da pesquisa de medicamentos a partir de células estaminais. No seu proselitismo exacerbado, tem sido um factor de perturbação em vários pontos do globo. Foi um dos principais responsáveis pela tragédia do desmembramento da ex-Jugoslávia, com a obsessão da Croácia católica; na América latina é um feroz adversário da evolução jurídica e social que contrarie os seus preconceitos; foi feroz a perseguir teólogos de esquerda e cruel para com as freiras violadas no Kosovo a quem obrigou a dar os filhos para a adopção ou a serem expulsas dos conventos.

A intromissão abusiva nos assuntos internos de países democráticos é um traço do seu autoritarismo, da violência no exercício do poder e da demência prosélita que o acompanha. JP2 é implacável como homem, intolerante como Papa e manhoso como apóstolo a infiltrar-se nos países de hegemonia religiosa concorrente.

A doença do Papa não absolve os numerosos crimes por que a história o julgará.