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Mês: Novembro 2004

18 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

Presos e doentes, copiai

O projecto «A Bíblia Manuscrita», organizado pela Sociedade Bíblica Portuguesa e já comentado no Diário Ateísta, continua a estender os seus tentáculos a todas as instituições do país. Depois de se terem instalado nas escolas, depois de terem tido o Presidente da República, o presidente do Tribunal Constitucional e o Primeiro Ministro a copiarem versículos da Bíblia, a SBP levará um «scriptorium» móvel ao Hosptial de Sta Marta, em Lisboa, «com o objectivo de que alguns dos muitos que querem e não podem deslocar-se a um dos 22 scriptoria abertos em todo o país, inscrevam a sua caligrafia nesta obra inédita e memorável», lê-se na Agência Ecclesia.

De acordo com o coordenador, Alfredo Abreu, esta será «uma acção simbólica e representativa destes locais de dor e esperança, em que doentes, médicos, enfermeiros e restante pessoal hospitalar terão uma das raras ocasiões em que se juntam num mesmo projecto». Claro que ninguém se lembra, primeiro, de que os hospitais públicos, como qualquer entidade pública, está sujeita ao princípio da laicidade e da não-discriminação e, segundo, que nem todos os doentes são católicos e, assim, não devem ser obrigados a suportar acções de propaganda religiosa.

Mas não são apenas os doentes hospitalizados a receberem a visita copista, o que me recorda de algumas iniciativas evangelizadoras em estabelecimentos prisionais norte-americanos. Sexta-feira, as detidas, guardas e outro pessoal do estabelecimento prisional de Tires terão a oportunidade de manuscreverem passagens da Bíblia. Não bastava estarem presas…

18 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

Promiscuidade estadual

Depois de o senhor Presidente da República e do presidente do Tribunal Constitucional, o senhor Primeiro Ministro do XVI Governo Constitucional, Pedro Santana Lopes, irá ser o último copista da «Bíblia Manuscrita» – projecto comentado pelo Carlos, pelo André e por mim, no início do mês.

Creio que tal notícia não espanta ninguém dada a promiscuidade aberta que se vive entre algumas instâncias públicas e a Igreja Católica – especialmente desde o governo anterior – , numa clara violação da Constituição e de um corolário do princípio fundamental do Estado de Direito Democrático: o princípio da laicidade.

É revoltante.

Tenho dito.

17 de Novembro, 2004 Ricardo Alves

«Deus» como utensílio

O Timóteo decidiu «responder aos ateus» num texto em que anuncia, de entrada, ir explicar-nos porque acredita em «Deus».

Infelizmente, passa os primeiros dois terços do texto a desconversar, dizendo-nos que «o mais importante é o amor», como se o cristianismo fosse alguma crença da «Nova Era», celebrada com florzinhas e canções à guitarra, e baseada em crenças vagas nalguma «energia cósmica». Como sabemos, nenhuma das variantes cristãs, mesmo as mais pós-modernistas, se baseia no «amor». O cristianismo funda-se, que eu saiba, na crença de que viveu há cerca de dois mil anos, no Médio Oriente, um indivíduo («Cristo») que teria morrido e «ressuscitado», violando assim a segunda lei da Termodinâmica (género uma lâmpada fundida voltar a funcionar)…

Mas voltemos ao Timóteo. No último terço do texto, tira do bolso o seu grande argumento para a existência de «Deus»: uma «moral laica» será sempre uma «moral» sem «fundamento transcendente» (correcto) e portanto uma «noção fraca de moral» (errado) porque fundada na sua «utilidade social». Logo, decide que «Deus» tem de existir porque sem «Ele» não haverá «moral absoluta». Ou seja, o argumento de Timóteo para a existência de «Deus» é puramente utilitário… Timóteo só acredita em «Deus» porque necessita dele para fundar uma moral absoluta que propicie o «amor». «Deus» é, para ele, um utensílio.

Quanto à questão (interessante) de saber em que se deve fundar a ética, penso que o problema passa por assumirmos: (1) que não devemos fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem; (2) que devemos abstermo-nos de fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem mas que sabemos que os outros podem não desejar que lhes façam; (3) e que devemos fazer aos outros o que sabemos que querem que lhes façamos (excepto se entrar em contradição com (1)). Claro que estes fundamentos partem da premissa da liberdade individual de a eles aderir. Mas o Timóteo quererá impôr-me uma moral que parte da premissa de ser divina e é portanto autoritária?

17 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Dois santos a caminho de Portugal

A comunicação social e a agência de caserna da ICAR, em Portugal – Ecclesia – anunciaram que JP2 abençoou o processo de canonização dos pastorinhos.

Ontem, de manhã, o padre Luís Kondor, vice-postulador para a canonização dos defuntos pastorinhos, membros recentes do sindicato dos milagres, encontrou-se com o Papa JP2 e concelebraram(*) a santa missa sob a experiente orientação papal.

Depois da celebração eucarística, o padre Kondor, que anda nestes negócios há muitos anos, aproveitou para informar o Papa de que iria fazer a entrega do processo e pediu-lhe a bênção «para que tudo corra bem». JP2 abençoou a documentação e até ofereceu um rosário de madrepérola ao padre Kondor, prova de que a marosca estava combinada.

A partir de agora, com o processo a cheirar a incenso, o cardeal Saraiva Martins, sócio no negócio das canonizações, vai facilitar a abertura do processo. Aliás, o padre Luís Kondor já se deixou descair, em entrevista ao Centro de Comunicação Social do Santuário, de que tudo está combinado com o cardeal Saraiva Martins para que a Congregação para a Causa dos Santos, repartição que dirige, abra o processo já hoje, dia 17.

A pressa na canonização dos pastorinhos deve-se ao perigo de que o actual Papa se apague e não se saber se o próximo continuará a usar os milagres e as canonizações como instrumento do marketing da ICAR.

(*) (concelebrar a missa = celebrar a meias; fazer uma vaquinha).

16 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Fundamentalismos católicos: Rocco Buttiglione forma lobby

Depois da sua rejeição para o cargo de Comissário, Rocco Buttiglione tenta uma forma alternativa para impor na Europa os designados «valores cristãos», isto é, os preconceitos e a discriminação resultantes dos dogmas da dita religião.

Inspirando-se no exemplo americano formou um grupo de pressão (ou lobby) com o objectivo de forçar os anacrónicos ditames da Igreja de Roma no que designa por instituições totalitárias, nomeadamente o Parlamento Europeu.

Será que esta gente nunca mais aprende que nada de bom alguma vez resultou da mistura religião e política? Não há fundamentalismos bons e fundamentalismos maus… Espero fervorosamente que o objectivo de Buttiglione esteja votado ao insucesso e que a resposta ao fundamentalismo islâmico não seja mais do mesmo!

E que, contrariamente ao que acontece no Parlamento português, não se torne prática corrente em Estrasburgo a reunião em gabinetes fechados para aulas de catequese pelo movimento Comunhão e Libertação

15 de Novembro, 2004 André Esteves

Fait-divers dos Últimos Dias

É nos fait-divers que encontramos, sem mistificações, a dimensão da tragicomédia que é a condição humana.

Aparição da virgem em torrada de queijo. Está à venda no E-Bay

Vende-se em leilão uma torrada com queijo, meio queimada onde a imagem de Nossa Senhora apareceu. Valor base de licitação: 10 dólares. Uma revelação divina na doce intimidade do lar. A torrada ainda apresenta algumas dentadas, que foram realizadas, antes do milagre se tornar evidente. Embalado em vácuo para durar muitos anos.

Olhando para torrada fico com dúvidas… A virgem? Parece-me mais a cara da Marilyn Monroe, ou uma figura de capa de um filme erótico. Saudemos positivamente o sentido comercial do dono da torrada milagrosa. A capacidade de iniciativa dos americanos nunca me deixa de surpreender, bem como a sua forte ligação a Deus. Quando começa a produção industrial?

O item à venda…

Casal acusado de tentativa de sacrifício de filho

Um casal com os seus três filhos chega a uma igreja. Pede para marcar uma cerimónia. Têm muita pressa: É urgente. Olhe que não é assim tão fácil reservar a igreja… Temos a lista ocupada. Não, não.. Aceitamos qualquer hora, desde que seja hoje. Pode ser às 4 horas? Sim! E para que é? Um baptismo? Não. Queríamos sacrificar o nosso segundo filho. E às três e meia é possível?

Os funcionários da igreja chamaram a polícia. Pais presos e apresentados a tribunal. Crianças entregues aos serviços sociais.

Isto é o que acontece quando anda demasiada gente a ler o velho testamento.

Isto não acontecia, se houvesse mais gente a seguir a vontade da Sociedade Bíblica e só a ler alguns evangelhos…

P.S. – Esta notícia acabou por aparecer nos telejornais de algumas televisões portuguesas.

A notícia

Bruxa romena usará os seus poderes para ser eleita deputada

A bruxa Timisoara, de Craiova, corre para o senado romeno, como candidata do partido Aliança para a União dos Ciganos Romenos. Diz-se aliviada por saber que nenhum dos seus adversários tem poderes mágicos. – Eles nem sabem o que os vai atingir! Esperem pelos primeiros debates!! – afirmou numa entrevista. A bruxa, além de afirmar que utilizaria os seus poderes e feitiços especiais obtidos com o seu cachimbo sagrado de madeira de cerejeira e a sua ampulheta de 100 anos, para ganhar as eleições, pediu a ajuda de todas as bruxas da Roménia para ser eleita.

Num país onde até as eleições municipais são frequentemente obtidas por bênçãos papais a certos candidatos, é refrescante ver esta nova velha maneira de viver a democracia!

Só espero que as urnas não fiquem permanentemente com mau olhado.

A notícia

Pai egípcio que matou as sete filhas alega que as matou para o bem delas

O pai muçulmano que matou as sete filhas, num acto de loucura por não ter filhos machos, apresentou a sua defesa, na passada semana, perante o tribunal. Segundo ele, foi um acto de misericórdia, para protegê-las de um mundo cruel. Quando questionado sobre as suas hipóteses de escapar à pena de morte, afirmou: – Muito boas!

Noutras notícias: Todos os homens muçulmanos adoptaram o sobrenome de «mundo cruel».

A Notícia

Porrada à porta de igreja alemã, por causa de espirradeira

A Polícia alemã teve que ser chamada a uma igreja, em Berlim, por causa de uma altercação entre duas crentes. Durante o serviço, uma delas, constipada, não conseguia parar de espirrar. A sua vizinha de banco pediu-lhe sucessivamente para se controlar. Mesmo constipada, a crente pôs-se de pé e levantou a saia, expondo o seu rabo à observação da sua irmã em Cristo. Uma discussão entre as crentes, seguida de pancadaria, decorreu depois do culto às portas do templo.

Não sabemos ainda se as causas da discussão estariam relacionadas com alguma discussão teológica sobre o pecado dos espirros ou o carácter sagrado das nádegas e do uso profano por parte de uma das crentes.

A Notícia

Igreja Ortodoxa grega começa campanha pública para angariar noivas para os seus padres.

Os tempos não perdoam. E hoje, no terrível consumismo que permeia a vida de todos os dias, perderam-se as mulheres que no passado estariam interessadas em se casar com um padre ortodoxo grego. Infelizmente, a necessidade de santidade dos seus potenciais esposos, bem como um estilo de vida demasiado sóbrio não atraem as raparigas gregas modernas. Assim, a Igreja Ortodoxa Grega resolveu tratar do assunto, tendo resolvido assumir o papel de agência matrimonial.

Em todas as paróquias gregas começaram cursos para mulheres de padre. Não fomos informados se as pupilas receberão no final do dito curso, algum diploma para o mundo do trabalho.

A Notícia

Santo Arafat nas alturas, sua imagem cá na terra.

Ainda o corpo de Arafat arrefecia a caminho da faixa de Gaza, já nas lojas italianas de ídolos, um novo santo surgia.

Arafat parece ter encontrado o seu lugar entre santos e anjos, talvez para satisfazer a procura de alguns italianos cripto-esquerdistas saudosos. Os tempos que correm não são saudáveis para os não-crentes em Itália. Convém adoptar o comportamento dos cristãos-novos.

Director obriga dois alunos apanhados a beijar raparigas a chicoteá-lo como «castigo»

Do Alasca chega-nos a notícia, de um director escolar que foi expulso da escola cristã que dirigia por, segundo as palavras da comissão gestora, «praticar uma forma de cristianismo radical». Tudo começou quando o director apanhou dois rapazes aos beijos com as raparigas no recreio. Pensando no castigo que lhes deveria dar, chegou á decisão que deveria usar o mesmo que tinha utilizado para conseguir que o seu filho deixasse de mentir: pediu aos dois rapazes que o espancassem com o seu próprio cinto. Longe de qualquer masoquismo, o director demonstrou uma forte intuição psicológica, usando um castigo invertido para envergonhar psicologicamente os seus alunos.

Temos esperança que seja isto que estará na moda, chamar de amor cristão, nos próximos meses.

A Notícia

Rainha abençoa o baptismo de cavalos

Na sequência de um baptismo de um cavalo em Port Elizabeth, África do Sul, chega-nos a notícia de que o baptismo do puro-sangue «Reverendo Corredor» chegou aos ouvidos da Rainha de Inglaterra. Tanto apreciou a notícia que escreveu à pequena igreja onde o baptismo se realizou, para manifestar o seu agrado e concordância com o acto. Espera-se que nas corridas reais de Ascott, a agua benta se junte às anfetaminas como «melhoradores de performance» dos cavalos de corrida.

A Notícia

Congressista moralista faz campanha para mudar nome de estrada

A Interstate 69 é uma das estradas mais famosas dos EUA. Começada a ser construída no período do «New Deal» tornou-se uma referência para todos os americanos que emigram para a costa oeste à procura de realizar o sonho americano. É claro, além disso, uma fonte inesgotável de piadas e comentários jocosos dada a associação da sua referência numérica a uma famosa posição sexual.

Um jovem congressista republicano, de um dos estados onde a via passa, começou uma campanha para mudar o nome à via. Diz que é a coisa «moral» a fazer. Aparentemente, está farto dos jovens adolescentes americanos que sempre que o vêem, estão pouco se lixando para as suas posições pessoais e políticas e lhe pedem, durante as campanhas eleitorais, os pins que carrega com a sigla da estrada. Não há nada como os bons e velhos valores americanos.

A Notícia

Pastor reformado mata mulher à facada e suicida-se, atirando-se a um lago

O pastor Robert Bettis recém-reformado aparentemente suicidou-se, tendo-se atirado de uma ponte. O seu carro com documentos pessoais foi encontrado parado, no meio da ponte. Nas aguas adjacentes ao carro, boiava um casaco seu.

Robert Bettis tinha anteriormente assassinado a sua esposa a golpes de faca. O casal estava casado há 50 anos, tendo-se Bettis reformado do ministério no mês passado de Março da Igreja protestante da Assembleia de Deus da cidade de Vitória. O que terá acontecido? Ninguém consegue saber.

Demasiados anos a representar «o amor de Cristo» para o mundo cá fora, tornaram impossível obter qualquer pista sobre a vida íntima do casal. Talvez o crime perfeito.

A Notícia

15 de Novembro, 2004 lkrippahl

Porque sou ateu

Para muitos na sociedade em que vivemos é uma questão de escolha pessoal se havemos de acreditar neste ou naquele deus, não acreditar em deuses, ou nem sequer decidir sobre o assunto. O ateísmo, o agnosticismo, e a fé são vistos como algo que cada um decide. Em parte isto está correcto, mas também está errado.

Um aspecto deste problema é objectivo: existe ou não existe algum deus? Sendo objectivo, não é uma questão de escolha. Eu não escolho se faz chuva ou sol, ou se a gravidade me puxa para a Terra. As coisas são como são. Parte do meu ateísmo é a conclusão que não há deuses, ou pelo menos que não há Deus como o costumam definir: omnipotente, omnipresente, criador do universo, entre outros atributos.

Esta conclusão deriva apenas da forma como o Universo se apresenta, e não da minha escolha pessoal. Não há fenómeno algum para o qual um deus seja a melhor explicação, e muitas observações contrariam a hipótese. Quantas crianças pisariam minas se houvesse um deus omnipresente e benévolo que lhes pudesse dizer para brincar noutro sitio?

Mas há outro aspecto da crença no divino. Deus também pode ser uma fonte de valores morais, um exemplo a seguir, uma ideia para nos orientar, e isto independentemente da sua existência objectiva. No que toca aos nossos valores, temos que escolher. Mas a minha escolha é que os meus valores são meus, e não são função do que outro ser possa ditar, por muito poderoso que seja.

Se um deus disser que a contracepção é pecado, eu discordo. Se um deus me mandar ir à missa todos os Domingos, eu recuso, porque acho que tenho esse direito. Se um deus ditar que quem não acreditar nisto ou naquilo será condenado ao sofrimento eterno, eu protesto, porque acho que ninguém deve sofrer pelas suas crenças. Não escolho os meus valores pelo que alguém poderoso me diz, mas pelo que dita a minha consciência.

Objectivamente o meu ateísmo não é escolha minha. As coisas são o que são, e tudo indica que não há deuses de verdade. E subjectivamente não escolho os meus valores ao sabor do que me dizem. As coisas que para mim parecem justas ou injustas continuam a parecê-lo mesmo que alguém todo poderoso dite o oposto. Em suma, sou ateu não porque escolhi ser ateu, mas porque escolhi aceitar a realidade como ela é, e assumir eu próprio a responsabilidade pelos meus valores.

15 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Sobressaltos na Índia

A prisão de um líder religioso hindu, Jayendra Saraswathi, acusado de ter assassinado um antigo contabilista do templo que dirige, está a causar grandes distúrbios no sul da Índia. O religioso, reverado pelos seguidores, é uma das principais figuras de um secto Hindu da comunidade Brahmin e lidera o Kanchi Shankara Mutt, no templo Hindu em Kanchipuram, no estado Tamil Nadu.

O grupo Hindu Vishwa Hindu Parishad (VHP), que afirma ser a prisão de Saraswathi um «ataque grave à comunidade hindu», planeia uma demonstração para hoje na cidade de Chennai.

«É necessário precaução contra exortações apressadas por indíviduos e organizações que apresentam a prisão do líder religioso de Kanchi como uma conspiração diabólica contra o hinduismo», lê-se no jornal The Indian Express.

14 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Crimes em nome de Deus

As religiões, ao longo da História, destruíram impérios, desenharam fronteiras e aniquilaram povos. A fé arruinou nações, impediu a liberdade e esmagou a felicidade dos povos. Deus foi sempre pretexto para destruir os inimigos e cometer os mais hediondos crimes, com o alibi de satisfazer a sua vontade.

Deus está, de facto, para azar dos homens, em toda a parte. O deus mais verdadeiro é aquele que está em maioria, tem por si as armas e tem o fanatismo a seu favor. Sempre que deus está em alta, a liberdade entra em queda; quando os homens adoram o seu deus, odeiam o deus dos outros. Os crentes imploram os seus favores com o mesmo fervor com que acalentam o ódio ao deus alheio.

É por isso que a democracia fenece onde a religião floresce, a liberdade mingua onde a fé prolifera e o progresso estiola onde a piedade medra.

Não há democracia onde a religião domina o aparelho de Estado. Os direitos do homem não são respeitados onde o poder temporal e o religioso se confundem. Foi na base da separação de poderes e, sobretudo, na separação da Igreja e do Estado, que os modernos Estados de direito se construíram. Foi o laicismo que permitiu o pluralismo ideológico, opondo uma barreira de protecção à vocação totalitária das religiões.

E, quando parecia que o Estado laico se transformava em paradigma das nações civilizadas, quando a sociedade multicultural se convertia num modelo de convivência cívica, quando os preconceitos étnicos e culturais pareciam derrotados pela instrução, inteligência e sensibilidade dos povos civilizados, eis que os demónios totalitários acordam ao som das orações e se revigoram com jejuns, pregações e liturgias.

A Holanda, a doce Holanda, era o exemplo de convivência cívica entre etnias diversas e diferentes culturas, um oásis de tolerância entre distintas opções políticas e religiões divergentes. Há um ano ficou em choque, quando Pim Fortuyn, um político da direita populista foi assassinado. Agora, o assassínio do cineasta Theo Van Gogh, após a denúncia que fez da forma como o Islão trata as mulheres, associado aos requintes de crueldade com que o fanático religioso o tratou, tornaram periclitante a manutenção da sociedade multicultural holandesa.

Incendeiam-se os templos e a opinião pública. O racismo e a xenofobia crescem. A extrema direita, que vive da aversão e da intolerância, vê a possibilidade de manipular paixões, instilar o medo e acicatar o ódio. A hostilidade aos estrangeiros começou. A fé das pessoas cultas e civilizadas nas sociedades multiculturais vacila. O fascismo islâmico rejubila com a intolerância de que é alvo. As religiões precisam de mártires. Os deuses querem sacrifícios. Os templos convertem-se em quartéis onde se faz a recruta para a guerra santa. Os homens entram em desvario ao serviço da esquizofrenia divina. A religião tem de ser contida. Os Direitos do Homem têm de ser defendidos. A igualdade entre os sexos tem de ser reafirmada. A democracia tem de ser salva. Há que erguer um dique à fé que corrompe, intimida e mata.

Apostila – A ICAR, em Espanha, abriu as hostilidades ao Governo. O ensino laico, o aborto, o divórcio, a eutanásia, o financiamento do clero e a investigação em células estaminais, puseram a santa corja em luta aberta contra o Governo democrático. São os mesmos que apoiaram Franco e fizeram campanha por Aznar. São os mesmos que querem canonizar os «reis católicos». São a eterna lepra que corrói a democracia ao serviço de Deus.