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A azia do bispo Marcelino

D. António Baltasar Marcelino, bispo de Aveiro, suspeito de ser progressista, boato que lhe valeu a animosidade dos crentes mais reaccionários e influentes da diocese da Guarda, que o vetaram quando da sua alegada indigitação, vem revelando nas páginas do Primeiro de Janeiro um proselitismo incompatível com a sociedade plural que só a separação da Igreja e do Estado garantem.

No artigo de 3 de Outubro, sob o título «Afinal, Estado Laico significa portas abertas ao laicismo?», D. António, após algumas diatribes contra os parlamentares portugueses, direito que um Estado laico lhe consente – e bem -, mas que sua Ex.a Rev.ma não estimaria contra a Conferência Episcopal, manifesta uma enorme animosidade às leis que se afastam da visão clerical.

O Sr. Bispo devia lembrar-se da tragédia portuguesa, igual à de tantos países, sempre que o trono e o altar deram as mãos; ter presente o meio século de ditadura que a ICAR caucionou, com tão poucas e honrosas excepções; recordar o combate sem tréguas que moveu à lei da separação da Igreja e do Estado e à do Registo Civil Obrigatório, leis que anunciaram o dealbar da modernidade protagonizada pela República; repudiar a patética oposição ao ministro Salgado Zenha quando este legalizou o divórcio de cônjuges casados canonicamente; e, sobretudo, olhar para o exemplo actual das teocracias muçulmanas com o seu cortejo de horrores a lembrar a Idade Média onde o cristianismo fomentou as Cruzadas e a Inquisição.

É, pois, com perplexidade que vejo o bispo condecorado com a Grã Cruz da Ordem de Mérito, outorgada quando da celebração das suas bodas de prata episcopais, a indignar-se com a liberdade de imprensa que critica leis porque «não são tão laicas como deviam ser, não estão em sintonia com as leis dos países mais avançados da Europa». Quando condena as leis por serem «dissonantes da nossa cultura e tradição e, por isso mesmo, dos interesses nacionais», o Sr. Bispo esquece a tradição autoritária e repressiva da matriz católica que lhe serve de paradigma. Felizmente rompemos com a tradição, ainda que isso custe à Igreja católica e cause azedume aos seus bispos. Finalmente quando afirma que «O laicismo tem-se infiltrado nas mentalidades e traz no seu bojo o complexo do medo, que o torna, progressivamente, atrevido, agressivo e pouco racional», não estará a referir-se ao clericalismo que na véspera conseguiu uma vitória indecorosa com a aprovação da Concordata? Os privilégios deviam fazer corar de vergonha a Igreja e de remorso os deputados que a aprovaram de joelhos e mãos postas, com despudorado desprezo por ateus, agnósticos e crentes de outras religiões cujos direitos são iguais numa sociedade democrática.

Afinal as portas abertas ao laicismo deixam entrar e respirar a democracia e as portas escancaradas aos Estados confessionais transformam os cidadão em bandos de beatos e assassinos, como o exemplo dos países islâmicos tragicamente ilustra.