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Etiqueta: Ateísmo

6 de Junho, 2023 João Monteiro

Arte e Religião – 1ª parte

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa.

Há cerca de 33.000 anos, numa região a Sudoeste do que hoje se conhece por Alemanha, alguém esculpiu num pedaço de marfim de um dente de mamute, uma imagem minúscula com 2,5 cm de altura, representando um homem com cabeça de leão. 

Nada se sabe das motivações que levaram à tarefa morosa de esculpir aquela figura, o que pediu grande dose de paciência e veia artística. Mas podemos imaginar que os nossos antepassados caçadores-recolectores, quando não conseguiam caçar, morriam à fome. 

A Religião tomou conta dos nossos cérebros nesses tão recuados tempos, porque o “Homo sapiens” é um ser religioso por excelência. Só um cérebro inteligente consegue criar ideias abstractas, estimular pensamentos e chegar à ideia da Arte, do Belo e de Deus (dos deuses). 

A criação de desenhos e esculturas podiam ter servido aos nossos avós cavernícolas para representarem deuses animistas para, com eles e com “o rudimento de fé” que já possuíamos, tentarem apaziguar as tempestades, os trovões, os raios e a queda da neve… mas também para conseguirem caça suficiente para alimentar a tribo. 

A invenção dos deuses acalmou as mentes inquietas e tornou o mundo menos hostil pela consciência que adquirimos de “estarmos protegidos” pelas divindades da nossa imaginação.

No mesmo padrão de pensamento, a Arte servia para darmos corpo aos nossos sentimentos religiosos. Arte e Religião sempre caminharam juntos no nosso longo percurso, desde os primeiros “sapiens” até aos nossos dias, com especial importância na Época Clássica.

Essa comunhão de sentimentos permitiu-nos uma produção tão importante e profícua no campo da arquitectura, da escultura, da pintura, da música, da dança e da literatura heróica. 

Devemos ter em conta que quando falamos do “Homo sapiens”, é de nós próprios que estamos a falar, e não daquele ser bruto que encontramos nos manuais escolares e nas enciclopédias. Esses “seres brutos” somos nós… apenas evoluímos na técnica!

Desde que criamos a escrita evoluímos na forma de a registar. Das placas de argila passamos para o papiro, deste para o pergaminho e depois para o papel. Hoje usamos o computador. Evoluímos na técnica e no conhecimento que acumulamos e transmitimos de geração em geração… mas quanto ao estatuto de Seres Humanos, somos os mesmos “seres brutos”, animais predadores, mas também sensíveis, como éramos outrora.

Possuímos o mesmo sistema nervoso dos nossos antepassados longínquos e, tal como eles, temos sentimentos. O que hoje nos separa dos homens das cavernas, é a mais valia da fruição dos conhecimentos acumulados pelas várias gerações, que fazem a nossa cultura e o nosso saber. 

Mas não tenhamos ilusões: a evolução é muito lenta. Hoje somos os mesmos “seres brutos” como testemunham os actos daqueles que, diariamente, tiram a vida a outros semelhantes por motivos fúteis, por ganância e pelo doentio sentimento pátrio que faz a incultura dos candidatos a imperador fora do tempo dos impérios, e sem a razão dos nossos ancestrais que matavam por sobrevivência na disputa de uma peça de caça.

Mas também temos a mais valia da Arte que nos aproximou da Religião, e vice-versa… como veremos na próxima semana.

(Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV

26 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Crimes sexuais na Igreja e o celibato

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa.

Leio na imprensa (11 de Outubro de 2022) que a “Comissão Independente para o Estudo dos Abusos a Menores na Igreja” validou 424 testemunhos de abusos sexuais. O pedopsiquiatra Pedro Strecht, coordenador da Comissão, sublinhou que “o número de vítimas será muito maior”. Lembro-me de, há cerca de dois ou três anos, ouvir da boca de um representante da Igreja Católica a “justificação” de que os crimes de abuso sexual perpetrados por sacerdotes são muito inferiores aos mesmos crimes praticados em família (!?)… como que se tal afirmação fosse verdadeira e (mesmo sendo) configurasse uma desculpa para os crimes dos padres!… É uma tentativa desculpabilizadora que não fica nada bem a quem a faz, pois numa Igreja que se afirma representar um deus imensamente bondoso, todo amoroso e respeitador… um só caso de pedofilia seria estrondosamente trágico… quanto mais quatro centenas deles! Também Marcelo Rebelo de Sousa, um empedernido católico que um dia acordou presidente de uma República Laica, tem debitado demasiados discursos em favor da Igreja… o que, no rigor do seu papel (e no meu entender), deveria evitar… não o evitando, obrigou-se a um pedido de desculpas… do que não tinha necessidade.

No meu livro “O Peter Pan Não Existe – Reflexões de um Ateu” (Caminho, 2007) abordo a questão dos crimes sexuais na Igreja, considerando que o mal está “na castidade imposta aos sacerdotes”, o que se me afigura contra-natura e motivadora de atitudes sexuais criminosas. Um sacerdote (ou qualquer outra pessoa) pode ser casto e sentir-se bem recusando a prática de sexo, não se tornando num abusador sexual, quando tal recusa parte de si mesmo, da sua consciência e da sua vontade… o que não é o mesmo do que se obrigar à castidade para cumprir regras com origem fora de si, as quais lhe são impostas para poder seguir o sacerdócio, contrariando a sua realização sexual.

O celibato e o sexo eram assuntos a que a Igreja não dava importância até à Alta Idade Média. Era normal padres, bispos e papas terem filhos e várias concubinas, misturando prazer da carne com negócios e fé. Ambrósio, bispo de Milão entre os anos 373 e 397, pegando numa norma que exclui o casamento, saída do Concílio de Elvira do ano 306, lançou a discussão do celibato no seio da Igreja com a sua teoria: “O casamento é honroso, mas o celibato é-o ainda mais. Não é necessário evitar o que é bom, mas deve-se escolher o que é melhor”.

Setecentos anos depois de Ambrósio, o papa Gregório VII publicou a lei do celibato eclesial, causando bastante ira no seio da Igreja. Em consequência, milhares de sacerdotes abandonaram o sacerdócio optando pela vida conjugal que já praticavam. Foi preciso esperar mais 400 anos para que a imposição do celibato fosse aceite sem contestação visível e passasse a ser considerado uma condição normal no seio da instituição religiosa. Tratou-se de um “aceitar convencional”, apenas para contornar dificuldades… já que os sacerdotes praticavam a sua sexualidade de forma clandestina! Quando, no Concílio de Trento (realizado entre os anos 1545 e 1563) se confirmou o celibato sacerdotal, este já era encarado pacificamente… o que não quer dizer que fosse aceite.

Comparo esta atitude da Igreja com a “Lei Seca” dos EUA nas décadas de 1920 e 1930, que proibiu a fabricação e a venda de bebidas alcoólicas, promovendo um negócio clandestino por parte de vários criminosos, de entre os quais se destacou Al Capone. Esta espécie de “lei seca dos testículos sacerdotais” também conduziu ao crime, por contrariar a lei natural do uso do sexo, não só para procriar (o que é função puramente animal) mas também (e principalmente) pelo prazer que dá praticá-lo, pelo equilíbrio emocional e pela saúde mental que proporciona a quem usa o sexo de modo saudável e no respeito pela vontade da sua parceira ou do seu parceiro sexual. Quando a Igreja perceber que com as suas “fantasias fornicais” funciona contra todas as leis da Natureza e cria potenciais criminosos… a partir desse dia, o casamento será prática comum no sacerdócio católico tornando a Igreja numa instituição muito mais coerente, humana e saudável.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

19 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Evolutivamente estamos na fase do tosco…

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

A “ideia de Deus” está em processo de depuração desde que foi criada pelo povo Sumério há cerca de 5000 anos, sendo depois exportada para o Egipto faraónico e para terras judaicas de Canaã. O processo desta depuração é longo e está longe de ser concluído… mas já evoluímos… estamos no processo do “deus único”! Um deus “single” inventado pelos homens do deserto (Hebreus) em substituição de uma colecção deles, porque o povo nómada que o criou não tinha sacola para transportar tantos deuses, nem pachorra, nem terreno, para erigir tantos templos, como tinham os seus vizinhos egípcios.

No final deste nosso caminho (que faz a História do Pensamento e nos conduziu ao abandono de um panteão, apurando um único deus) dispensaremos, também, o deus Jeová (Alá) criado pelos Hebreus, reciclado por Jesus Cristo e adoptado por Maomé, que sobrou da purga que o passar do tempo, pelo evoluir do Pensamento, fez ao panteão que gregos, romanos e egípcios herdaram da civilização mesopotâmica.

O sentimento da crença é um acto intelectual que está na linha da criação da Arte e do entendimento do belo. Só um ser inteligente reconhece o belo, produz Arte e cria deuses. Deus é uma criação intelectual… e nós só cremos porque sentimos necessidade de crer!…

Foi a nossa capacidade de raciocínio, a inteligência, a sensibilidade, o intelecto e o sentido estético, que nos levou à criação da Arte, ao entendimento do belo e à invenção de deuses.

E se esta faceta criativa que caracteriza o Ser Humano, faz de nós uns seres especiais, a verdade é que, quando em discordância com os nossos semelhantes, também somos capazes de adoptar comportamentos iguais aos de um qualquer animal predador, porque a nossa origem natural, enquanto animais, é a mesma!… Embora raciocinemos e adoremos o deus que criamos à nossa imagem e semelhança, deixamos, imensas vezes, a nossa sensibilidade tormentosa comandar-nos tomando conta da razão.

E por esse caminho, se bem virmos, até ficamos em patamares inferiores relativamente aos irracionais nossos companheiros de reino, porque enquanto que eles só guerreiam por alimento, por fêmea e pelo domínio do grupo, nós fazêmo-lo pelas mesmas três razões dos irracionais que consideramos inferiores, e ainda acrescentamos a lista, deixando-nos tomar por uma irracionalidade e uma cupidez com que cozinhamos más vizinhanças e inimizades… o que demonstra o pior da nossa condição animal. 

Esta nossa faceta que nos leva a fazer guerras, parece incongruente com a capacidade que temos de raciocinar e de sermos inteligentes… mas a verdade é que somos assim… somos muito mal acabados!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

14 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Liberdades fundamentais

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.

As liberdades de acção e de expressão do pensamento, são as que, numa sociedade moderna, democrática e esclarecida, toda a gente tem. São as ferramentas fundamentais para a construção de qualquer cidadão depois de satisfeito o primeiríssimo nível das reivindicações: refeições diárias, agasalho e abrigo (conseguidas pelo trabalho que nos realiza como pessoas, o qual deve ser facultado e nunca negado. Por isso também reivindico um sistema político e económico de cariz verdadeiramente socialista). As segundas ferramentas com o mesmo nível de importância são a obrigatoriedade de conhecer a História e saber observar Arte. Só depois será um cidadão completo.

Todos nós fomos produzidos pela nossa História e pelas nossas próprias circunstâncias sociais e culturais, que são as verdadeiras responsáveis por sermos tal como somos e não de outro modo. Destas causas não podemos fugir. Devemos compreendê-las e aceitá-las, defendê-las quando merecem defesa, ou libertar-mo-nos das suas amarras se considerarmos ser caso disso e entendermos dever fazê-lo. Porém, a defesa da nossa História tem regras… não deve ser esgrimida como Cruzada, enaltecendo-a no desrespeito pela História do outro. Todos nós temos as nossas próprias histórias pessoais, familiares e comunitárias, que merecem o respeito de todos. Este princípio de sã convivência, tão básico e tão simples, ainda não é totalmente atendido porque a natureza que nos formata é conflituosa e bélica, não nos permitindo considerá-lo na total medida em que deve ser considerado, o que nos conduz para situações de mal-entendidos e, no extremo, para a guerra desejavelmente evitável.

Toda esta conversa introdutória para vos dizer que o meu Ateísmo tem a sua razão de ser e assenta nestes três factores:

1 – A estória de Deus não me convence. Como fantasia é bonita; e como boia psicológica é eficaz para o crente. Mas como realidade, na exacta medida em que é afirmada pelas crenças, essa figura de Deus é de existência real impossível. A Biologia, a Química e a Física não a permitem;

2 – Através da História, o conceito da(s) divindade(s) e a fé nela(s) depositada, sempre foi ferramenta usada pelos poderosos na exploração dos mais fracos, oprimindo-os;

3 – A fé religiosa como característica racional do Ser Humano, tem o seu lado positivo, pode dispor bem e alimentar esperanças… mas em demasia é como o vinho: embebeda!

Obviamente que, enquanto ateu, as minhas ideias sobre Religião são diferentes das de um religioso (La Palisse não diria melhor). Não enfeito o meu discurso para o tornar agradável aos crentes, porque não é! Também não visto o fato-macaco de coveiro para pegar numa pá e enterrar a fé em Deus aqui e agora. Nada disso!… Nos meus artigos apenas faço uso da crítica que o meu raciocínio me confere perante observações, conversas e leituras que me conduziram às reflexões que aqui registo. É a expressão da minha ideia no respeito pela ideia dos meus semelhantes.

Não quero, nem devo, contornar sensibilidades melindrosas… quem as tem, das duas uma: ou não me lê por discordar comigo… ou lê-me na convicção de que se a razão não “mora” comigo, poderá, eventualmente, também não “morar” consigo!… Mas para chegar a esta segunda conclusão, o leitor já tem de possuir um nível de raciocínio com muito mais qualidade (por isso não abandona a leitura) do que aquela que faz um religioso seguidista (quer numa fé religiosa, quer numa fé partidária) impossibilitado de se interrogar. Esta impossibilidade é, muito frequentemente, semeada no seu cérebro em criança ou jovem tenrinho, por uma fé que usa balizamentos opressores do raciocínio de quem lhe cai dentro.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Darwin Laganzon por Pixabay
12 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Não tem nada a ver…

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

Este texto não tem nada a ver com falta de fé em Deus ou nos santos (ou talvez tenha!) e trata de um caso reportado pela imprensa há meia dúzia de anos. Vi-o no jornal Público do dia 25 de Setembro de 2016. A notícia pode ser contada assim: 

Nelson Ferreira nasceu em Angola e, em 1976, criança de cinco ou seis anos, veio para Lisboa na ponte aérea do IARN (Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais), ao abrigo do apoio prestado a quem queria abandonar Angola. Viajou na companhia da mãe e de seis irmãos, mas não sabia ser ela sua mãe, nem eles seus irmãos, porque aquela mulher sempre lhe disse ser sua tia, e as crianças seus primos. Ele e a “tia” eram negros. Os “primos”, brancos. 

O correr do tempo mostrou-lhe a falsidade do parentesco, e não tardou a ser abandonado pela progenitora. Enfrentou o dia-a-dia sozinho, e a necessidade de comer transformou-o num sem-abrigo inventando comida e consumindo droga, porque, quando drogado, o estômago não reclamava alimento. 

A sua vida estava ainda mais dificultada por não possuir documentos de identificação, os quais nunca teve. Aos 19 anos, farto daquela vida, e ansiando um futuro estável, arquitectou uma solução para concretizar o sonho de regressar a Angola, procurar família e fazer vida na sua terra. Urdiu um plano que, na sua jovem mente, não podia correr mal. Pensou que se cometesse um crime seria expatriado! 

Pegou numa pedra, partiu uma montra e esperou pela polícia. Foi preso. Contactadas as autoridades angolanas, não havia registo de nascimento daquele cidadão, pelo que não podia ser expatriado!… E porque cometeu o crime de partir um vidro em Portugal, não podia pedir a nacionalidade portuguesa, porque esta não é concedida a criminosos! A partir daí conheceu a cadeia por 17 vezes. 

Libertado condicionalmente por bom comportamento, encontrou-se perdido em Lisboa sem saber para onde ir. Na cadeia fez teatro. A actriz Mónica Calle encenou duas peças onde participou com excelentes resultados. Tinha um cartão da actriz e telefonou-lhe. Ela recolheu-o, permitindo que Nelson Ferreira dormisse no sofá da sala naquela noite. Depois se veria.

A partir daí já dormiu em casa de vários actores e participou em representações no Teatro S. Carlos. Quando não faz teatro, faz biscates e ganha para si, mas queria ter família, casa sua, e ser reconhecido como gente. Mas não tem e nem é!… Não passa de um apátrida, e se um dia é apanhado por uma rusga policial corre o risco de entrar de novo na cadeia por não ter documentos que atestem ser pessoa com direitos! 

A nossa sociedade “tão Cristã”, gerida por governos tão “Democratas-Cristãos”, não arranja solução para este homem que só reclama identidade e dignidade. Direitos que a hipocrisia social atropela. A abertura da Comunidade Económica Europeia ao capital selvagem, autorizado a delapidar o país e a explorar o Povo com salários baixos e trabalho gratuito, não tem olhos para este caso degradante, porque não lhe dá lucro. 

Os apátridas podem morrer na cadeia ou na indigência. Os nossos políticos, tão Democratas-Cristãos, comem todos os dias e dormem em camas fofas… para quê preocuparem-se? 

(Não sei se com o passar do tempo o caso foi resolvido. Espero que sim… que a notícia do Público tivesse alertado consciências e que Nelson Ferreira já seja considerado pessoa com a dignidade que, naturalmente, lhe é devida).

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Kira por Pixabay
9 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Reflexão

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

No passar do tempo que tudo transforma, a minha atitude perante a Religião também sofreu alterações. Aquela frase popular «só os burros não mudam de opinião», funciona em todos os sectores… sendo que a opinião mudada pode incluir a total inversão do caminho, direccionando-o noutro sentido; ou considerar, apenas, um retoque, limando o que precisa de ser limado, quando se entende que o caminho está bem traçado e por isso se recusa um retrocesso… mas podemos (e sobretudo devemos) melhorar a nossa informação para alicerçarmos a nossa convicção mais profundamente.

A minha preocupação primeira de negar Deus, sem muita substância no pensamento que me levava à negação, alimentada na juventude que tudo sabe, pode e vence, acabou por me passar. Foi como um resfriado!… Não porque o considerasse um pensamento errado na sua totalidade, mas porque me defrontei com um raciocínio mais maduro após 20 anos a dar atenção às coisas que à Religião pertencem. A partir daí concluí que a preocupação de negar Deus não fazia sentido. 

De facto, é tão desinteressante negar Deus, como é afirmá-lo. Discutir o conceito de Deus acaba por não ter significado. O conceito existe porque foi necessário criá-lo, e todas as criações têm a sua razão, a sua função e o seu tempo. O Homem só cria aquilo de que necessita. A criação de vários deuses, primeiro, e a do conceito do Deus único, depois, resultam da mesma necessidade intelectual do Homem, ditada pela própria evolução do pensamento. A negação do conceito do Deus único, que eu faço (e que já muitos autores o fizeram e provavelmente tantos outros o farão) também pertence a essa evolução. Será o derradeiro ponto final na História dos deuses e do Deus que sobreviveu ao desmoronar de panteões.

A esta conclusão cheguei com a contagem dos anos (e já lá vão 80!…). Crer ou descrer tem tanta importância como sair de casa para ir ao cinema num centro comercial ou à missa na igreja da paróquia. Nenhuma das opções é mais importante do que a outra. Para quem as toma é uma atitude pessoal legítima que depende, unicamente, da vontade e do interesse de cada um… e cada qual atribui à questão do sagrado e dos credos relacionados, o grau que entender dever atribuir-lhe. 

As discussões acesas sobre Deus e a fé religiosa, não acrescentam nem retiram nada na medida da crença de uns, nem na medida da descrença de outros. Em regra os contendedores terminam como começaram… nenhum deles aceita ter aprendido ouvindo o outro… até porque ninguém ouve o outro… todos querem debitar discurso mais forte, real e único, fazendo orelhas moucas ao discurso do outro. 

Estas discussões só têm sentido se forem cumpridos dois requisitos fundamentais: 1 – Não falarmos só por fé de crente ou “fé de descrente”. Basear as ideias que pretendemos transmitir, de modo a que o outro entenda o que queremos dizer e porque o dizemos; 2 – Respeitar a ideia do outro que, mesmo quando é diametralmente oposta à nossa… devemos ter em consideração a hipótese (mesmo que consideremos muito remota) de poder ser ele o detentor da razão… e não nós!

Mas convenhamos que tais discursos, inflamados, ou não, pela gasolina da crença ou da descrença, no contexto social em que vivemos, com tantas preocupações bem mais importantes no dia-a-dia do mundo à borda de uma guerra que imaginamos poder ser iniciada com recurso a armamento atómico com dimensões impossíveis de prever… afinal, são nada!… Mantenhamos a amizade com quem pensa diferente de nós…  se ele aceitar!…   

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Jerzy Górecki por Pixabay
7 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Francisco I e Xi Jinping

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

O Papa Francisco I foi ao Canadá “pedir perdão pelo mal cometido pela Igreja Católica contra povos indígenas”. Esta prática não é inédita na igreja do Vaticano. Já João Paulo II, por altura do Jubileu da Igreja, no ano 2000 [o que acontece no fim de cada quarto de século], pediu perdão “por todos os males causados pela Inquisição Católica à Humanidade”.

Se é verdade que “um pedido de perdão não indemniza prejuízos”, também não é menos verdadeiro que ter a consciência de os ter provocado… já é ter alguma coisa de positivo para partilhar com o ofendido. O que é preciso é que a instituição que se penitencia pelos males provocados na sociedade onde se instala, não venha a repeti-los… o que não é inteiramente líquido.

No Canadá, perante milhares de indígenas, o Papa reconheceu a responsabilidade da Igreja Católica num sistema em que “as crianças sofreram abusos físicos, verbais, psicológicos e espirituais”.

Os pedidos de perdão foram feitos, particularmente, pelos crimes cometidos nos internatos para crianças geridos pela Igreja Católica, e lamentou que alguns dos seus membros tenham “cooperado” em políticas de “destruição cultural”.

“Estou triste. Peço perdão”, disse Francisco I a milhares de indígenas em Maskwacis, no Oeste do Canadá. “Um erro devastador”, foi como o Papa rotulou os abusos cometidos pela Igreja contra os povos indígenas do Canadá. Concretamente, o Papa pediu perdão por, entre os finais do século XIX e a década de 1990 (um período de cem anos) terem sido recrutados, à força, cerca de 150.000 crianças indígenas que foram distribuídas por mais de 130 instituições católicas numa operação de lavagem cerebral, isolando-as das suas famílias, da sua língua e da sua cultura, atropelando a dignidade a que tinham direito e destruindo-lhes a identidade. Para além disso, pelo menos 6000 crianças teriam morrido vitimadas por maus tratos infligidos nessas instituições religiosas.

Em 2021 foram descobertas “mais de 1300 sepulturas anónimas perto dessas escolas católicas, o que provocou uma onda de choque no país, levando, lentamente, a abrir os olhos para este passado descrito como genocídio cultural por uma comissão nacional de inquérito”.

Francisco admite que “as políticas de assimilação acabaram por marginalizar sistematicamente os povos indígenas. As suas línguas e as suas culturas foram denegridas e suprimidas”.

Não é só a Igreja que tem de pedir perdão por casos desta índole. Também é necessário que Xi Jinping, presidente da China, o faça aos povos que persegue (e deixe de perseguir), não só no Tibet, em Macau e Hong Kong, mas também pelo genocídio do povo Uigure submetido a “doutrinação” e a maus tratos no sentido de lhes destruir a identidade étnica “reeducando-os”… o que é crime!

Francisco I tem consciência histórica e humanista… Xi Jinping… não!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

5 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Do primitivismo à racionalidade

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.

Não discuto Religião e Ateísmo do mesmo modo como se discute futebol animalesco e irracional, bem como política partidária tratada ao mesmo nível religioso que considera a sua opinião como a “única Verdade” (sempre grafada com maiúscula porque divina, ou porque é proclamada pelo líder partidário alcandorado ao nível de um deus), contra “a mentira” de todas as outras religiões e de todos os outros sentimentos políticos, em discussão inflamada com a costumeira irascibilidade desrespeitadora (quando não insultuosa) da opinião do outro.

São modos que não dignificam ninguém. Não precisamos insultar para dizermos que discordamos. São reacções que situam quem as tem num patamar primitivo, do qual o irascível contundente ainda não saiu. O sentido religioso é natural no Ser Humano, e é com essa naturalidade que eu procuro tratá-lo nestes artigos onde faço a defesa do Ateísmo. Poderei não o conseguir por ignorância e também pelo “factor-primitivismo” que igualmente me afecta, pois estou colocado no mesmo patamar evolutivo dos meus contemporâneos… e dessa realidade natural não posso fugir. 

O nosso primitivismo, por mais que nos custe admiti-lo quando nos imaginamos evoluídos (evoluídos em relação a quê?…) pode ser aferido neste simples exercício: se inscrevermos a evolução do planeta Terra no mostrador de um relógio, sendo as zero horas a causa do Big-Bang (ou do que quer que fosse de que resultou o sistema Solar) e as doze horas o tempo presente, temos que a Era actual, o Quaternário, se iniciou nos últimos dois minutos, e o Homo Sapiens surgiu quando faltava uma dúzia de segundos para o meio-dia. No decorrer das doze badaladas, consumiram-se as Idades da Pedra, do Ferro e do Bronze, o Homem espalhou-se pelo mundo, nasceram e morreram as civilizações Mespotâmica, Chinesa, Egípcia, Grega e romana, circum-navegou-se o planeta, o Homem pisou a Lua e o leitor está a ler este texto.

Quero com isto dizer que a nossa espécie é recente. Somos a última experiência da Natureza na evolução da vida que ainda não está terminada. Como produto natural que somos, encontramo-nos na fase do tosco. Cheiramos a pintado de fresco. Estamos a ser burilados pelas experiências vividas. Não podemos escapar às características do animal predador que somos, nem à fase evolutiva em que nos encontramos.

A evolução tecnológica acontece em ritmo mais acelerado do que evolui a mente humana em termos de progresso racionalista. Por muito evoluídos que pensemos ser, só o somos no nosso entendimento de egoístas vaidosos… e as nossas acções e crenças têm a marca desse primitivismo animalesco e egocentrista, espampanantemente coberto pelo pesado manto da nossa vaidade desmedida e ignorância camuflada.

É neste contexto evolutivo que acontecem as guerras, sejam elas de ordem religiosa ou patriótica. São o resultado do nosso primitivismo que o passar do tempo e a evolução da espécie promovida pelas transformações ditadas pelo ADN em resultado de mutações naturais, se encarregará de apurar. Mas, por aí… até eu já me sinto profundamente crente!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

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2 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Vida depois da morte

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

Perante a irremediável morte, há religiões que afirmam haver um julgamento divino além-túmulo onde serão analisadas as escolhas dos fiéis, mais os actos que protagonizaram em vida. De acordo com tal julgamento, as alminhas dos defuntos sofrerão suplícios infernais se os seus pecados passarem das marcas, ou gozarão infinitamente as delícias celestiais, se houverem tido uma vida de santo (não se percebendo como é que a alma sofre ou goza abundantemente, se não tem sistema nervoso!…). 

Para os muçulmanos ainda se reserva (ao que consta nos corredores da vida) um punhado de virgens lindas de morrer para aqueles que se fizerem explodir num mercado cheio de gente. Não consta que as mulheres-mártires que escolham o mesmo fim para “honrarem” o Islão, encontrem no além uns rapazinhos viçosos para bacanal celeste! O prémio sexual pós-morten é reservado aos machos, o que sublinha a atitude machista e quase pornográfica dos árabes que vêem a mulher, apenas, como objecto sexual. (Só os árabes?!…). 

As descrições religiosas que aliam o inferno ao fogo e o céu a um jardim, são – segundo os mais esclarecidos – imagens metafóricas. Serão “similitudes”, e não passam desse estatuto, pois a “verdadeira natureza do paraíso e do inferno é conhecida apenas por Deus” (dizem!…). E os tais fiéis “mais esclarecidos” só “sabem” que é assim, porque foram eles próprios que inventaram “os desígnios de Deus”, o seu conceito e o seu “conhecimento”!… 

De qualquer modo, todas as religiões que defendem a existência de uma vida além-túmulo aceitam por verdadeira a premissa de a morte não ser o fim da vida, mas sim um portal que dá entrada numa outra forma de viver… e com a crueldade de ser eterna! E quem acredita nisto não faz a mínima ideia de como seja tal coisa nem como se processa essa forma de vida etérea. Para o crente basta-lhe crer; por isso é crente!… E crê que a vida além-túmulo é “conhecida por Deus”. Isso basta-lhe para afirmar a sua veracidade! Esta crença é o exemplo perfeito da dispensa do raciocínio que caracteriza os bons crentes. 

Pelo exposto se conclui que se todos nós fossemos exemplos religiosos e cumpríssemos as leis de Deus em qualquer das suas versões, por intermédio de Jeová, de Jesus ou de Maomé, as esquadras de polícia e os tribunais fechavam as portas por falência, pois não havendo prevaricadores, os seus serviços não se justificariam e eram dispensados… o que se traduziria em poupança milionária no Orçamento Geral do Estado… embora pudesse haver, nas elites religiosas, uma corja de exploradores e opressores das bases, eternamente impunes. 

Não tenho dúvida alguma de que muitos religiosos são animados de uma bondosa intenção quando prognosticam um mundo de perfeição baseado em conceitos deíficos. O problema está em que nunca actuamos de acordo com tão perfeito regulamento (nem os propagandistas religiosos o fazem!) para conseguirmos atingir uma sociedade tão imaculada. E não o fazemos, simplesmente, porque tais premissas religiosas fundamentam-se em mitos, lendas e fantasias inconcretizáveis; e as sociedades são construídas com realidades políticas, sociais e económicas. A diferença é só essa… e é do tamanho do mundo.

OV

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30 de Novembro, 2022 João Monteiro

Sobre o Mito

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

O mito é uma narrativa antiga e oral que pretende explicar os grandes enigmas da vida e do mundo. Por ser oral não há registo escrito das suas origens, o que quer dizer que as narrativas mitológicas que nos chegaram através da escrita podem divergir dos relatos orais que as originaram.

O poeta latino Estácio, disse: “Primus in orbe deos fecit timor” (Foi o temor o primeiro a criar os deuses na Terra). Nesta breve frase do poeta está contida a verdadeira razão que levou o Homem a criar e a cultuar deuses (Deus). O temor que sentimos no simples e natural acto de viver deve-se ao facto de a vida estar armadilhada. Primeiro (no tempo dos nossos avós inventores de mitos) estava armadilhada pelas forças da Natureza que nos complicava a vida em tempo de grandes borrascas, e depois por interesses das camadas sociais que nos oprimem e comandam: primeiro a Igreja, desde a Alta Idade Média (como sucessora das sociedades mais primitivas, como a Suméria e a Egípcia, cujos sacerdotes eram, também, os chefes políticos) e a Economia desde sempre, mormente agora, nesta sociedade do início do século XXI, dirigida por economistas asselvajados e escravizadores, submetidos aos interesses da Alta Finança que, para nossa desgraça, comanda a Política minando o caminho de cada um de nós. As opressões políticas, sociais e económicas são os responsáveis pelo desenho do temor que ainda hoje nos limita o sentido religioso e alimenta a necessidade de se acorrer ao divino como bálsamo de mentes inquietas. É por essa razão que o recinto de Fátima enche a cada 13 de Maio.

A invenção dos deuses deve ter partido de algum sentido prático, porque o Homem só cria aquilo de que necessita, e o conceito dos deuses (de Deus) serviu o Homem sossegando-lhe o espírito na crença, perante tantas vicissitudes que o acto de viver comporta. Na antiguidade os deuses eram ferramentas apaziguadoras, e funcionavam ao nível das nossas modernas enciclopédias, por explicarem o que pedia explicação. Explicação que não o era, de facto, já que o conceito de Deus opera ao nível da crença e não ao nível do conhecimento, mas que resolvia o que havia para resolver, num tempo em que os níveis de exigência não se colocavam do modo como passaram a colocar-se após o Homem ter consciência do que é “saber”, separando-o daquilo que é “crer”.

Provavelmente os mitos foram criados porque os homens adoram contar estórias, gostam de se identificar com elas, e alguns mitos gregos são relatos alegóricos de antigos acontecimentos históricos. Entre as razões que levaram à criação de mitos, há algumas perfeitamente entendíveis neste nosso tempo de informação instantânea e frenética: Os mitos explicam fenómenos naturais, como o nascimento e a morte; ajudam a manter a união num clã, numa tribo ou numa nação; dão exemplos comportamentais; justificam estruturas sociais; registam acontecimentos históricos das primeiras civilizações, e servem os poderosos para controlarem o Povo através do medo ao castigo divino. 

Ontem, como hoje.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV