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30 de Março, 2013 Carlos Esperança

O catolicismo de madeira, pregos e martelo

Para preservar o equilíbrio mental fujo da televisão como Maomé do toucinho. Limito-me, com exceção de alguns canais temáticos, a ver notícias e em dose homeopáticas.

Distraído, vi, nesta sexta-feira pascal, um programa pornográfico, algures nas Filipinas, onde uma dezena de jovens se fez crucificar num ato obsceno de masoquismo místico. Sei, da psicologia, até onde podem levar as patologias e não entendo como o Vaticano não repudia o carácter bárbaro da exibição e aceita a tortura numa orgia de fé.

A superstição e os costumes estão na base da perpetuação das crenças. Uma tomada de posição, hostil à selvajaria perpetrada pelos constrangimentos sociais e clericais, pode conduzir ao desprezo da religião e ao desprestígio do catolicismo.

O furor que exalta a fé e exulta os crentes é um anacronismo selvagem que os bispos não reprimem e de que as multidões não prescindem.

Quando julgávamos que a humanidade tinha proscrito os sacrifícios rituais, eles teimam em continuar perante a demência dos crentes, a cobardia dos bispos e a apatia divina. As flagelações que extasiavam o franquista Josemaria Escrivá são muito apreciadas no Céu, a ponto de converter um fascista num santo, pobres diabos num divertimento de créus e uma multidão de fanáticos na admiração do clero.

Que mundo estúpido. O homem fez deus à sua imagem e semelhança, com os piores defeitos. Não há perdão para o sofrimento inútil, perante o silêncio dos bispos, o gáudio da populaça e a indiferença de Deus.

30 de Março, 2013 Carlos Esperança

A missa na aldeia (Crónica)

Os sinos da igreja intimavam os paroquianos. O templo enchia, homens à frente, mulheres atrás, os «ricos» na primeira fila, sempre conforme à hierarquia e tradição. Uns minutos antes das nove ouvia-se a moto do padre Farias que já tinha despachado a missa das oito em Casal de Cinza e ainda o esperava outra paróquia.

Entrava sempre com ar mal disposto de quem sentia o penoso serviço de Deus como condenação, em paróquias pobres, de gente rude, sem instrução nem banho. Ainda dois dias antes ali estivera a ouvir em confissão os pecadores mais aflitos ou mais avezados à desobriga e à eucaristia. Não tardariam a chamá-lo de novo para levar o viático a um desgraçado que já não descolava da cama nem para a santa missa.

O latim deixava estarrecidos os crentes pelo carácter esotérico que assumia aos castos tímpanos de quem até o português, para lá de algumas centenas de palavras, soava a latim ou parecia língua estranha criada por Deus para confundir os homens nas obras da Torre de Babel.

A homilia era breve e as ameaças repetidas. Trabalhar ao domingo enfurecia o Senhor, comer carne à sexta-feira era veneno para a alma de quem não tivesse a bula, a côngrua andava atrasada por alguns paroquianos, a trovoada tinha dizimado as searas, era certo, mas a culpa não lhe cabia a ele, padre Farias, que cuidava das almas, a moto não se movia a água nem o mecânico a consertava a troco da absolvição dos pecados. Mas o mais injurioso para Deus e arriscado para a alma era trair a castidade pela qual a Santa Madre Igreja tanto zelava.

Recordo as pias mulheres, embiocadas no xaile e lenço negro, a debitar ave-marias, sem viverem o drama de D. Josefa que Eça descreve «toda sossegada, toda em virtude, a rezar a S. Francisco Xavier – e, de repente, nem ela soube como, põe-se a pensar como seria S. Francisco Xavier, nu, em pêlo».

Já não me surpreende que a Ti Beatriz, transida de frio e carregada de fome, de fé e de filhos, sempre com aquela tosse que irritava o padre e merecia das outras mulheres o diagnóstico de tísica, se debatesse com o outro drama da D. Josefa, de «O crime do padre Amaro», talvez em situações mais graves.

A bondosa D. Josefa juntava à nudez fantasiada do santo outro pecado que a torturava: «quando rezava, às vezes, sentia vir a expectoração; e, tendo ainda o nome de Deus ou da Virgem na boca, tinha de escarrar; ultimamente engolia o escarro, mas estivera pensando que o nome de Deus ou da Virgem lhe descia de embrulhada para o estômago e se ia misturar com as fezes! Que havia de fazer?”

A Ti Beatriz, alheia à metafísica, sofria a mesma consumição A tosse e a expectoração apoquentavam-na durante a eucaristia e o padre Farias já a ameaçara de lhe recusar o sacramento apesar da devoção com que cumpria os deveres canónicos e a regularidade com que paria um filho por ano.

Mal o corpo e o sangue do Cristo, em forma de alva rodela de pão ázimo, lhe tocavam a língua, logo a tosse e as secreções lhe acudiam à boca, parecendo acalmar à medida que o alimento espiritual aconchegava a mucosa gástrica, amansando o jejum e o catarro, seguindo o curso fisiológico.

Dita a missa, antes de destroçarem os paroquianos, o padre fazia avisos: pedia a quem encontrasse uma burra que informasse o dono, lembrava às mães que as crianças deviam ficar em casa se ganissem na missa, que qualquer cristão podia baptizar recém-nascidos em perigo de vida, in articulo mortis, sem necessidade de despachar um estafeta a exigir a sua presença, com risco de não estar ou de lhe minguar o tempo e a paciência.

Depois, enquanto o padre desaparecia sobre a moto, entre nuvens de pó, os homens ficavam a falar da vida, as mulheres regressavam a casa e os garotos enganavam a fome com uma bola de trapos.

29 de Março, 2013 Carlos Esperança

O negócio das canonizações continua

O Papa Francisco aprovou a publicação dos decretos que reconhecem o martírio de 62 católicos, assassinados no século XX por causa da sua fé, revelou hoje o Vaticano.

Esta é uma etapa do processo que leva à proclamação de um fiel católico como beato, penúltima etapa para a declaração da santidade.

Os decretos incluem o reconhecimento das ‘virtudes heroicas’ da portuguesa Sílvia Cardoso Ferreira da Silva (1882-1950), que se distinguiu em atividades de caráter social.

29 de Março, 2013 Carlos Esperança

Brasil – Laicidade em perigo

Proposta que enterra o Estado Laico no Brasil pode ser aprovada na Câmara

Câmara pode aprovar proposta que dá fim ao Estado Laico no Brasil. Comissão de Constituição e Justiça já aprovou permissão para religiosos interferirem nas leis brasileiras

Se é que existe a laicidade no Brasil, onde, pelo menos teoricamente, a religião não interfere no Estado, ela está para ter seu fim. Isso porque na manhã desta quarta-feira, 27 de março, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição 99/11, do deputado João Campos.