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25 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Causas da decadência ética em Portugal

A mãe que reza o rosário para que o filho passe no exame está a meter uma cunha à santa para que influencie o júri que o há-de julgar.

O construtor civil que manda um cabaz de Natal a casa do engenheiro da Câmara agradece o último andar do empreendimento que tem em construção.

O funcionário que promete ir a Fátima, se for promovido, quer apenas que Deus se lembre dele para a vaga que por mérito pertenceria a um colega.

O cordão de ouro que a minhota deixou no andor do Senhor dos Passos para que o seu homem deixasse a galdéria que o transtornou e voltasse para ela, sabe bem que sem a renúncia ao ouro o Senhor não lhe levaria de volta o bandalho do marido.

Sempre que há promessas para obter do santo especializado em certo tipo de subornos, um qualquer benefício, é a confissão do carácter venal da Providência. É o cabrito que se manda ao chefe na véspera das actualizações salariais.

Ao santo pede-se que interceda junto de Deus para fazer ao mendicante o que não faz a outros. Ao chefe solicita-se que trame o parceiro em benefício próprio.

Portugal é um país venal, de pequenas e vis corrupções, país feito à imagem da religião que o marcou, uma espécie de ferro que indica a ganadaria e o distribui os portugueses por paróquias e dioceses como animais da respectiva quinta.

Mas que pode esperar-se da Igreja do Papa JP2 que acreditou que a Virgem lhe dirigiu a bala por sítios não vitais e o poupou a ele mas não nos poupou dele a nós?

A mentalidade beata cria pessoas que Vêem o empenho, o suborno e o compadrio como virtudes canónicas, que fazem na vida o que lhes ensinaram a fazer com Deus.

Felizmente ainda há gente séria. O mesmo não se pode dizer da fauna mística que povoa o Céu, um grupo de agiotas onde se chega através de agentes, à custa de missas, terços e oferendas e da renúncia aos prazeres da vida.

25 de Maio, 2006 Ricardo Alves

O pensamento de Josemaría Escrivá (2): obediência

(continuação)

Como foi explicado no artigo anterior, o método Escrivá de sujeição do indivíduo funciona entre dois pólos: humilhação e obediência. A humilhação tem a finalidade de abater a vontade do indivíduo e de prepará-lo para obedecer. E a enfase na obediência nas palavras de Escrivá é tão chocante quanto a insistência na procura da dor e da humilhação.

  • «Obedecer… – caminho seguro. Obedecer cegamente ao superior… – caminho de santidade. (…)» (941) «Obedecei, como nas mãos do artista obedece um instrumento – que não pára a considerar porque faz isto ou aquilo, certos de que nunca vos mandarão fazer nada que não seja bom e para toda a glória de Deus.» (617)

Este dever de obediência, que teoricamente é devido a um «Deus» que não dá ordens porque não existe, é transferido para o «director espiritual», que é um personagem importantíssimo no sistema de controlo do Opus Dei.

  • «Director. – Precisas dele. – Para te entregares, para te dares…, obedecendo. – E Director que conheça o teu apostolado, que saiba o que Deus quer;» (62)

O «director espiritual» funciona como figura parental de substituição e como «representante de Deus». A sua autoridade é portanto enorme, e é reforçada pela devassa sobre a vida privada praticada através da confissão.

Como é evidente, ao castrar os afectos terrenos (os únicos reais), a recompensa que o Opus Dei oferece em troca encontra-se noutro mundo, ilusório.

  • «Que nenhum afecto te prenda à Terra, além do desejo diviníssimo de dar glória a Cristo e, por Ele e com Ele e n’Ele, ao Pai e ao Espirito Santo.» (786)

Mas o «director espiritual» não é uma ilusão, é bem real, e Escrivá cuidou até de protegê-lo da crítica.

  • «(…) E nunca o contradigas diante dos que lhe estão sujeitos, mesmo que não tenha razão.» (954)

Aliás, nunca se pode sublinhar demais que o pensamento de Escrivá é o oposto exacto do ideal iluminista de pensamento crítico e de liberdade individual. Escrivá encontra-se do lado daqueles que crêem que existem assuntos acima da crítica (a sexualidade de «Cristo», os cartunes do profeta) e que a autonomia pessoal é um perigo.

  • «É má disposição ouvir as palavras de Deus com espírito crítico.» (945) «No Apostolado, estás para te submeteres, para te aniquilares; não para impor o teu critério pessoal.» (936)

Tudo o que temos construído nos últimos 200 anos assenta na capacidade de cada indivíduo usar o seu próprio juízo e ter liberdade de escolha. Escrivá defende o oposto de tudo isto, e a sua organização não apenas pratica essa cultura internamente como a tenta difundir na sociedade. Note-se que o Opus Dei aspira a formar «chefes» (empresários, professores universitários, políticos), que coloquem as suas actividades profissionais ao serviço da causa.

  • «Aburguesar-te? Tu… da multidão?! Mas, se tu nasceste para chefe! Entre nós não há lugar para os tíbios. Humilha-te, e Cristo voltará a inflamar-te com fogo de Amor.» (16) «Dá um motivo sobrenatural à tua actividade profissional de cada dia, e terás santificado o trabalho.» (359)

O risco de que haja desvios do «Caminho» é constante. E por isso Escrivá insiste bastante em que há um único caminho, e que não se deve resistir a obedecer.

  • «Por essa demora, por essa passividade, por essa tua resistência em obedecer, como se ressente o apostolado e como se alegra o inimigo!» (616) «Que bem entendeste a obediência quanto me escrevias: “Obedecer sempre é ser mártir sem morrer”!» (622) «Se a obediência não te dá paz, é que és soberbo.» (620)

A obsessão de que existe um único caminho é fundamental para manter a ovelha no rebanho, e necessita de uma castração contínua, de uma renúncia a tudo o que não é útil para uma finalidade pretensamente sobrenatural.

  • «Tudo o que não te leva a Deus é um estorvo. Arranca-o e atira-o para longe.» (189)

O pensamento de Josemaría Escrivá é genuinamente católico. A mesma procura do sofrimento contra o prazer, a mesma defesa da humilhação contra a dignidade e a mesma imposição da obediência contra a liberdade podem ser encontradas nas encíclicas papais e nas práticas populares, por exemplo em Fátima. Mas o pensamento de Escrivá é o catolicismo exacerbado, exponenciado. E o Opus Dei é uma «seita» no mesmo sentido em que o são a Igreja da Cientologia ou o Templo do Sol, porque a vida dos indivíduos é totalmente colocada ao serviço da organização, com a cenoura enganosa do «sobrenatural» e com o chicote bem real das privações sensoriais.

Repito, como já o fiz dezenas de vezes, que as pessoas devem ser livres de aderir ao Opus Dei. No entanto, os pais católicos têm o direito de saber qual é o tipo de «espiritualidade» que se pratica numa organização para a qual os seus filhos adolescentes podem ser recrutados a partir do colégio privado ou da paróquia. E a sociedade tem o direito de se defender denunciando e criticando. Porque não há democracia sem democratas, nem a liberdade pode durar muito se grande parte dos cidadãos obedecem a uma organização autoritária e totalitária.

25 de Maio, 2006 Palmira Silva

Código da Vinci: Igreja católica contra-ataca

Na Europa e em locais onde a laicidade do estado impede que a Igreja tenha sequer ilusões sobre o sucesso da sua pretensão de censurar o Código da Vinci, esta pretende uma indiferença (mal conseguida) e opta por supostamente desvalorizar «o fenómeno ‘O código Da Vinci’».

Apenas nos locais onde a conjuntura político-religiosa o permite, a verdadeira posição dos responsáveis católicos face ao fenómeno da Vinci é revelada. Já aqui indicámos o desvario católico em relação ao filme na Índia, em tudo análogo ao desvario muçulmano na guerra dos cartoons, agora actualizamos a informação com mais locais onde o poder político da Igreja de Roma impôs a proibição do filme.

Hoje foi noticiado que o presidente do Sri Lanka, Mahinda Rajapakse, ordenou à Comissão Nacional de Espectáculos Públicos (PPB) que proíbisse a estreia do filme nos cinemas do país.

Segundo o jornal local «The Daily News», a decisão do presidente cingalês atende a um pedido da Conferência Episcopal do Sri Lanka. Os dignitários católicos neste país consideraram o filme «produto de uma mente totalmente pervertida» e «uma apresentação odiosa, falsa, injusta e irreverente de Jesus Cristo e da Igreja Católica».

De igual forma, o filme foi banido na Samoa, o arquipélago considerado o «cinturão biblíco» do Pacífico, por pedido do arcebispo local, Alapati Mataeliga, e restantes dignitários integrantes do Conselho de Igrejas da Samoa.

Mataeliga afirma que o filme iria afectar as crenças dos jovens cuja fé não fosse forte, medo partilhado pelos representantes do Vaticano na vizinha Fiji onde a organização «Catholic League For Religious and Civil Rights Movement» pediu a proibição do filme.

«O filme destrói o cerne da crença cristã e o Conselho de Censura, dando luz verde à sua exibição pública, confirma a sua insensibilidade à nossa cultura».

24 de Maio, 2006 Ricardo Alves

O pensamento de Josemaría Escrivá (1): humilhação

A principal obra de Josemaría Escrivá, o fundador do Opus Dei, chama-se Caminho e consiste em 999 «considerações espirituais». É uma leitura imprescindível para quem queira compreender a autêntica «lavagem ao cérebro» a que esta organização submete os seus membros.

Os temas recorrentes do livro (para além do apelo à oração e outras trivialidades cristãs) são a humilhação e a obediência. A intenção, como se compreende pela leitura do livro e pelas descrições conhecidas do funcionamento interno da organização, é a mesma de qualquer outra seita em que se submete o indivíduo para melhor o utilizar: destruir tudo o que estrutura a personalidade do sujeito, nomeadamente o seu orgulho e os seus instintos, fazendo dessa terraplanagem da personalidade uma virtude, e recompensando-a com a progressão dentro da organização. As citações seguintes, todas retiradas do livro Caminho, ilustram a glorificação da humilhação segundo Josemaría Escrivá.

  • «- Nega-te a ti mesmo. – É tão belo ser vítima.» (175) «Quando te vires como és, há-de parecer-te natural que te desprezem.» (593) «Não te esqueças de que és… o depósito do lixo. (…) Humilha-te; não sabes que és o caixote do lixo?» (592) «Não és humilde quando te humilhas, mas quando te humilham e o aceitas por Cristo.» (594) «Mortificação interior. – Não acredito na tua mortificação interior, se vejo que desprezas, que não praticas a mortificação dos sentidos.» (181) «Onde não há mortificação, não há virtude.» (180)

Escrivá encoraja os seus seguidores não apenas a humilhar-se ou a fazer humilhar-se por outros (convido o leitor a imaginar a cena…), mas convence-os também a procurar activamente a dor moral e até física que, numa inversão de valores típica do pensamento católico, considera «bendita».

  • «Bendita seja a dor. Amada seja a dor. Santificada seja a dor… Glorificada seja a dor!» (208) «Se sabes que essas dores – físicas ou morais – são purificação e merecimento, bendi-las.» (219) «Não esqueças que a Dor é a pedra de toque do Amor.» (439)

Escrivá encoraja ainda os seus adeptos a reprimirem ferozmente os instintos mais naturais de qualquer animal (comer e procriar), elevando sempre a repressão destes instintos a virtude. É evidente que quer os prazeres da cama quer os prazeres da mesa podem desviar as suas ovelhinhas do rebanho, e «perdê-las» da seita…

  • «Quando te decidires com firmeza a ter vida limpa, a castidade não será para ti um fardo: será coroa triunfal.» (123) «O matrimónio é para os soldados e não para o estado-maior de Cristo. – Ao passo que comer é uma exigência de cada indivíduo, procriar é apenas uma exigência da espécie, podendo delas desinteressar-se as pessoas individualmente. (…)» (28) «A gula é um vício feio. (…)» (679) «À mesa, não fales de comida; isso é uma grosseria, imprópria de ti. (…)» (680) «No dia em que te levantares da mesa sem teres feito uma pequena mortificação, comeste como um pagão.» (681)

Portanto, qualquer membro do Opus Dei se deve privar, em todas as refeições, de enchidos ou de açúcar no café, de água ou de vinho, de sobremesa ou de prato principal, como forma de «mortificação». Assim se assegura que o membro não se distraia perante uma mesa cheia de bons petiscos e bons vinhos. (Felizmente existe o contrário desta vida castradora: as delícias do hedonismo…)

O corpo, porque pode levar o jovem a desviar-se do caminho, é visto, obviamente, como um inimigo a tratar com violência, e a auto-tortura é inevitavelmente considerada uma virtude.

  • «Se sabes que o teu corpo é teu inimigo, e inimigo da glória de Deus, por sê-lo da tua santificação, porque o tratas com tanta brandura?» (227)

Convencido o jovem de que é «lixo», destruído o seu amor-próprio e controlados os seus instintos mais naturais, o «lixo» pode ser reciclado. Como? Obedecendo…

  • «Padre: como pode suportar todo este lixo? – disseste-me, depois de uma confissão contrita. Calei-me, pensando que, se a tua humildade te leva a sentires-te isso – lixo, um montão de lixo – ainda poderemos fazer algo de grande da tua miséria.» (605)

É neste ponto, quando a personalidade do jovem está submetida, que Escrivá lhe recomenda que se entregue aos pés de um «director espiritual» que o dirija, pense por ele, escolha livros por ele, e possivelmente lhe dê ordens não apenas «espirituais»…

(continua)

24 de Maio, 2006 Palmira Silva

Código da Vinci: a saga continua

O ministro de Informação indiano, Priya Ranjan Dasmunsi, que a meio da semana passada adiou a estreia do «Código da Vinci» neste país, viu o filme na companhia dos dignitários católicos que pretendiam a proibição do filme no país laico e de população maioritariamente hindu (os católicos são menos de 2%), mas não encontrou algo ofensivo nele.

Assim, embora Donald D’Souza, o dignitário mor da Conferência Episcopal indiana, tenha afirmado que o filme é «inaceitável para a comunidade cristã da Índia», o filme poderá ser visto neste país a partir de sexta-feira, sem cortes, mas com dois imponentes avisos, um no início e outro no final do filme, informando os espectadores de que se trata de uma obra de ficção sem qualquer semelhança com a «verdade histórica» por insistência da Conferência de bispos católicos. Para além disso, a pedido dos mesmos, será interdito a menores de 18 anos, já que os ilustres dignitários, que insistem na necessidade de impingir a sua mitologia em crianças o mais cedo possível, consideram que apenas adultos «sabem distinguir a realidade da ficção».

Os avisos afirmam «Os caracteres e incidentes retratados e os nomes indicados são fictícios e qualquer semelhança com nomes, caracteres e história de qualquer pessoa é pura coincidência e não intencional».

Apenas no estado maioritariamente católico, Nagaland, cujas autoridades expressaram um «ressentimento sério» contra o governo central por este ter permitido a exibição do filme, este será banido. De facto, a Igreja Católica detém uma influência política importante neste estado indiano, cujo principal partido separatista, o NSCN, tem como slogan «Nagaland para Cristo». No entanto, em Kerala os católicos locais tentam igualmente que o filme seja proibido. Em Meghalaya o partido maioritário da coligação local já expressou a sua oposição à permissão de exibição do filme pelo Central Board of Film Certification.

De igual forma, uma organização de direita hindu, o Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), aproveitou os protestos católicos, que supostamente apoia, para contestar a laicidade do estado e criticar o que considera ser o tratamento preferencial concedido a esta religião ultra-minoritária na Índia, enquanto «A reacção do governo não foi a mesma no que toca a ferir os sentimentos hindus, nomeadamente nos filmes ‘Water’ e ‘Fire’». Estes filmes de Deepa Mehta provocaram fortes reacções dos radicais hindus que queimaram efígies de Deepa Mehta em protesto pelo facto de os filmes não terem sido censurados.

Não se sabe ainda a reacção do Fórum Social Católico (CSF) da Índia que convocou uma greve de fome por tempo indeterminado, em protesto pela estreia no país do filme, e que que pretende ensinar a Dan Brown o respeito pela mitologia católica oferecendo uma recompensa pela sua cabeça.

De facto, o seu dirigente Joseph Dias iniciou uma «greve de fome até à morte» e convidou outros devotos católicos a juntarem-se à iniciativa prometendo não se alimentar (não especificando se as hóstias são consideradas alimento) até o filme ser proibido. Agora que a sua pueril chantagem não funcionou o devoto católico ainda não se pronunciou sobre a continuidade da greve…

24 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Quo Vadis Ratzinger?

Em tempos de JP2, um clérigo ilustrado mas rural, poliglota e crente em Deus, a ICAR tornou-se ainda mais conservadora, adoptou a teologia do preservativo e mostrou-se insensível à SIDA e a outras doenças sexualmente transmissíveis.

JP2 era um provinciano habituado a viver em ditadura, um crente que julgava de origem divina a Bíblia e acreditava na Senhora de Fátima. Se fosse cientista era uma alimária, sendo Papa foi um místico.

A intolerância era apanágio do múnus e da formação, a postura misógina uma exigência do Evangelho e a moral sexual um misto da repressão própria e dos desvarios dos santos doutores da Igreja católica.

Recalcitraram alguns teólogos e outros clérigos que não tinham o espírito embotado da atrasada Polónia. Com a ajuda do cardeal Ratzinger a todos calou. Afastaram-se uns, submeteram-se outros e foi a mais reaccionária e política das seitas católicas – o Opus Dei -, que marcou ideologicamente o pontificado de JP2.

Após a deprimente exploração da decrepitude do autocrata, falhado o último suspiro em directo para as televisões, a Cúria encenou o espectáculo fúnebre com pompa e propaganda. Fizeram-lhe um lindo enterro, como soe dizer-se.

O inquisidor de serviço fez-se Papa e o Opus Dei reforçou o poder. O conservadorismo e a luta política contra as decisões democráticas dos povos ganhou novo fervor e uma conjura internacional está a ser preparada contra a laicidade e o secularismo.

Bento 16 é um Torquemada actualizado. A SSPX do excomungado bispo Lefebvre dá-se com o inquisidor Ratzinger como Deus com os anjos, como se diz em jargão pio.

Não é estranho que não haja dissidentes? Ou a ICAR já não representa ninguém ou o controlo ideológico e a repressão impedem a discordância teológica.

Roma está cada vez mais parecida com Meca. Os prosélitos da Bíblia são clones dos suicidas islâmicos e o clero de um e outro antro é cada vez mais parecido no desvario, na intolerância e na ânsia de poder.

A fé é um veneno perigoso.

23 de Maio, 2006 Palmira Silva

Primeiro-ministro turco condena defesa da laicidade

O primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, que em tempos foi preso por ter declamado versos anti-laicidade, criticou o comandante-chefe das Forças Armadas, o general Hilmi Ozkok, por este ter louvado os protestos anti terrorismo islâmico que marcaram o funeral do juiz Mustafa Yucel Ozbilgin, assassinado em nome de Deus por um fundamentalista islâmico.

Erdogan, cujo partido AKP tem raízes islâmicas, afirmou que o general Gen Hilmi Ozkok foi irresponsável por ter louvado os milhares de turcos que se demonstraram contra o assassínio do juíz pelo fanático que disse tê-lo feito para punir a defesa intransigente da laicidade do juíz.

Dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se na quinta-feira em apoio da laicidade, muitos pedindo a demissão de um governo que tem sido repetidamente acusado por grupos seculares de tentar forçar um estilo de vida islâmico.

O general Ozkok condenou o ataque aos juízes da segunda câmara do Supremo Tribunal Administrativo como um acto de terrorismo levado a cabo por fundamentalistas islâmicos, exortando os turcos a uma defesa constante da laicidade:

«Os protestos e a sensibilidade das pessoas é de facto uma dádiva de esperança e admirável. Mas esta reacção não deve ser limitada a um único dia, a um único acontecimento. Deve ganhar continuidade e deve ser seguida por todos sempre».

22 de Maio, 2006 Carlos Esperança

O Cardeal Patriarca de Lisboa e a cadeira

Anda o clero português numa dobadoira sem saber onde sentar o idolatrado rabo de Sua Eminência e os de mais 18 Excelências Reverendíssimas nas cerimónias oficiais.

Não interessa ao clero se os pecados mortais são sete ou passaram a dez com o ódio de Ratzinger à televisão, Internet e jornais. É-lhe indiferente que a água benta se encha de bactérias e que as hóstias percam o prazo de validade à míngua de devoção eucarística.

O que o clero quer é uma cadeira proeminente nas inaugurações, um lugar visível nas tomadas de posse dos políticos, uma foto nos jornais, tempo de emissão no telejornal e um talher à mesa dos poderosos.

Pode o consumo de hóstias estar em crise, as igrejas abandonadas, as homilias desertas, mas é preciso uma cadeira onde o clero exiba a importância, o anel e as vestes luzidias.

Um bispo fica sempre bem numa cerimónia, tal como um porteiro fardado a rigor e os motoristas à saída para, de boné na mão, abrirem as portas dos carros aos senhores.

O rabo de um bispo é uma relíquia que urge cuidar com sentido de Estado, um objecto de culto a que é preciso reservar poiso, uma protuberância que os fiéis apreciem de joelhos no chão e de mãos postas.

O rabo de cardeal vale mais do que o do ministro ou deputado? Se a guerra dos rabos e das cadeiras prosseguir, havemos de encontrar presidentes da junta de fita métrica em punho a discutir com o pároco a precedência dos respectivos rabos.

Quando o clero perde a cabeça só lhe resta a cauda mas, tal como nos lacraus, não deixa de morder.

Fonte: Correio da Manhã

22 de Maio, 2006 Palmira Silva

Itália, o Vaticano e o Código da Vinci

Numa altura em que a Zenit tornou público o «Report on the Evolution of the Family in Europe 2006» (relatório da evolução da família na Europa 2006) que indica que na Europa a família «tradicional» já não o é de facto, nem mesmo em países como a Polónia, começaram os esperados embates do Vaticano com o governo de Romano Prodi sobre o tema.

Assim, a ministra da Família, Rosy Bindi, anunciou este domingo de que a Itália vai reconhecer as uniões de facto. Acrescentando que o novo parlamento irá igualmente acabar com a lei absurda sobre a procriação assistida. Rosy Bindi disse que a Itália tem a responsabilidade de debater algum tipo de reconhecimento de uniões civis, mesmo diante das advertências da Igreja Católica de que vai combater qualquer medida que abale a família «tradicional».

O Vaticano já tinha feito saber a Prodi que não aceita uniões fora do casamento e, pela voz do Cardeal Camillo Ruini, o eclesiástico máximo da Conferência de Bispos Italianos, apelou ao voto no grande defensor da família «tradicional» Berlusconi, dizendo que os eleitores italianos «deviam ter em consideração» na decisão do voto assuntos como o aborto e o reconhecimento legal de uniões de facto.

Diria que com 32.8% dos nascimentos em 2004 fora do casamento na Europa dos 15 e 31.6% na Europa a 25, taxas de natalidade como na mui católica Polónia de 1.23 filhos/mulher e 10 milhões de divórcios na Europa dos 15 entre 1990 to 2004, o Vaticano deveria perceber que a maioria dos europeus, mesmo os católicos, se estão nas tintas para os ditames anacrónicos da Igreja em relação à sexualidade e à família «tradicional» e se deveria abster de tentar interferir politicamente de forma a impôr a todos os seus neolíticos preceitos.

De facto, mesmo no país que alberga os ditadores de sotaina parece que os cidadãos estão cada vez mais indiferentes aos apelos do Vaticano. Não só o paladino de óvulos e espermatozóides não foi eleito (por pouco, é certo) como a adaptação do livro de Dan Brown gerou 2 milhões de euros na estreia em Itália, quase o dobro do filme que obteve o recorde anterior, «A Vida É Bela», filme do italiano Roberto Benigni premiado com um Oscar. Os italianos ignoraram o pedido do Vaticano de boicote ao filme e acorreram em massa às salas de cinema. Tarefa ligeiramente dificultada em Roma pelos fanáticos do movimento Militantes Cristãos que cercaram alguns cinemas perto do Vaticano gritando contra Dan Brown.

Para além de que muitos italianos simplesmente ignoram as críticas às uniões de facto reiteradas à exaustão pelo Vaticano, como indicam os 14.9% nascimentos fora do casamento neste país para além de que a taxa de nascimentos próxima da polaca (1.2) mostra claramente o que pensam as italianas sobre a proibição católica de contraceptivos.

21 de Maio, 2006 Palmira Silva

Atentado em Caxemira

Já tinha referido que em Caxemira, alvo de acesas disputas entre a Índia e o Paquistão, o conflito de poder se está a transformar num conflito de religiões.

Este conflito conheceu hoje mais um episódio sangrento com o ataque de fundamentalistas islâmicos a uma manifestação política organizada pelo partido do Congresso, em recordação de Rajiv Gandhi, o primeiro ministro indiano assassinado em 21 de Maio de 1991.

O ataque, que provocou pelo menos 8 mortos e 25 feridos, foi reinvidicado pelas organizações islâmicas Lashkar-e-Toiba e Al-Nasireen e surge escassos dias antes de uma conferência de paz, que deverá ter lugar em Srinagar na quarta-feira, que os fundamentalistas islâmicos tinham prometido perturbar.