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10 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Madonna diabólica

A diocese de Milão considerou mandar retirar este enorme (e recatado) outdoor de Madonna colocada num dos andaimes onde se procede à restauração da Catedral de Milão.

Segundo o Corriere della Sera, a Veneranda Fabbrica do Duomo, criada em 1387 para construir e conservar a catedral milanesa, a entidade a quem compete decidir que tipo de publicidade pode ser colocada nas respectivas paredes, pela voz do seu director, Benigno Morlin Visconti, afirmou ter agido de «boa fé» ao permitir há um mês a colocação do anúncio.

Claro que na altura ninguém previa a polémica que a digressão de Madonna levantaria nas hostes cristãs – nomeadamente que, além da crucificação, incluiria no espectáculo imagens de Bento XVI numa projecção na qual apareciam outros personagens como Hitler, George W. Bush, Benito Mussolini, Osama Bin Laden e Saddam Hussein – pelo que Visconti acrescentou que se o soubesse teria impedido que a fotografia em questão ornamentasse o dito andaime.

No entanto, apesar dos protestos acerca do inocente anúncio da Hennes & Maritaz, Monsenhor Luigi Manganini, arcipreste do Duomo, disse que o anúncio poderia ficar todo o tempo que consta do contrato com a H&M. De facto, a denúncia do contrato publicitário, que integra uma campanha de angariação de fundos destinada à restauração da catedral, não deveria sair barata aos cofres da Igreja. Assim Manganini, justificou a sua decisão afirmando que é apenas um anúncio, não uma canonização.

«As outras partes do edifício estão cheias de demónios e diabos. Assim uma Madonna infernal não nos deve prejudicar muito» disse ao Corriere della Sera Vittorio Sgarbi, o responsável da cultura da câmara de Milão.

Entretanto os dois espectáculos de Madonna em Moscovo, apesar do boicote da Igreja Ortodoxa, prometem esgotar rapidamente. Não obstante terem sido mudados da Praça Vermelha para um recinto da Universidade estatal de Moscovo, centenas de pessoas passaram a noite à porta da local onde iriam ser vendidos os bilhetes para os espectáculos na capital russa. Em Praga, a cidade onde Madonna actuará antes de viajar para a Rússia, a organização do espectáculo informou que os 36 000 bilhetes disponíveis esgotaram em 9 minutos.

Não é complicado prever que esta primeira actuação de Madonna em solo soviético será um sucesso comparável ao de Roma. Não obstante os boicotes de todas as religiões do livro que consideram um sacrilégio a actuação da cantora na cidade que descrevem como «a capital da ortodoxia».

9 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

O atleta e a cruz

Quem ainda não perdeu os entes mais queridos desconhece a dor, a saudade e mágoa que o luto transporta.

Ganham valor as fotos abandonadas no fundo da gaveta, os objectos que se partilharam e as conversas arrastadas pelo prazer do convívio.

Nada há de mórbido na evocação saudosa que ressurge com frequência, nas memórias que nos acodem e nos momentos que evocamos.

Diferente é o carácter masoquista dos devotos do Deus que o temor dos homens criou.

Que pensaríamos do filho cujo pai foi esmagado pelo tractor que se virou no cômaro da vinha e lhe esmagou o crânio, se exibisse na sala de jantar a foto do acidente? Que demência poderia levá-lo a coleccionar miniaturas do veículo assassino no quarto de casal e sobre o berço das crianças?

Os cristãos, na sua mórbida devoção, ao exibirem a cruz e o cadáver, isolados ou em conjunto, lembram o psicopata que tivesse na escrivaninha o busto esmagado do pai, uma escultura com os ossos partidos sob o tractor que o esmagou ou a miniatura do veículo.

Se ao Cristo da fábula, em vez da improvável cruz em que se finou, tivessem inventado o esmagamento por uma pedra que o vendaval soltasse do Monte Sinai, teríamos hoje, em vez das chagas, da coroa de espinhos e da cruz de madeira, um corpo ensanguentado com ossos quebrados sob uma pedra sagrada.

Por todo o lado onde o cristianismo fez mossa, haveria templos em cujo altar se prestaria culto a um corpo estropiado e uma pedra. O próprio transepto que ora recorda a cruz teria nos templos a forma da pedra e o mancebo, que dependuraram na cruz, o aspecto das fotos da judiciária para documentar crimes macabros.

Nos relicários, em vez do lenho, reluziriam santos fragmentos de feldspato, quartzo ou mica e, na comunhão, em vez do corpo e sangue do fundador da seita, degustariam os beatos aparas de ossos e cartilagens passadas pela varinha mágica da culinária litúrgica.

9 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Inconsistências cristãs

Considerando que a violência que conturba o nosso Mundo está ligada à religião, pareceria pacífico concluir que menos religião, pelo menos na esfera pública, implicaria menos violência. A maioria dos crentes nega este facto experimental, argumentando que o problema é a deturpação da religião e o seu aproveitamento, ou então que o problema é a religião dos outros.

Fiquei assim surpreeendida quando li que um teocrata americano, um dos prováveis candidados às primárias presidenciais pelo partido republicano, o ex-porta voz do congresso americano Newt Gringrich, o homem que argumenta estarmos em plena Guerra Mundial III, culpa a religião e o fundamentalismo religioso pelos problemas actuais do mundo:

«O dia em que eles tiverem capacidades biológicas e nucleares a guerra não vai terminar. Se os nossos inimigos tiverem armas nucleares ou biológicas eles vão usá-las. Isto não é União Soviética. A União Soviética era uma burocracia cansada, ateísta. Se alguém for ateísta e então se tornar um bombista suicida não vai para lado nenhum».

Ou seja, Gringrich reconhece que um ateísta é um inimigo mais pacífico e racional porque não acredita numa vida para além da morte e que se os inimigos de que Gringrich fala não fossem tão religiosos não seriam tão violentos. Newt Gingrich basicamente reconhece o que dizemos há muito: os problemas de violência e horror com que o mundo moderno se debate assentam no fundamentalismo religioso. Mas todos os fundamentalismos são iguais e igualmente perigosos: não há fundamentalismos bons e fundamentalismos maus, todos devem ser igualmente combatidos!

Claro que para Newt, um devoto católico, pecador como eles se reconhecem, mas que ama a jesus cristo e como tal deve ser perdoado, apenas o fundamentalismo dos «outros» é um eixo do mal, o fundamentalismo cristão não só é bom como fundamental.

Assim, em casa própria combate com unhas e dentes o secularismo, isto é, a laicidade, e a malvada esquerda (leia-se democratas) que não reconhece que o que urge nos Estados Unidos, que resolveria todos os problemas do Mundo como consequência, é a implantação duma teocracia.

Nomeadamente, ululou contra a decisão do Supremo Tribunal americano que mandou retirar os Dez Mandamentos de salas de tribunal , a que chamou uma decisão «histericamente esquizofrénica e completamente indefensável».

Ou seja, estranhamente o devoto católico, que tão bem conseguiu ver que o fanatismo religioso dos «outros» é uma ameaça à paz, é completamente cego ao seu próprio fanatismo – seja real ou simulado por conveniência política. Políticos como Gingrich, muito aplaudidos pelos teocratas cristãos americanos, são em tudo semelhantes aos seus «inimigos» islâmicos que querem igualmente impor uma sociedade governada por doutrinas religiosas. Também eles deploram a laicidade, que culpam por todos os males do mundo, e insistem que o único governo «bom» é aquele que reconhece na letra da lei a soberania da impossibilidade lógica Deus. Gingrich é a versão cristã dos islamistas, isto é, um nacionalista cristão, uma espécie infelizmente cada vez mais abundante no panorama político ocidental, que combina o nacionalismo exacerbado com o fundamentalismo cristão.

No seu livro «Winning the Future», uma elegia ao capitalismo sem regras, ao imperialismo americano e à teocracia cristã, Gingrich enuncia as cinco maiores ameaças à nação americana, das quais se destacam o terrorismo islâmico e os efeitos devastadores de banir a religião (cristã, claro) da vida pública.

No seu sílabo dos erros da cena política americana destaco dois pontos:

  • Como a esquerda está completamente errada em insistir que devemos confiar na ONU e no Tribunal Internacional como substitutos ao poder americano;
  • Como não há ataque à cultura americana mais mortal e historicamente desonesto que a guerra incessante da esquerda contra Deus na vida pública americana.

Aliena vitia in oculis habemus, a tergo nostra sunt (literalmente «Não vê a trave que tem no olho e vê um argueiro no do vizinho»; «Não há cego que se veja, nem torto que se reconheça»)

8 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Liturgia confundida com vírus


A Symantec, mais concretamente o seu programa Norton Antivirus, criou uma santa confusão nas hostes da Igreja Anglicana e perturbou consideravelmente durante umas semanas a qualidade dos sermões debitados nas igrejas inglesas.

Os utilizadores do Visual Liturgy, mais de 4 500 vigários que o utilizam na preparação dos seus sermões e de material a distribuir aos paroquianos, viram-se privados dessa ferramenta indispensável ao ofício caso fossem simultaneamente utilizadores do Norton.

De facto, a definição de vírus da Symantec de 8 Julho identificava o ficheiro vlutils.dll integrante do programa como sendo o SniperSpy e instruía os seus utilizadores a apagar o ficheiro. Ora este dll é essencial para o programa correr, de forma que a Church House Publishing, que distribui o programa, teve um mês muito atarefado:

«Cerca de 4 500 igrejas com aproximadamente meio milhão de fiéis foram muito afectadas por isto» disse David Green, da CHP. «Normalmente não é fácil irritar um membro do clero, mas tivemos muitos ao telefone».

8 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Momento Zen da Segunda-feira

O bem-aventurado João César das Neves (JCN) ensandeceu de vez. A piedade e o temor a Deus toldam-lhe o entendimento e o proselitismo afunda-o no pântano da difusão da fé.

Jesus Cristo está para JCN como Hitler para os nazis. Qualquer dislate é a verdade e a mais ignara das frases um pensamento profundo. Jesus Cristo (JC), segundo JCN tem dois propósitos – fazer santos e salvar os pecadores, em cujo número se inclui.

Com a autoridade de quem pertence à seita, considera santos Madre Teresa, cuja história de vida é reescrita de acordo com os interesses da ICAR, e João Paulo II, para quem não há lixívia que baste para limpar as nódoas do pontificado.

Segundo JCN, a ICAR «tem poucos santos e muitos pecadores», um truísmo banal que numerosas vítimas testemunharam na fogueira, nas masmorras e torturas que a ICAR promoveu para maior glória de Deus e deleite dos seus padres.

JCN, sem indicar o número de inscrição na Ordem nem a faculdade que frequentou, diz que JC é advogado junto do Pai. Sendo incerto o progenitor e duvidosa a formação, não admira que a única comarca onde possa exercer seja o Paraíso.

JCN confessa a desfaçatez e maldade da sua Igreja. Diz que «o que Cristo trouxe foi o inconcebível: o acesso à vida dos ladrões e assassinos, desde que O amem [sic]. Isto só Deus pode fazer».

Por outras palavras, o Paraíso é para os pulhas, desde que amem JC. Um ateu não diria melhor.

8 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Amor cristão: homofobia

A vacuidade da pretensão cristã de que a sua religião é baseada no «amor» ao próximo e na tolerância para com os seus semelhantes atinge o seu zénite em tudo o que diz respeito à sexualidade alheia, nomeadamente à homossexualidade, que os cristãos fundamentalistas se acham no direito de determinar. Dois exemplos recentes ilustram bem a intolerância e ódio cristãos a todos os que não se sujeitam às aberrações da sua religião.

Fundamentalistas cristãos tentam boicotar a Gay Parade em Belfast

Há já 14 anos que a comunidade gay irlandesa realiza a sua parada anual em Belfast, sem quaisquer problemas ou violência. Isto é, até este ano, em que cristãos locais tentaram impedir a sua realização sob o pretexto que o evento ofendia as suas sensibilidades religiosas:

«Nós achamos a parada moralmente ofensiva. Como cristãos evangélicos acreditamos no que a Bíblia diz no que respeita à sodomia – que é um pecado»

Na realidade, diria que os ditos cristãos estão irritados porque as sondagens indicam que a homofobia cristã está a desaparecer da Irlanda do Norte, cujos habitantes se manifestam tolerantes em relação às opções sexuais alheias. E assim resolveram tentar boicotar a parada com as habituais provocações.

Assim, os devotos cristãos fizeram questão de comparecer à parada e demonstrar a sua rejeição do pecado alheio virando as costas ao desfile. Na igualmente já habitual cristianovitimização queixam-se agora que foram «insultados» pelos manifestantes, que, imagine-se, lhes chamaram «intolerantes» e «fundamentalistas religiosos assassinos». Os fundamentalistas cristãos já prometeram repetir as provocações para o ano na esperança de as reacções a essa provocação lhes forneçam pretextos para ulular contra a parada.

Neo-nazis e fundamentalistas cristãos semeiam o terror em Riga

Uma multidão homofóbica constituida por neo nazis, fundamentalistas cristãos e ultra nacionalistas, semeou o terror num encontro Gay em Riga, Letónia, realizado no Reval Hotel Latvia depois de os tribunais letões terem mantido a decisão da câmara de Riga em proibir a realização da Parada Gay marcada para esse dia.

Foi necessário à direcção do hotel recorrer a guardas armados privados para garantir não só a integridade do mesmo como a segurança dos participantes depois de a polícia local se ter demonstrado incapaz para deter a violenta e bem organizada multidão que cercou o hotel.

8 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Impunidade em nome de Deus – pedofilia

A Igreja católica volta a fazer as manchetes de vários jornais britânicos pelas piores razões, agora pelo maior caso de abuso sexual de menores em julgamento neste país.

Cerca de 140 ex-alunos do St William’s Community Home em Market Weighton, East Yorkshire, uma instituição de apoio a menores em risco fechada em 1992 quando as dimensões do abuso perpetrado no seu interior vieram a público, processaram a diocese de Middlesbrough, mais concretamente a Catholic Child Welfare Society e a Middlesbrough Diocesan Rescue Society, e a De La Salle Brothers, uma ordem católica de professores.

Pelas descrições dos ex-alunos que tiveram a coragem de dar a cara a instituição católica era uma casa de horrores, em que os pupilos lá colocados pelo sistema social britânico eram sujeitos a abusos físicos e sexuais constantes. As queixas dos pupilos que reportaram aos assistentes sociais os espancamentos constantes, os repetidos abusos sexuais e psicológicos sofridos às mãos dos católicos mentores não foram consideradas durante muitos anos.

O irmão James Carragher, o director do centro, encontra-se correntemente a cumprir uma pena de 14 anos por abuso sexual sistemático de menores. Já anteriormente, em 1993, tinha sido condenado a 7 anos de prisão por outras ofensas de abuso sexual grave. O superintendente Richard Kerman, que conduziu a investigação no segundo julgamento, descreveu Carragher como «o homem mais malvado que alguma vez conheci».

O abuso sistemático das cerca de 2000 crianças em risco que por lá passaram teve como resultado homens amargos, sem qualquer confiança no seu semelhante, cerca de metade dos quais se encontram na prisão a cumprir pena por crimes diversos.

Algo que tem provocado indignação é o facto de nem sequer a diocese ter pedido desculpas pelo que se passou. Um porta-voz da diocese afirmou que pedir desculpas seria equivalente a admitir culpas… e com um processo judicial em curso poderia ter como consequência uma maior indemnização a pagar pela diocese.

Uma actuação na linha da do Bispo William Skylstad que, referindo-se ao escândalo da pedofilia no clero americano e pesadas indemnizações decorrentes, afirmou para os seus pares «não há dúvida, irmãos, que estes últimos anos exerceram um pesado tributo sobre nós» não só relegando para o passado os abusos sexuais de menores perpretados por padres mas sugerindo falaciosamente que a Igreja é uma vítima inocente dos seus próprios crimes. Mais preocupada em proteger padres pedófilos que crianças, ignorando as vítimas reais dos abusos sexuais, as inúmeras crianças brutalizadas por padres ao longo dos anos, a Igreja preocupa-se apenas com o dinheiro que lhe sai dos cofres (e com o que não entra devido ao escândalo) !

Como já afirmei, pessoalmente considero que a sexualidade de cada um, desde que praticada com adultos consensuais, é algo do foro pessoal e sobre a qual nunca considerei fazer juízos de valor. Mas surpreende-me sempre pela negativa e sempre o denunciarei o empenho da Igreja Católica em determinar a sexualidade de outrem, a veemência das campanhas pela abstinência e contra o preservativo, as exortações ad aeternum à castidade e virgindade, inclusive como único método de prevenção admíssivel da SIDA, quando em casa própria a única preocupação é encobrir os crimes sexuais praticados por membros do clero católico!

Assim, continuarei a denunciar estes casos enquanto a prática adoptada pela Igreja Católica continuar a ser o encobrimento do abuso sexual perpetrado por eclesiásticos, muitas vezes «recompensados» com promoções após serem de tal denunciados pelas vítimas. Como o caso do padre Neil Gallanagh, que se declarou culpado de pedofilia com os pupilos (surdos) do St John’s Roman Catholic School for the Deaf em Wetherby, West Yorkshire. O padre Gallanagh foi promovido a esta posição depois de ter sido condenado… a uma multa de 30 libras … por ter violado um rapaz de 9 anos da sua congregação de Craigbane em Derry, Irlanda do Norte, durante uma viagem à Ilha de Man.

Enquanto aqueles que denunciam e tentam ajudar as vítimas de pedofilia são… suspensos, como aconteceu a Bob Hoatson, um padre de New Jersey, que num testemunho em Maio do ano passado, se atreveu a dizer a verdade: afirmou que os responsáveis da Igreja católica têm mentido sistematicamente sobre os casos de pedofilia!

7 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Madonna e a cruz

Quando várias empresas se conluiam para concertar preços e sabotar a concorrência, o crime é punido por instituições públicas que têm por fim impedir distorções ao mercado, facilitar a entrada de novos fornecedores e defender os interesses dos consumidores.

Nem os liberais mais exaltados condenam a aplicação de coimas e outras sanções penais que garantam a concorrência honesta. Foram, aliás, condenadas, há pouco, empresas que combinavam entre si os preços de medicamentos.

Mais danosas do que as empresas farmacêuticas são as transnacionais da fé que vendem mezinhas para salvação da alma.

A crucificação encenada por Madonna levou clérigos católicos, muçulmanos e islâmicos a unirem-se nos protestos e uivarem em uníssono contra a opção estética da cantora.

A cruz é um antigo instrumento de tortura que sacrificou homens e mulheres. Abundam pinturas e esculturas que documentam o sofrimento feminino. A suposta crucificação de Cristo não confere ao cristianismo o monopólio do logótipo nas coreografias litúrgicas.

Os cristãos exploram com a cruz o negócio da fé, exibindo o sofrimento do seu Deus, e tentam apropriar-se do símbolo, em exclusivo.

Sempre que a liberdade possa ser posta em causa, solidarizam-se as religiões do livro. É a vocação totalitária a unir três credos que se odeiam entre si.

Se as democracias tolerarem as prepotências clericais, hoje a cruz não pode ser usada em coreografia profana, amanhã não pode servir de cabide a um casaco para evitar os vincos, depois proíbem-se as contar de somar e, finalmente, a santidade torna-se obrigatória.

É preciso conter os loucos e fanáticos que pretendem crucificar a liberdade.

7 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Impunidade em nome de Deus II

Há uns tempos, a propósito de mais um caso de pedofilia no seio de uma igreja cristã, um dos nossos devotos leitores, próximo do Comunhão e Libertação, acusava-me de querer minar o celibato da Igreja Católica com os meus posts sobre abuso sexual perpetrado por membros do clero cristão. Na realidade, pessoalmente considero que o celibato, embora contra natura, não é o problema principal subjacente. O problema é o poder absoluto que corrompe absolutamente, é o sentimento de impunidade que as religiões conferem.

Os membros mais vulneráveis de uma igreja são vítimas frequentes da ganância, manipulação e ou depravação sexual do respectivo pastor. Pastor, que se sente impune para praticar estes crimes já que se considera representante na Terra de um poder supremo, mandatário de uma autoridade «divina», acima das leis dos homens.

Como é indicado no artigo sobre o reverendo King, defendo que o estado deve garantir a liberdade de religião dos seus cidadãos mas por outro lado não pode demitir-se da responsabilidade de os proteger das predações religiosas. Liberdade religiosa não é impunidade religiosa, as igrejas devem estar sujeitas às leis do respectivo país. A linha sobre o que é liberdade religiosa e o que é criminalidade religiosa deve ser bem demarcada. E as actividades da religião devem ser vigiadas para que os cidadãos não sejam vítimas da sua própria credulidade e da manipulação por gente mal formada. Não há leis «divinas», os que pretendem falar em nome de um qualquer Deus deviam estar sujeitos às mesmas leis dos restantes cidadãos!

A promessa e encenação de milagres sortidos, como é o modo de operação por exemplo da IURD ou da Igreja Maná, deveria ser considerada publicidade enganosa e como tal proibida. Não há nem nunca houve qualquer tipo de «milagres»!

De igual forma a instigação ao ódio, seja ele ao ódio contra minorias sexuais ou ao ódio contra os infiéis, ateus ou os que não seguem os preceitos do livro «sagrado», seja este livro a Bíblia, o Corão ou outra qualquer colecção dos dislates de um alucinado, deveria ser criminalizada. Os púlpitos não podem ser utilizados para uma dada religião impor as respectivas aberrações a todos!

Em relação ao abuso sexual de fiéis por parte de membros do clero, nomeadamente católico, a igreja deveria ser obrigada a denunciar às autoridades todos os casos de que tivesse conhecimento. A prática corrente de encobrimento a todo o custo da pedofilia em particular, traduzida num documento do actual Papa, debitado em 2001 ainda como Cardeal Ratzinger, que ordenou ficarem em segredo pontifício todos os casos de abuso sexual de menores por parte de sacerdotes católicos, deveria constituir um crime público!

Se, como na homília de hoje do cavaleiro da pérola redonda, J.C. das Neves, que reconhece os muitos crimes cometidos pela Igreja ao longo dos tempos, «o maior mal-entendido da História» é não perceber que a Igreja é «o único abrigo dos maus», algo de que nunca tive quaisquer dúvidas, porque razão persiste a Igreja em armar-se em depositória da «verdade absoluta», em guardiã intransigente da «moral e bons costumes» e acima das leis dos homens?

Porque será que persiste em achar legítimo que os crimes cometidos em nome de Deus só por Deus podem ser julgados e devem ser perdoados enquanto, por exemplo no caso do aborto, considerado um «crime» pior que a pedofilia, exige que se mande para a cadeia as mulheres que decidam por interromper uma gravidez, mesmo no caso de aborto terapêutico em que a vida da mulher (ou criança) corre risco?

Não é relativismo, não é criar um sentimento de impunidade inadmissível afirmar que mesmo os mais «horríveis pecadores» serão perdoados e até conduzidos «à glória, logo que se convertam»? Porque razão um crente deve ser perdoado e um não crente castigado? Que comportamento ético podemos esperar dos seguidores de uma religião que assenta nestes pressupostos?

7 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Impunidade em nome de Deus

O reverendo Emeka Ezeuko King, da Christian Praying Assembly (CPA) em Lagos, Nigéria, foi acusado pelo ministério público local de conspiração e assassínio depois de ter ateado fogo em 7 dos seus fiéis. Uma das vítimas, Ann Uzoh, não resistiu ao tratamento de choque do devoto pastor, que se autointitulava o Cristo dos nossos dias, para obrigar os pecadores a confessar o «crime» de imoralidade sexual.

De acordo com as testemunhas, no fatídico dia, 22 de Julho passado, o reverendo King primeiro tentou arrancar-lhes a confissão de tão imoral e anti-cristã conduta a golpes de uma barra metálica. Depois, com a colaboração da reverenda irmã Kelechi, igualmente em custódia policial, aspergiu os pecadores com gasolina e deitou-lhes fogo.

King é um líder religioso carismático, o Jesu Oyingbo, que prometia milagres tais como «inoculação espiritual» contra o HIV/SIDA, cancro e todas as doenças relacionadas com sangue. Aparentemente «inoculava» de forma mais carnal as mulheres da sua congregação, mesmo as casadas.

O abuso sexual dos fiéis, sejam eles adultos ou crianças, é, como já escrevi inúmeras vezes, recorrente no clero cristão. Mais um exemplo chega-nos dos Estados Unidos, em que o bispo Terry Hornbuckle está a ser julgado por violação de 3 mulheres da sua congregação. Uma dessas mulheres foi violada por Hornbuckle na sequência de um encontro privado em que este pretendia dissuadi-la de comportamentos «contrários à lei da Igreja», já que tinham chegado ao «moralista» pastor rumores de que a mulher em causa era homossexual.

Os dois casos têm em comum o facto de os clérigos envolvidos serem «estrelas» (cadentes) no panorama religioso local, com frequentes aparições nos media dos respectivos países e a sua popularidade de certa forma lhes ter concedido um sentimento de impunidade, nomeadamente no que diz respeito à imposição nas congregações respectivas da sua visão aberrante de (i)moralidade sexual.