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Impunidade em nome de Deus II

Há uns tempos, a propósito de mais um caso de pedofilia no seio de uma igreja cristã, um dos nossos devotos leitores, próximo do Comunhão e Libertação, acusava-me de querer minar o celibato da Igreja Católica com os meus posts sobre abuso sexual perpetrado por membros do clero cristão. Na realidade, pessoalmente considero que o celibato, embora contra natura, não é o problema principal subjacente. O problema é o poder absoluto que corrompe absolutamente, é o sentimento de impunidade que as religiões conferem.

Os membros mais vulneráveis de uma igreja são vítimas frequentes da ganância, manipulação e ou depravação sexual do respectivo pastor. Pastor, que se sente impune para praticar estes crimes já que se considera representante na Terra de um poder supremo, mandatário de uma autoridade «divina», acima das leis dos homens.

Como é indicado no artigo sobre o reverendo King, defendo que o estado deve garantir a liberdade de religião dos seus cidadãos mas por outro lado não pode demitir-se da responsabilidade de os proteger das predações religiosas. Liberdade religiosa não é impunidade religiosa, as igrejas devem estar sujeitas às leis do respectivo país. A linha sobre o que é liberdade religiosa e o que é criminalidade religiosa deve ser bem demarcada. E as actividades da religião devem ser vigiadas para que os cidadãos não sejam vítimas da sua própria credulidade e da manipulação por gente mal formada. Não há leis «divinas», os que pretendem falar em nome de um qualquer Deus deviam estar sujeitos às mesmas leis dos restantes cidadãos!

A promessa e encenação de milagres sortidos, como é o modo de operação por exemplo da IURD ou da Igreja Maná, deveria ser considerada publicidade enganosa e como tal proibida. Não há nem nunca houve qualquer tipo de «milagres»!

De igual forma a instigação ao ódio, seja ele ao ódio contra minorias sexuais ou ao ódio contra os infiéis, ateus ou os que não seguem os preceitos do livro «sagrado», seja este livro a Bíblia, o Corão ou outra qualquer colecção dos dislates de um alucinado, deveria ser criminalizada. Os púlpitos não podem ser utilizados para uma dada religião impor as respectivas aberrações a todos!

Em relação ao abuso sexual de fiéis por parte de membros do clero, nomeadamente católico, a igreja deveria ser obrigada a denunciar às autoridades todos os casos de que tivesse conhecimento. A prática corrente de encobrimento a todo o custo da pedofilia em particular, traduzida num documento do actual Papa, debitado em 2001 ainda como Cardeal Ratzinger, que ordenou ficarem em segredo pontifício todos os casos de abuso sexual de menores por parte de sacerdotes católicos, deveria constituir um crime público!

Se, como na homília de hoje do cavaleiro da pérola redonda, J.C. das Neves, que reconhece os muitos crimes cometidos pela Igreja ao longo dos tempos, «o maior mal-entendido da História» é não perceber que a Igreja é «o único abrigo dos maus», algo de que nunca tive quaisquer dúvidas, porque razão persiste a Igreja em armar-se em depositória da «verdade absoluta», em guardiã intransigente da «moral e bons costumes» e acima das leis dos homens?

Porque será que persiste em achar legítimo que os crimes cometidos em nome de Deus só por Deus podem ser julgados e devem ser perdoados enquanto, por exemplo no caso do aborto, considerado um «crime» pior que a pedofilia, exige que se mande para a cadeia as mulheres que decidam por interromper uma gravidez, mesmo no caso de aborto terapêutico em que a vida da mulher (ou criança) corre risco?

Não é relativismo, não é criar um sentimento de impunidade inadmissível afirmar que mesmo os mais «horríveis pecadores» serão perdoados e até conduzidos «à glória, logo que se convertam»? Porque razão um crente deve ser perdoado e um não crente castigado? Que comportamento ético podemos esperar dos seguidores de uma religião que assenta nestes pressupostos?