24 de Outubro, 2006 jvasco
Religião e obscurantismo V
Depois de todos os exemplos referidos ao longo desta série (I, II, III e IV), o novo Papa vem acrescentar mais um.
Depois de todos os exemplos referidos ao longo desta série (I, II, III e IV), o novo Papa vem acrescentar mais um.
A blinologia é a disciplina do conhecimento e revelação que estuda os Blins, como o nome indica. Responderei aqui a algumas perguntas acerca desta visão do Universo, que abarca as questões mais profundas acerca do sentido da nossa existência.
O que são os Blins?
Os Blins são os perfeitos criadores do Universo, omnipotentes, omniscientes e omniverdes. São a Origem e o Fim, a Vida e a Morte, o A e o Ya. O blinólogo escolástico São Francisco de Alcabideche declarou em 1208 que os Blins seriam também aqueles alfinetes com cabeça em forma de joaninha que se espetam nas plantas de plástico. Historiadores modernos afirmam tratar-se de um erro na tradução do original hebraico, mas hoje em dia a adoração destes adereços é uma parte importante do culto Bliniano.
Porquê estudar os Blins?
O estudo dos Blins é o mais elevado empreendimento do intelecto humano, pois é a única via para revelar o propósito do Universo, o sentido da vida, e a verdadeira utilidade dos alfinetes com cabeça em forma de joaninha.
Mas não há evidências que os Blins existam, pois não?
A existência dos Blins é uma questão metafísica e transcendente que não pode ser abordada pela ciência, pois o método científico assume à partida uma posição exclusivamente ablínica. Mais, aceitar a existência dos Blins é um acto de fé, e a única forma de receber a Sua graça. Por isso nunca poderá haver argumentos ou evidências que demonstrem a existência dos Blins.
E se a fé não me chega para aceitar que os Blins existem?
Nesse caso, há argumentos e evidências que demonstram a existência dos Blins. Por exemplo, o argumento ontológico. Sendo os Blins os seres mais perfeitos que se pode conceber, e sendo um ser que existe mais perfeito que um que não existe, forçosamente os Blins terão que existir. Podemos também demonstrar a sua existência pelo argumento da afirmação, que diz que os Blins existem porque sim.
As evidências são também claras. O Universo é de tal forma complexo que a sua origem não pode ser explicada pelo acaso, o que prova que é uma criação dos Blins. Também a natureza humana testemunha a existência dos Blins, pois todos os povos e culturas crêem em seres sobrenaturais.
Quantos Blins existem?
O Credo Blim é bastante claro e explícito, dispensando qualquer explicação: «Creio em três Blins, e apenas três. Creio que os Blins são exactamente vinte e seis, e o seu número, que é quantos são, é trezentos e doze. Excepto às quartas feiras.»
Mas isso não é uma contradição?
Não.
Como explicar a existência do vermelho?
Este um dos grandes problemas por resolver na blinologia. Sendo os Blins omnipotentes e omniverdes, a existência do vermelho é algo surpreendente. Será talvez um mistério que ficará para sempre além da compreensão humana. Mas a hipótese mais aceite é que a existência do vermelho foi consequência do livre arbítrio humano, e da escolha que levou à expulsão do Paraíso, onde tudo era verde. Este exercício de vontade que levou a espécie humana a afastar-se da perfeição do verde é relatado com grande beleza nos escritos sagrados Blim, nomeadamente na história de Lucinda, o tremoceiro, e os três porcos cantores.
E o que faz um blinólogo?
Como investigador, o blinólogo pesquisa textos antigos de blinólogos já falecidos, num esforço incessante para rescrever as mesmas ideias em frases ligeiramente diferentes. Este trabalho de leitura e contemplação metafísica tornam-no especialmente apto para se pronunciar sobre temas como a investigação em medicina, genética molecular, contracepção, e a orientação sexual de cada indivíduo.
——————————–[Ludwig Krippahl]
Religião e moral normalmente aparecem juntas, e dizem-nos muitas vezes que a religião fundamenta a nossa moral, e que as questões morais são do domínio da religião. Mas é treta.
Vejamos a religião Cristã, que considera a Bíblia como um conjunto de textos sagrados, divinamente inspirados, que servem de guia moral. Mas só se for para mostrar o que não fazer. O antigo testamento está repleto de barbaridades, desde bater nas crianças (Prov. 13:24) até ao genocídio a mando de deus, passando pelo incesto, escravatura, e maus tratos às mulheres. O novo testamento parece um pouco melhor, mas mesmo assim aceita-se a escravatura (e.g. Filémon), e a discriminação sexual continua (e.g. 1 Timóteo 2:11-12).
A maioria dos cristãos dirá que temos que considerar o contexto social e os costumes da época, e não podemos aplicar directamente os mesmos princípios à nossa sociedade. Mas então a Bíblia não é um bom guia moral para quem vive agora. Além disso, não me convencem que mesmo há dois mil anos atrás o genocídio, a escravatura, e os maus tratos a mulheres e crianças eram coisas boas, e apenas se tornaram más porque passaram de moda.
E os dez mandamentos. Outro embuste. Se tanto, aproveita-se dois ou três. Os dois primeiros proíbem-nos de ter outros deuses e de dizer o nome deste. Duas palavras, meus senhores: liberdade religiosa. O terceiro diz que não podemos trabalhar ao Sábado, sob pena de morta. Sinceramente. O quarto diz que devemos honrar os nossos pais. Se forem decentes, está bem, mas pais como os do antigo testamento, que davam paulada nos filhos e os apedrejavam por desobediência, esses não.
Em quinto lugar, não matarás. Curiosamente, aqui os cristãos já não exigem que se veja isto no contexto social e cultural. É que este mandamento quer dizer especificamente não matarás Judeus. Como ilustram inúmeros exemplos no antigo testamento, matar outros grupos étnicos (incluindo mulheres e crianças) era perfeitamente aceitável. Mas vá lá, aceite-se este com as devidas adaptações.
Em sexto, «Não cometerás adultério». Eu propunha substitui-lo por «Não meterás o bedelho no que não te diz respeito». Em sétimo, não roubar. Novamente, o que eles queriam dizer era não roubar os da tribo, mas está bem, este serve.
O oitavo proíbe que levantemos falso testemunho contra o próximo. Este está no bom caminho, mas deixa muito a desejar. Se é para ser um guia moral, eu punha «Não serás desonesto», e incluiria nisto a proibição de impingir religiões às crianças, de prometer o céu e o inferno, e de afirmar que se sabe o que deus quer ou não quer.
Os últimos dois são treta: não desejar a mulher do próximo e não cobiçar. Se não fazemos mal a ninguém, deixem-nos lá sonhar… Em suma, podemos adaptar o não roubar nem matar, incluir o do falso testemunho numa obrigação de honestidade, e do resto não se aproveita nada.
A própria ideologia cristã é profundamente imoral. O seu símbolo é o sacrifício de um inocente para redimir outros. Todos temos que ser redimidos porque já nascemos culpados por aquilo que os nossos antepassados fizemos. O grande pecado que nos condena foi descobrir a diferença entre o bem e o mal, e foi cometido por quem ainda nem sabia distinguir o bem do mal! A base do cristianismo é injustiça atrás de injustiça. Que raio de fundamento para a moral.
Mas o pior de tudo é a ideia que devemos basear a nossa moral na Bíblia, ou em qualquer outra coisa. Aquele que não mata nem rouba porque considera errado fazê-lo tem uma moral superior ao que não mata nem rouba porque um livro o proíbe. É melhor pessoa a que age bem a mando da sua consciência do que aquele que age a mando de deus, da Bíblia, dos padres, da lei, ou de outro factor externo qualquer.
A religião não nos pode dar moral, pois é a moral que fundamenta todas as nossas escolhas. A nossa consciência é que deve filtrar os disparates e injustiças das tradições religiosas. Se o religioso não impõe uma moral à sua religião, a religião torna o religioso imoral.
——————————–[Ludwig Krippahl]
Nos posts anteriores vimos essencialmente o que o Direito Penal não deve ser e as razões históricas porque continua arreigada a convicção de que os pecados/crimes devem ser punidos nos países que não foram permeados pela laicidade e a influência da religião, nomeadamente da Igreja Católica, continua a minar o pensamento colectivo.
Como já referi, num estado laico todo e qualquer ramo do Direito deve ser livre de concepções religiosas ou morais, ou seja, a lei não deve proibir algo apenas porque considerado «imoral», mesmo que pela maioria da população. É moralmente errado o adultério mas apenas nas teocracias mais abomináveis os adúlteros são punidos pelo seu pecado (para além dos documentos constantes do link anterior pode assinar esta petição para tentar evitar que sete mulheres iranianas sejam apedrejadas até à morte pelo «crime» de adultério)!
Assim, a argumentação da Igreja e seus apaniguados contra a despenalização do aborto assenta em princípios que violam os axiomas subjacentes ao Direito num estado democrático e laico! Apenas numa teocracia a lei transcreve os «valores da cultura de um povo», eufemismo que Policarpo utiliza para sustentar que os preconceitos religiosos devem contaminar o Direito Penal nacional.
Já desde o século XIX que se aceita o preconizado por John Stuart Mill segundo o qual a lei não deve criminalizar práticas que não prejudiquem terceiros. Assim, devem ser revogadas leis que criem «crimes sem vítimas», na sua maioria leis assentes em morais religiosas que criminalizam ou proibem pecados como a homossexualidade, o aborto, o divórcio, o adultério, a fornicação, etc..
Manter leis que criam «crimes sem vítimas» é uma forma inadmíssivel em democracia de obrigar todos a conformarem-se aos padrões morais de alguns, é impor via direito as convicções religiosas desses alguns, mesmo que em maioria. Assim, mesmo quem considera o aborto «imoral» mas considera que não é equivalente a um homicídio deve votar sim no referendo de despenalização. Caso contrário estará a impor a sua moral pessoal a toda a população mantendo um crime sem vítimas. Ou seja, está a violar todos os princípios em que assenta a nossa civilização!
Porque de facto o que está em jogo no referendo ao aborto não é nem a moralidade do mesmo ou, como pretendem os mais falaciosos que já começaram a sua tarefa «divina» de envenenamento da opinião pública, saber se os nossos impostos devem pagar os abortos alheios – o que, considerando os tempos de espera no nosso sistema de saúde pública e o prazo de dez semanas a referendar, não parece muito plausível.
O que está em jogo é decidir se têm direito incondicional à vida um zigoto e um embrião. Ou seja, se devemos conferir o estatuto jurídico de pessoa a um zigoto, embrião e, como a argumentação é exactamente a mesma, a «humanidade» igualada a um genoma, a uma célula estaminal totipotente.
Essa decisão dever-se-ia assim simplesmente basear no estatuto ético do embrião, isto é, se os cidadãos consideram que um embrião deve ter o mesmo estatuto de uma pessoa e consequentemente abortar é equivalente a assassinar alguém.
Em Portugal os debates sob o tema com que fomos mimoseados no passado são lições deploráveis sobre o que não deve ser um debate, com argumentos falaciosos de ambos os lados que nunca abordam o tema em que deveria assentar a discussão. É igualmente deplorável que sejam convidados para os debates não quem de direito, bioéticos e filósofos especializados em ética, mas, para além de políticos, exactamente quem nunca deveria ter assento – se de facto Portugal fosse um estado de direito, democrático e laico – num debate sobre o tema: representantes da Igreja Católica, tanto leigos como assalariados!
tag Aborto
A Renascença e o humanismo renascentista propiciaram a contestação do governo por direito divino e da barbárie que passava por Direito Penal. Machiavelli (final século XV princípio século XVI), o pioneiro na contestação do direito divino e o primeiro a propôr a separação igreja-estado, introduziu uma nova concepção de Política, separando o pensamento racional político da religião e o direito da moral religiosa.
Filósofos políticos como Mandeville, Voltaire, John Locke, Thomas Hobbes, Hume, Diderot, Helvetius ou Montesquieu continuaram a questionar a hegemonia da Igreja Católica na esfera política e jurídica e inspiraram Cesare Bonesana Marchese di Beccaria (1738-1794), um dos pais do utilitarismo moderno, a escrever o clássico Dei deliti e delle pene, onde pregava a certeza da punição como tendo maior eficiência que a gravidade dos castigos. Cesare foi acusado de heresia pela publicação deste livro e viu-se obrigado a dar um testemunho público dos seus princípios religiosos. O receio de novas perseguições levou-o a renunciar às dissertações filosóficas.
De facto, o tratado «Dos Delitos e das Penas», a filosofia francesa aplicada à legislação penal, era certamente «herege» para a época, já que estabelece limites entre a justiça divina e a justiça humana, entre os pecados e os delitos; condena o direito de vingança e toma por base do direito de punir a utilidade social; declara inútil a pena de morte e reclama a proporcionalidade das penas aos delitos, assim como a separação do poder judiciário e do poder legislativo. O seu sucesso foi imediato, sobretudo entre os filósofos franceses, e é o precursor do nosso direito de ultima ratio cuja finalidade primordial é a prevenção (e não a punição como muitos pensam).
Mas a influência nefasta da Igreja católica permaneceu (e permanece nalguns países) no Direito ocidental e a confusão entre crime e pecado e a ideia de que este deve ser punido de forma violenta para que o criminoso chegue ao arrependimento após sofrer torturas e isolamento persiste ainda.
Num país que já saiu há mais de 30 anos de uma ditadura em que, contrariamente ao que pretende a RTP na sua biografia de Salazar, não existia separação entre o Estado e da Igreja e em que o direito transcrevia a «moral» católica, sendo criminalizados os «pecados», seria de esperar que esta confusão entre crime e pecado e convicção de que o «pecador» deve pagar pelos seus pecados/crimes fossem algo do passado.
Mas as aberrantes declarações debitadas aquando da recente abertura oficial da nova (e anacrónica numa democracia) licenciatura de Direito Canónico da Universidade Católica Portuguesa mostram que os fundamentalistas católicos não foram permeados pela modernidade e acham-se no direito de subordinar toda a sociedade à ditadura do Vaticano.
Como já disse, democracia não é equivalente a ditadura da maioria, democracia pressupõe um estado de Direito, pluralismo, tolerância e respeito dos direitos de todos. É lamentável que o Cardeal Patriarca de Lisboa tenha tentado perverter o estado de Direito afirmando que as «leis devem respeitar os grandes valores da cultura de um povo». E que o reitor da Universidade Católica, Braga da Cruz, tenha confundido teocracia com democracia ao declarar que «No caso do aborto, mas também em toda a legislação atinente ao matrimónio e à sexualidade, é importante que a legislação respeite os valores da grande maioria da população portuguesa».
Qualquer taliban estaria plenamente de acordo com ambos!
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Teodoro di Tarso, autor do Poenitentiale Theodori, fresco em Sant’Abbaciro, Roma. Recomendo a leitura (em latim) do capítulo II, que dá pelo título De Fornicatione.
O Direito Penal é, muito provavelmente, a especialidade do Direito mais conhecida de toda a população já que é ele que dá conta dos crimes e das penas a serem aplicadas. É hoje em dia considerado como um Direito Público, ou seja, diz respeito a toda a comunidade e não a pessoas isoladamente.
Na Europa dos governantes por direito divino o apogeu e queda da hegemonia da Igreja Católica pode ser acompanhada na evolução do Direito Penal que foi durante séculos apenas o castigo imposto a quem violava a «lei divina», um castigo retributivo, «ao mal do crime, o mal da pena».
De facto, a Igreja considerava a pena como uma penitência para a remissão dos pecados, a um pecado mais grave correspondia uma penitência maior. Aliás, daí o termo ainda hoje alternativo a prisão, penitenciária, que designava os locais de reclusão para onde eram enviados os que transgrediam as «leis divinas» e não tinham posses para remir a penitência com indulgências.
A diferença entre estas penitenciárias e conventos e mosteiros era inexistente para muitos dos internados nestas instituições, a principal diferença residindo no facto de que nas penitenciárias os reclusos penitenciavam-se durante uma estadia temporária, cuja duração era determinada pela gravidade do pecado.
Erving Goffman, no seu livro de 1987 «Manicómios, Prisões e Conventos» analisa o que denomina de Instituições Totais e trata das características de cada uma dessas Instituições e dos internos que delas fazem parte. É interessante notar nesta obra as semelhanças encontradas pelo autor entre estas Instituições e sob que justificativas foram criadas e mantidas.
Nem todos os pecados podiam ser passíveis de remissão e assim eram previstas penas de morte para os pecados imperdoáveis, como a heresia. As execuções eram conduzidas na praça pública, utilizando a fogueira, forca, guilhotina e outros instrumentos, em que aqueles que hoje se arvoram em defensores intransigentes da vida e cruzados contra o «relativismo» – que não aceita as «verdades eternas e absolutas» de que a Igreja é detentora – transformavam a morte de hereges em espectáculos populares.
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Um governante polaco, Miroslaw Orzechowski, vice-ministro da Educação, considera a teoria da evolução de Darwin uma mentira. O dirigente político da Liga das famílias polacas (LPR, extrema-direita ultra-católica) considera o evolucionismo «uma história de carácter literário que poderia servir de guião a um filme de ficção científica».
Tal como nos EUA, onde a teoria criacionista vai sendo imposta, também na Europa começam a aparecer defensores da verdade, única e imutável, a que vem na Bíblia.
Deus fez o Mundo em seis dias e criou o primeiro casal: Adão e Eva. Depois, de forma incestuosa foi-se povoando o Planeta.
Grave é o facto de a demência chegar ao Governo.
Miroslaw Orzechowski é uma espécie de Mariana Cascais na versão polaca.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.