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Categoria: Política

20 de Abril, 2007 Ricardo Alves

Peña-Ruiz: «Cinco questões a Sarkozy»

Tenho destacado abundantemente, nos dois blogues em que escrevo, textos de Henri Peña-Ruiz, o filósofo francês que melhor tem explanado o conceito moderno de laicidade. Recentemente, destaquei um texto de questões a Nicolas Sarkozy, no contexto da eleição presidencial francesa. A Associação República e Laicidade apresenta agora uma tradução desse texto, que merece leitura atenta.
  1. «Primeira pergunta. Os humanistas ateus devem usufruir dos mesmos direitos que os crentes? No seu livro sobre a República e as religiões, reconhece um privilégio à opção religiosa. De acordo consigo, fora desta, não seria possível conferir à conduta da existência as referências de sentido de que ela necessita. Sartre, o ateu, e Camus, o agnóstico, deviam, portanto, ter-se perdido perante as dificuldades da vida… E Bertrand Russel, que escreveu “porque não sou cristão”, devia encontrar-se desarmado face às questões éticas. Não percebe que quem não acredita no céu se pode sentir ofendido pela sua preferência? Honoré d’Estienne d’Orves, católico resistente, mereceria mais consideração do que Gabriel Perecer, ateu resistente? Ambos tombaram vítimas das balas nazis. Conhece a frase do poeta: “aquele que acreditava no céu, aquele que não [acreditava], que importa ao nome dado à clareza dos seus passos se um ia à igreja e o outro lá roubasse” (Louis Aragon, «La Rose et le Réséda»)
  2. Segunda pergunta. Que tipo de igualdade se pretende promover? Diz [Nicolas Sarkozy] pretender a igualdade entre as religiões e, para tal, encara a possibilidade de construir, com fundos públicos, lugares de culto, nomeadamente para permitir aos cidadãos de confissão muçulmana compensar o défice que teriam nessa matéria relativamente aos católicos que usufruem gratuitamente das igrejas construídas antes de 1905, ainda que esse direito de uso resulte de «afectação especial» e esteja limitado aos momentos da prática religiosa. Não pede, contudo, idêntico financiamento para edifícios destinados ao livre pensamento ou para templos maçónicos. Será que se assume partidário da discriminação entre os cidadãos de acordo com as opções espirituais em que eles se reconhecem? Para si, a igualdade republicana deveria reduzir-se à igualdade entre os diversos crentes, com exclusão dos humanistas ateus ou agnósticos? (…) Desde 1 de Janeiro de 1906 que a construção de novos locais de culto está unicamente a cargo dos fiéis, qualquer que seja a religião. É essa a regra, e os frequentes desvios que a ridicularizam não podem fazer jurisprudência, tal como o desrespeito pelos sinais dos semáforos não pode constituir motivo para a sua abolição.
  3. Terceira pergunta. Que prioridade para os poderes públicos? O relatório Machelon, que colhe a sua simpatia [de Nicolas Sarkozy], recorre ao conceito de liberdade religiosa, para permitir resvalar da garantia do «livre exercício dos cultos», garantido pelo primeiro artigo da lei, para o financiamento supostamente necessário dos cultos. Belo jogo de palavras e verdadeiro golpe de mão que pode bem enganar. Em República, só o interesse geral, comum a todos, visando bens e necessidades de alcance universal, merece financiamento público. Ora a religião não constitui um serviço público, tal como o são a instrução, a cultura ou a saúde. Na verdade, ela respeita unicamente aos seus crentes, isto é, a uma parte dos cidadãos. Os poderes públicos, cujos fundos resultam de impostos pagos tanto por ateus como por crentes, não devem, pois, financiar os cultos, tal como não devem financiar a divulgação do ateísmo. Está de acordo? (…)
  4. Quarta questão. Que concepção de luta contra o fanatismo? Afirma [Nicolas Sarkozy] querer evitar as intervenções estrangeiras, nomeadamente os financiamentos [ao culto religioso] vindos de países que pouco respeitam os valores republicanos e democráticos. E sustenta que pagando se poderá ter tudo sob melhor controlo. Falsa evidência. Pois que relação jurídica [pode existir] entre o financiamento e o direito de observar os objectivos dos responsáveis religiosos nos locais de culto? Ela só pode existir através do restabelecimento de um processo concordatário, ou seja anti-laico. Napoleão fez a Concordata de 1801 no compromisso de um financiamento público dos cultos cujas autoridades religiosas demonstrassem fidelidade ao seu poder. O catecismo imperial de 1807 radicalizou este sistema bastante humilhante para os crentes já que, afinal, os compra. Numa república laica, não pode existir fidelidade resultante de privilégio. Quer-se impor uma ortodoxia às religiões? (…)
  5. Quinta pergunta. O que sobra do laicismo e da República se se restabelecer um financiamento discriminatório? A República não é uma justaposição de comunidades particulares. Em França, não existem cinco milhões de «muçulmanos» mas cinco milhões de pessoas oriundas da imigração magrebina ou turca, muito diferentes nas suas opções espirituais. Um inquérito recentemente publicado pelo Le Monde, precisou que só uma pequena minoria desta população frequenta a mesquita, a maior parte faz da religião um assunto privado, só se referem ao Islão por uma espécie de solidariedade imaginária. Assim sendo, deve a República renunciar ao laicismo para satisfazer esta minoria ou concentrar os fundos públicos e redistribui-los pelos serviços públicos, pela gratuitidade dos cuidados de saúde, pela habitação social, ou pela luta contra o insucesso escolar, que abrangem, incontestavelmente, todos os homens, sem distinção de nacionalidade ou de opções espirituais? Não constitui dever dos homens políticos explicar que é pelo assegurar de iniciativas de serviço público de qualidade, igualmente proveitosas para crentes e ateus, e pela luta contra todo o tipo de discriminação que o Estado facilita, a uns e a outros, o financiamento voluntário das suas opções de convicção? (…)»

(Ler na íntegra.)

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

1 de Abril, 2007 Helder Sanches

Pete Stark quebra tabu


Finalmente, um representante no Congresso dos Estados Unidos assume não acreditar em qualquer deus!

Pete Stark, um dos representantes da Califórnia no Congresso, assumiu esta semana publicamente o seu ateísmo. Esperemos que a sua coragem sirva de exemplo a outros que são reféns do sucesso eleitoral e não têm tido a mesma postura. Recordo que assumir uma posição contrária à crença em deus é considerado suicídio politico nos Estados Unidos.

Veremos se Stark se trata de um caso isolado, fruto do seu eleitorado ser dos menos conservadores em todos os Estados Unidos, ou se a coragem é contagiante. De qualquer forma, por muito ténue que seja, é uma ponto de luz ao fundo do túnel.

Para saber mais, ler aqui.

(Diário Ateísta/Penso, logo, sou ateu)

8 de Março, 2007 Ricardo Alves

O cardeal no protocolo da TV pública

Na comemoração dos 50 anos da RTP, lá estava a sotaina de José Policarpo, sempre um passo atrás do Presidente da República e um passo à frente de dois ministros do governo da República. Como se não bastasse, benzeu o monumento dos 50 anos da RTP, um gesto «mágico» cujas consequências se ignoram.

Tendo em conta que se fez uma lei de protocolo de Estado, há menos de um ano, pela qual o cardeal-patriarca de Lisboa deixou de ter lugar no protocolo de Estado, como deve ser interpretada a atitude de uma das mais emblemáticas empresas públicas, ao colocar o cardeal Policarpo no protocolo da TV pública? Foi uma provocação deliberada?

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
2 de Março, 2007 Ricardo Alves

Anticlericalismo não é ateísmo de Estado

«O anticlericalismo não é perseguição a qualquer confissão religiosa ou guerra ao Catolicismo, como crença e como culto, ao seu clero como organização hierarquizada e infalível, encarregada da missão de difundir a fé cristã no Universo. Muito menos comporta a ideia de uma política ateísta, isto é, materialista, de negação e combate aos sentimentos religiosos. Seria absurdo e temerário, inconcebível e revoltante, o Estado tentar aniquilar qualquer crença ou confissão religiosa, todo o culto ou qualquer culto. (…) Não é assim que se compreende o anticlericalismo. O Estado republicano e os seus governos pretendem, simplesmente, proclamar a supremacia do poder civil pelo respeito de todas as religiões e garantir a liberdade de desenvolvimento de todos os cultos, dentro de um Estado que adquiriu a sua plena soberania política e moral.»

(As palavras são de Alberto Xavier, na sua obra de 1912 «Política republicana em matéria eclesiástica»; Alberto Xavier colaborou no governo republicano que legislou a separação entre Estado e Igreja.)

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
12 de Fevereiro, 2007 Ricardo Alves

Terramoto: o Estado a ajustar-se a uma sociedade em mudança

A laicidade avança quando os debates sobre as leis do Estado são racionais e pragmáticos, e não teológicos e dogmáticos. Quando os crentes aceitam raciocinar sobre a res publica pondo de lado os argumentos do clero que lhes exige obediência, e preocupando-se em primeiro lugar com a comunidade política que existe tanto para eles como para os ateus, a fé passa finalmente a ser um assunto privado e não político. Deu-se um passo importante nesse sentido na campanha para o referendo de ontem (muito mais do que em 1998, alguns católicos leigos assumiram abertamente o seu voto pela despenalização; o único sacerdote católico que o fez claramente foi o Mário de Oliveira).

A ICAR, principalmente a hierarquia e a sua ala mais reaccionária, sofreram a sua maior derrota desde o 25 de Abril. Tinham-se empenhado muito mais do que em 1998, quando partiram do princípio de que o «sim» ganharia e tentaram desvalorizar o referendo fazendo um apelo misto ao «não» e à abstenção. Desta vez envolveram-se a fundo, desde a CEP até aos movimentos de leigos, o que ajuda a explicar que o «não» tenha obtido mais 200 mil votos do que em 1998. No entanto, as maiores subidas percentuais do «sim» deram-se nas regiões mais conservadoras.

Os políticos derrotados neste referendo chamam-se António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa. Em 1998, após o Parlamento votar favoravelmente a despenalização, reuniram-se em privado, talvez tenham orado, e decidiram criar um obstáculo à legalização da IVG. Lideravam os dois maiores partidos nacionais e pensaram sobretudo no interesse da igreja a que pertenciam. Por responsabilidade deles, as mulheres que abortaram na última década fizeram-no na clandestinidade.

O Estado começa agora a acertar o passo com uma sociedade que desde o 25 de Abril se tem secularizado rapidamente (de 1973 até 2005, os casamentos civis passaram de 18% para 45%; os nascimentos fora do casamento, de 7% para 31%; os divórcios, de 1 por cada 100 casamentos para 47 por cada 100 casamentos; os católicos praticantes passaram de 2,44 milhões em 1977 para 1,93 milhões em 2001). Se o «sim» tivesse ganho em 1998, os debates posteriores sobre a Lei da Liberdade Religiosa de 2001 e a Concordata de 2004 teriam sido diferentes.

Perderam os que acreditam que o problema do aborto clandestino se resolve fechando os olhos à realidade e fazendo sermões às mulheres. Ganharam os que preferem enfrentar os problemas, por difíceis que sejam. Ficou mais claro, para os católicos praticantes ou para os católicos culturais, qual é a diferença entre um crime e um pecado, entre uma lei do Estado e uma questão pessoal com a própria religião. Nesse sentido, ganhámos todos.
6 de Fevereiro, 2007 Ricardo Alves

Símbolos religiosos em secções de voto: o que fazer e como fazer

Como é sabido, existem muitas secções de voto em Portugal com símbolos religiosos visíveis (crucifixos, estatuetas de santos, outras imagens religiosas…). Como também é do conhecimento geral e o Diário Ateísta tem documentado, a ICAR tem feito uma campanha de tipo político a favor de uma das posições a votação no referendo. Assim sendo, é inadmissível que existam dentro das secções de voto, ou na sua proximidade, símbolos identificativos de uma das posições assumidas perante o referendo, pois foi nisso que se tornaram os símbolos da ICAR: símbolos do «não».

A Associação República e Laicidade disponibiliza um formulário para que cada cidadão que o desejar possa apresentar o seu protesto junto da sua secção de voto. Conforme alguns estudos académicos indicam, os símbolos presentes nas secções de voto podem influenciar significativamente as decisões tomadas pelos eleitores. Cabe aos cidadãos defenderem a legalidade e a lisura do acto referendário. (Cada protesto pode ser apresentado em duplicado: uma cópia para o presidente da assembleia de voto e outra para o cidadão que protesta. A Associação República e Laicidade agradece que se envie uma comunicação de cada protesto para mailto:[email protected].)
2 de Fevereiro, 2007 Ricardo Alves

Símbolos religiosos em secções de voto

Nos EUA também há secções de voto com símbolos religiosos: pior ainda, há locais de voto que são igrejas. Felizmente, também há quem proteste. E com razão: segundo um estudo académico que efectuou simulações de voto, cerca de 75% das pessoas a quem foram mostradas imagens de locais de voto neutros (escolas, quartéis de bombeiros…) votaram favoravelmente a investigação científica em células estaminais, mas essa percentagem desce para aproximadamente 50% nas pessoas a quem foram mostradas imagens de locais de voto em igrejas.

Em Portugal, a Associação República e Laicidade levantou esta questão junto da Comissão Nacional de Eleições, que recomendou às câmaras municipais e juntas de freguesia que, no referendo sobre a despenalização da IVG, não coloquem mesas de voto em locais onde existam «outros símbolos» para além daqueles ligados à República.

É necessário que não sejam escolhidas como locais de voto nem igrejas nem escolas com símbolos religiosos, ou pelo menos com estes símbolos visíveis. Só assim será assegurada a plena neutralidade das secções de voto, indispensável a que os cidadãos votem em perfeita liberdade de consciência.