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Categoria: Política

6 de Outubro, 2024 Onofre Varela

Papa Francisco “tropeça” no seu discurso!…

Considero o Papa Francisco I (F1) um elemento renovador da Igreja Católica (IC) pelas atitudes humanistas que tem tomado, de entre as quais se conta a condenação dos abusos sexuais perpetrados no seio da sua igreja por sacerdotes defensores do amor e que tão mal fazem a jovens, abusando-os sexualmente. Jovens que, mercê da violação, têm uma vida de adultos limitada e consumida pela recordação de uma infância destruída por quem os devia proteger.

Qualquer homem, por muito defensor da Justiça, pode incorrer em erro. A prová-lo está o facto de haver juízes com a sua actividade suspensa pela má prática enquanto juristas. Mas quando esse homem é sacerdote, o erro será mais grave porque é (ou pode ser) motivado por uma educação seminarista que molda “agentes religiosos” (em vez de “homens íntegros”), na auto-consideração de serem exemplos morais.

CNN Chile

Motivado pela sua própria educação seminarista, F1 não pode fugir ao fundamentalismo religioso que o moldou e, mercê disso, pode, em alguns momentos, ofuscar o seu discurso que eu elogio.

Desta vez F1 disse algo que merece a reprovação da Associação Ateísta Portuguesa (AAP) da qual sou vice-presidente.

Após visitar a Bélgica, país onde o aborto continua a ser uma questão política, com mais de 500 pessoas a sofreram abusos sexuais por parte de membros da IC, F1 não usou o seu “critério humanista” que eu aprecio. Em vez disso deitou mão à sua “formação seminarista” e debitou um discurso – que eu também reprovo – chamando assassinos (com todo o peso negativo que a palavra contém) aos médicos que cumprem a lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, que a AAP critica numa declaração enviada aos órgãos de comunicação social, com o título: “Associação Ateísta Portuguesa considera perigosas as palavras do Papa relativamente ao aborto”, e que é do seguinte teor:

«A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) considera negligentes e ignóbeis as palavras do Papa Francisco sobre o aborto, proferidas recentemente no regresso de uma visita à Bélgica, uma vez que apelidou os médicos que procedem à interrupção voluntária de gravidez (IVG) de assassinos. Mais concretamente, e citando a Euronews, o Papa disse: “Permitam-me o termo: assassinos. São assassinos. E isto é indiscutível. Estão a matar uma vida humana”. Se a posição da Igreja Católica sobre o aborto não espanta ninguém, por não ser uma novidade, as palavras agora proferidas são de uma enorme gravidade não só porque têm o potencial de colocar os crentes cristãos contra os médicos, como ainda são uma interferência de um chefe religioso nas decisões políticas de um outro país. Sabendo que as palavras geram ações, apelidar os médicos de assassinos pode mesmo levar a que fundamentalistas cristãos da Bélgica se sintam legitimados a atacar os profissionais que realizam esses actos médicos, ou instalações clínicas, como aliás acontece nalguns países. Esta posição de Francisco pode também ter consequências para Portugal, uma vez que, segundo as notícias, são muitos os médicos que se recusam a proceder à prática da IVG alegando objeção de consciência, podendo estar em causa uma motivação religiosa. Lembramos que Francisco tem direito a exprimir a sua opinião, mas não lhe é reconhecida qualquer autoridade para influenciar a política ou a legislação de outros países soberanos. A AAP esclarece que as leis de interrupção voluntária da gravidez protegem a saúde das mulheres, por criarem condições seguras em ambiente médico, e porque contribuem na realidade para uma diminuição do número de situações de aborto. Além disso, a IVG tem lugar durante um período temporal em que o feto ainda não é considerado uma vida humana».

Este discurso recente de F1 tem outras nuances que me parecem negativas: concretamente, oPapa foi questionado por jornalistas sobre as próximas eleições nos EUA, e respondeu que “entre dois males” os americanos deveriam votar no “mal menor” quando forem escolher entre o candidato que quer deportar migrantes (Donald Trump) e aquele que apoia o direito ao aborto (Kamala Harris). Assim, para o Papa, tem mais valor a deportação de migrantes e todas as mentiras políticas de Trump (que, a ser eleito, tornará o mundo num lugar bem mais perigoso para se viver) do que as propostas mais honestas, pacíficas e humanistas, de Kamala!…

Esta atitude papal é baseada na falsa defesa de uma vida que ainda não o é!…A prática da IVG acontece quando o ser humano a ser gerado por aquela gravidez ainda não passa de um projecto. Tal como um projecto arquitectónico não é um edifício, uma pasta de sangue num ovário também não é um ser humano (prova-o o facto de nunca se ter realizado o funeral de um aborto!).

Com todos os males que possam caracterizar F1 enquanto agente da IC, continuo a considerá-lo o melhor Papa que a História recente regista… o que não impede Mário Bergoglio de tropeçar no seu discurso e se estatelar ao comprido… mostrando que o seu lado humanista pode ser distorcido pelas posições tradicionais da Igreja que representa e que estão implantadas bem fundo no seu cérebro como “chip” difícil de retirar.

23 de Agosto, 2024 Onofre Varela

O Mundo ao Contrário

Dois jornais nacionais noticiaram, em dias seguidos, dois casos que sendo de naturezas diferentes e distanciados geograficamente, lhes encontro razões políticas semelhantes… maleficamente semelhantes… pelo desrespeito que os seus responsáveis nutrem pelos cidadãos dos seus países.

O primeiro caso foi noticiado pelo Diário de Notícias no dia 20 de Agosto último, e dá a saber que no espaço de um ano os Talibãs que tomaram o poder no Afeganistão desde que Biden retirou as suas tropas daquele país em Agosto de 2021, já destruíram mais de 20 mil instrumentos musicais e milhares de filmes considerados “imorais” pelo Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício (a meu ver, uma instituição imoral) o qual é responsável pela prisão e assassínio de pacíficos cidadãos, à semelhança do que faz o vizinho Irão que possui um corpo de polícia com a mesma designação e que matou a jovem de 22 anos Masha Amini, em 16 de Setembro de 2022, alegadamente por ter o lenço da cabeça mal colocado permitindo ver-se um tufo de cabelo.

A música e os filmes vulgares que passam nas nossas rádios e nos nossos cinemas – e que todos nós consideramos elementos culturais ou de diversão – são considerados, pela lei dos fundamentalistas islâmicos Afegãos, como instrumentos de imoralidade e contra a lei islâmica (a qual configura a sua cultura).

Na mesma operação (alegadamente dos bons costumes) “decapitaram-se” manequins de montra, foram despedidos 25 mil trabalhadores do sector de comunicação, e foram inspeccionados milhares de locais comerciais, como restaurantes, hotéis e salões onde se realizavam bodas de casamento, para que as autoridades assegurassem que não se ouvia música em tais espaços. A música proibida pelos talibãs não é só a gravada… também inclui música ao vivo e tradicional, executada com instrumentos típicos como timbales e guitarras semelhantes a alaúdes, o que é um atentado cultural aos costumes de um povo.

Excerto do Diário de Notícias, disponível aqui.

A liberdade também é anulada nas mulheres, impedindo-as de frequentarem o ensino superior, de terem acesso ao trabalho e a circularem na via pública sem companhia masculina familiar.

Isto passa-se num regime teocrático desrespeitador dos direitos humanos universais, transformando cada cidadão num autómato que só pode funcionar como o ditador religioso decreta, na convicção de estar a cumprir as ordens de um deus!

Do outro lado do mundo vêm notícias igualmente negativas, divulgadas pelo jornal Público no dia seguinte (21 de Agosto). No Ocidente, que se diz socialmente desenvolvido e tão respeitador dos direitos fundamentais, chegam-nos da Venezuela os ecos de um acto eleitoral opaco que deu a vitória ao ditador de serviço há uma dúzia de anos, mas cuja vitória é contestada pela oposição que mostra vídeos feitos em todas as mesas eleitorais onde se diz em voz alta o resultado da votação que dá vitória esmagadora à oposição.

O povo saiu à rua e o ditador mandou a polícia pôr fim à contestação, o que resultou em 27 manifestantes mortos… mas cujas mortes o ditador assaca aos próprios manifestantes e à oposição, e não à violência da polícia do regime que comanda. O responsável máximo pelo Ministério Público da Venezuela quer mandar prender o líder da oposição, atribuindo-lhe a culpa pela morte dos cidadãos contestatários assassinados!

para o Partido Comunista Português (PCP) a razão está com o ditador, cujos resultados eleitorais se apressou a felicitar, antes mesmo de serem confirmados pelas autoridades venezuelanas, e o Supremo Tribunal da Venezuela já proibiu a divulgação das actas eleitorais… pelo que a confirmação não existe e permite-nos ajuizar que é escondida por não ser favorável ao ditador. O curioso desta atitude do PCP é ela ser contra a ideia do próprio partido comunista venezuelano!

(Devo dizer, como declaração de interesse, que militei no PCP desde o fim da década de 1970 até ao dia em que os seus deputados viraram costas a Zelenski no Parlamento, cuja atitude entendi como apoio implícito ao invasor Putin e condenação do povo ucraniano invadido… o que repudio)

Estes actos mostram-me um mundo ao contrário. 

O mal ocupa o lugar do bem e, espantosamente, tem apoiantes!… 

A ditadura religiosa de uns e a ditadura política de outros, são semelhantes na forma, e os resultados são igualmente maus para as respectivas populações que são as eternas vítimas sempre desrespeitadas, insultadas, perseguidas e manietadas. 

O mundo não pode fazer nada em favor dessas populações? 

Parece que não!… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

31 de Julho, 2024 Onofre Varela

Israel agressor a sentir-se agredido por mim!

O consumo de Religião em demasia é como o vinho: embebeda!… O sentimento religioso misturado com o sentimento pátrio, mais o poderio económico e a força militar, dá uma mistela explosiva desintegradora do raciocínio da besta que a consome.

Quando abordamos a actualidade da política judaica temos em mão um exemplo de tal mistela, na qual se mistura fé religiosa na vertente mais sacana (a extremista), com poder económico e militar. São estes bêbedos consumidores de fé e presunção de superioridade em copo cheio, e do poder económico às litradas, que se alimentam do vício do poder e se permitem vomitar sobre a liberdade de quem bebe com regra, raciocina saudavelmente e dispensa radicalismos.

A última vomitadela censória de que fui vítima aconteceu na Bienal de Arte de Gaia – 2023, para a qual fui convidado a participar expondo 20 desenhos (cartunes e caricaturas).

Um dos cartunes expostos (seleccionado em segunda escolha e aqui reproduzido) refere esta verdade histórica: “Israel trata os Palestinos com o mesmo desrespeito com que Hitler tratava os Judeus”. Tanto bastou para que um judeu visitante da exposição se sentisse incomodado no raquitismo cerebral de que enferma, fotografasse o trabalho e enviasse a imagem como reclamação para uma coisa chamada Comunidade Israelita de Lisboa.

Em consequência da acção daquele aprendiz de espia da Mossad, a Câmara Municipal de Gaia recebeu uma mensagem “de teor agressivo”, sugerindo (ou impondo?) a retirada do apoio económico da autarquia à Bienal de Arte, como se a má disposição judaica fosse mais importante do que o evento artístico em causa!

Na sua reclamação, a coisa judaica entendia que “a Estrela de David sobreposta no coração de uma imagem desenhada de Hitler é uma ofensa grave e indecorosa”!… Reacção típica de um sentimento religioso fundamentalista e estúpido em último grau, que tem muito mais piada do que o meu desenho… porque a estrela Israelita não está sobreposta no coração, mas desenhada na representação de um casaco!… Se despissemos o casaco àquela figura, a estrela passava a estar pendurada num cabide… sem necessitar de cirurgia cardíaca para a “remover do coração”!

Fui informado da censura ao meu desenho por telefonema do director da Bienal (o meu camarada jornalista e artista plástico Agostinho Santos) na manhã do dia em que a Câmara Municipal de Gaia recebeu o recado judeu. Num segundo telefonema, a meio da tarde, com a presença de autarcas na conversa telefónica, apercebi-me de que a autarquia estava com “uma batata quente nas mãos” e que a Embaixada de Israel em Lisboa já fazia parte do processo com mensagem considerada “agressiva”.

O autarca queria saber qual era a minha posição sobre a questão. O espaço de tempo decorrido entre os dois telefonemas serviu-me para reflectir sobre o assunto. Já tinha digerido e percebido o incómodo judeu e a consequente chantagem camuflada no protesto… bem visível na preocupação do responsável autárquico, e sabia de notícias recentes que me alertavam para a realidade do desconforto.

Se eu tivesse 20 anos, montava a minha juventude guerreira e batia o pé frente a Israel… mas à porta dos 80 anos já tenho estatuto para ser mais racional e inteligente. Ultrapassei a irracionalidade e a falta de inteligência dos presunçosos judeus e decidi retirar da Bienal o cartune da discórdia, mantendo o espaço em branco para ser notada a falta da obra, e poder explicar o porquê a quem perguntasse. Assim se fez e a questão foi arrumada.

O censor judeu rotulava-me de “anti-semita” (tal como Salazar rotulava de anti-patriota quem não fosse Salazarista). Agradeço a atitude da “tal coisa dos judeus”, porque quer dizer que o cartune funcionou e a minha mensagem foi passada. Muito obrigado pela vossa indisposição. Foi para isso mesmo que o desenhei, publiquei (há três anos n’O Gaiense) e mostrei na Bienal.

O cartune em questão fundamenta-se em dois factos históricos. Primeiro: Hitler maltratou Judeus; segundo: Israel maltrata Palestinos. Dizer que esta minha apreciação crítica é uma atitude anti-semita, é confundir uma cebola com um pêssego!… Nesse sentido alertei os escandalizados ditadores e fundamentalistas judeus para que nunca usem cebola numa salada de frutas, nem pêssego num estrugido (refogado para os lisboetas). O resultado seria intragável, como intragável é o fundamentalismo de quem apelida de “anti-semita” quem não diz amen consigo.

A memória dos judeus vitimados pelos assassinos nazis merece-me toda a dor, respeito e consideração. Repudio o genocídio perpetrado por Hitler que escreveu páginas negras e vergonhosas na História da Humanidade. O modo como Israel trata os cidadãos da Palestina, na figura de invasor dos seus territórios que lhes foram destinados após a Segunda Guerra Mundial, também me merece idêntico repúdio… as acções bélicas israelitas perante os Palestinos são tão desumanas quanto foram as acções nazis!

Se o delactor (candidato a bufo da Mossad) que passou pela Bienal, fosse inteligente e defensor da Paz em vez de “burro ofendido”, ninguém tinha visto aquele desenho. Passaria despercebido entre as centenas de obras expostas. Assim, ganhou notoriedade… fui entrevistado por meios de comunicação, o desenho passou na televisão, foi falado na rádio e publicado massivamente em jornais… e agora, aqui!…

A tal coisa promoveu-me!… Só espero não receber a conta… porque com judeus nunca é de fiar!… 

24 de Junho, 2024 Onofre Varela

A ovelha Dolly e o mito da Eva

No dia 1 Abril de 1997 publiquei no Jornal de Notícias (JN) um texto interrogativo e bem humorado sobre a clonagem da Ovelha Dolly. (Não era uma “mentira de Abril”… a data da publicação foi um acaso!).

Recordando: a ovelha Dolly ficou mundialmente conhecida em Fevereiro de 1997 quando se divulgou a sua existência conseguida por experiência científica bem sucedida, de clonar o primeiro mamífero a partir de células da glândula mamária de uma ovelha adulta. Os seus autores foram os biólogos Keith Campbell e Ian Wilmut, do Instituto Roslin, na Escócia.

Aproveitando o facto científico que demonstrava a possibilidade de se conceber um mamífero dispensando o espermatozóide do pai (os homens que se cuidem… as mulheres não precisam de nós para coisa nenhuma… nem para conceber filhos!), escrevi no JN uma crónica onde dizia que, muito provavelmente, o primeiro clonador teria sido Deus ao fazer Eva a partir de uma costela de Adão. Entendi que a palavra “costela” podia ser um modo de dizer “célula”.

Ticiano: Adão e Eva no Jardim do Éden
Adão e Eva no Jardim do Éden, pintura a óleo de Ticiano, c. 1550; no Prado, Madrid.

O meu entendimento era lícito naquela linha de a Bíblia ser um poço a transbordar de possíveis entendimentos. Na Bíblia há textos cujas interpretações servem para alimentar todos os gostos e paladares que enformam as variadíssimas religiões e seitas bíblicas… mas também servem os seus críticos que a lêem divorciados de qualquer formato de fé deifica.

Quando o texto foi publicado… lá tornou a cair o Carmo e a Trindade!…

Naquela altura discutia-se na Assembleia da República a Lei da Liberdade Religiosa e o JN dedicava uma página diária ao assunto, entrevistando personalidades ligadas aos vários cultos da panóplia das igrejas estabelecidas em Portugal. O meu texto saiu ao lado do depoimento de um bispo da “Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica”; logo, todos os interessados em religião o leram.

O director do JN recebeu recados mal dispostos por permitir “a publicação de tamanha enormidade”! (Para melhor informação digo que o texto não lhe passou pelas mãos antes de ser publicado. Entreguei-o ao sub-director, que o aceitou e enviou directamente para a secretaria da Redacção… a partir daí estava implícita a autorização de o publicar).

Aquele lacaio da seita vaticana Opus Dei, que visitava directores de jornais a horas tardias, estava atento e não desarmava… tinha de estuporar o juízo ao director por deixar passar textos que a Igreja não aprova. A mentira bíblica (ou poema) da criação era intocável e não podia ser aflorada fora do entendimento religioso. A Igreja permite-se imaginar ser dona dos textos arqueológicos que fazem a Bíblia, não aceitando – condenando, até – interpretações diversas das suas.

Para além da possível clonagem de que teria resultado a Eva, permiti-me comentar alguns versículos bíblicos, de entre os quais refiro estes: “Quem violar uma virgem obriga-se a desposá-la”, “Os estrangeiros, as viúvas e os órfãos devem ser respeitados” (Êxodo: 22, 16-20). Isto são conselhos de um deus, ou de um sociólogo?;

“Todos os que toquem as roupas daqueles que têm ferimentos que libertem fluxos, devem lavar-se”. “Homem e mulher, depois de copular, devem lavar-se. Lavar-se-á também a roupa suja com sémen”, “A mulher menstruada guardará sete dias sem relações sexuais” (Levítico: 15, 2-19). Isto são conselhos de um deus ou de um técnico de saúde?;

“Não oprimirás o teu próximo nem o roubarás. Do mesmo modo não reterás o pagamento devido ao teu empregado” (Levítico: 19-13). Isto é conselho de um deus ou de um legislador? Quantos empregadores nós conhecemos que papam missas e não pagam devidamente, nem no dia certo, aos seus empregados?!

Neste caso de “censura à posteriori”, a minha opinião foi publicada e lida, permitindo a cada leitor fazer a sua própria interpretação do meu texto… e os desmiolados censores que apenas provam a nulidade das suas existências, não puderam retirar as prosas do jornal, onde permanecerão para a posteridade no arquivo das bibliotecas.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

17 de Junho, 2024 Onofre Varela

A Liberdade Que Abril Nos Deu

Que Histórias se contam na Bíblia?

A minha experiência de ser silenciado pelo poder religioso e político em tempo de Democracia, aconteceu pela primeira vez em 1978 no jornal O Primeiro de Janeiro (PJ). Portanto, já com a Liberdade de Expressão instalada há quatro anos pela Revolução dos Cravos, e instituída há dois anos pela publicação da Constituição da República Portuguesa (1976).

Andava eu a ler o livro “A Bíblia e os Extraterrestres”, do advogado francês e perito em Língua Hebraica, Pierre-Jean Moatti, acabado de ser editado (pela Via Editora, Lisboa, 1978) e cujo conteúdo me remeteu para a leitura da Bíblia procurando comprovar as citações do autor.

Em Êxodo 19:16-20, é narrada a descida de Deus sobre o Monte Sinai do seguinte modo que me pareceu espectacularmente cinematográfico: “E todo o povo viu os trovões e os relâmpagos, e o sonido da buzina, e o monte fumegando” (?!). Fiquei curioso e intrigado!… Deus precisava de fazer um cagaçal de tal tamanho para se mostrar à malta?!… Esta imagem fantástica remeteu-me para a descida de uma nave espacial, com fogo e fumo dos jactos, mais um ruído de motores de tal modo ensurdecedor e potente que fez tremer o monte!…

Nesse tempo eu tinha iniciado uma rubrica onde escrevia semanalmente um texto com o título genérico OVNI’s EXISTEM, onde comentava as observações de Objectos Voadores Não Identificados, que estavam tão em voga e era raro o dia em que não houvesse notícia dando conta de uma estranha observação nos céus em qualquer parte do mundo.

Módulo Lunar, o engenho espacial que permitiu ao Homem pisar outro planeta. Repare-se no seu aspecto zoomórfico. O habitáculo e módulo de subida sugere-nos uma cabeça. As suas janelas triangulares são dois olhos de expressão agressiva, e a porta de entrada uma boca ameaçadora pronta a morder. O andar de descida é um corpo munido de possantes membros que o fixam ao chão.

Impressionado com a leitura da Bíblia e do livro de Pierre-Jean Moatti (que me remetia para a ideia de termos sido visitados, em tempo tão recuado, por seres oriundos de outras paragens cósmicas) publiquei no dia 5 de Novembro de 1978, o primeiro artigo de uma série de três, com o sugestivo título: “A Verdade da Bíblia (1) – Os Colonos que Vieram do Cosmos” com uma ilustração legendada (e publicada aqui).

Quando, no dia da publicação, entrei ao serviço no início da tarde, o director chamou-me. Na sua secretária tinha o jornal aberto na página onde saiu o meu artigo. Perguntou-me o que queria dizer aquele número um entre parêntesis. Ficou a saber que referia o primeiro artigo de uma série de três.

A sua reacção foi peremptória: proibiu-me de escrever mais sobre qualquer tema que abordasse a Bíblia, ou qualquer outro assunto relacionado com religião. Alegou ter recebido “telefonemas de leitores indispostos com o meu texto e não queria perder leitores”.

Assim ficou aquela série, de três artigos, pela publicação do primeiro!… Com o correr do tempo percebi que “os telefonemas de leitores indispostos com o meu texto” não era mais do que uma desculpa “de mau pagador”… fui-me apercebendo de factos que me levaram a concluir que aquilo não foi mais do que o cumprimento dos recados da Igreja levados ao director por um lacaio da seita Opus Dei que várias vezes por mês reunia com ele (e também com o director do JN) ao início das madrugadas!…

Tinham passado quatro anos após o 25 de Abril, e dois sobre a publicação da Constituição da República Portuguesa onde se afirmam as liberdades de expressão e de culto… mas o raciocínio daquele director ainda não se adaptara ao novo regime e parecia obedecer a ordens eclesiásticas.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

20 de Março, 2024 Onofre Varela

Perdoar a quem nos agride

“A quem te bater na face direita, dá-lhe também a esquerda” (Mateus, 5: 39-42). Esta frase evangélica foi escrita num tempo em que a lei era “Olho por olho e dente por dente”. Convenhamos que a moral contida em Mateus é bastante mais positiva e pacífica do que o conflito que emerge da frase que então fazia lei e mandava tirar os olhos a quem cegasse alguém.

As frases moralistas que podem ser encontradas nos Evangelhos têm de ser entendidas à luz do tempo em que foram registadas e das razões que as motivaram. Dois mil anos depois de Jesus Cristo (JC), as sociedades evoluíram, os Códigos Comportamentais também, e nós… bem… nós continuamos a ser os mesmos animais de sempre!

A nossa mentalidade pouco mudou com o decorrer dos séculos! Em termos de Consciência, somos, hoje, os mesmos homens que escreveram a Bíblia e os Evangelhos. A técnica evoluiu; na escrita passamos das placas de barro para o papiro, do pergaminho para o papel e deste para o computador, mas a nossa mente bélica e de predador continua a mesma de antanho. O Homo sapiens é a última experiência da Natureza na vida do planeta (temos menos de 200.000 anos, em cerca de 4,5 biliões de anos que tem o planeta). Somos, ainda, primitivos, por mais evoluídos que, por vaidade, nos consideremos.

Quando oferecemos “a outra face” a quem nos bate, partimos do princípio que o outro vai entender a nossa posição e sentir-se envergonhado por nos ter agredido. A nossa atitude pacífica contrasta de tal modo com a do agressor que, este, se for inteligente e sensível, vai sentir-se mal e pedir perdão pelo seu acto hostil, abandonando as suas incorretas atitudes. É esta a intenção da frase evangélica atribuída a JC e escrita por Mateus provavelmente no ano 70 (40 anos depois da morte de JC).

E os ditadores? Serão inteligentes?… Provavelmente sim… talvez usem uma “sub-espécie de inteligência”… mas… serão sensíveis?!… Entenderão o discurso de JC e a razão do próximo?

Foto de Polina Petrishyna na Unsplash

É neste quadro que eu entendo a frase do Papa Francisco I (F1) tornada pública no último dia 10 de Março, quando pediu ao governo ucraniano que tenha “a coragem da bandeira branca e de negociar com a Rússia”, acrescentando que “a palavra «negociar» é uma palavra corajosa […] quando percebemos que estamos derrotados e que as coisas não estão a correr bem, é preciso ter a coragem de negociar”.

Obviamente que os responsáveis políticos ucranianos se sentiram indignados ao interpretarem esta atitude de F1 como um apelo à rendição do país perante a invasão russa. Também obviamente, Putin se regozijou com o apelo do Papa por o sentir do seu lado, e fez saber que está disponível para negociações e que a Ucrânia não quer terminar a guerra (?!). Obviamente (também) eu só posso pensar o contrário do ditador e de F1! Quem tem de terminar com a guerra é o país invasor que a começou… e não o país invadido que não faz guerra… apenas se defende!

Sublinhando a sua maldade de invasor, Putin acrescentou ao seu discurso de “paz”, este “pacífico” recado dirigido a todo o mundo: “a Rússia está pronta para uma guerra nuclear”.

F1 – que para mim é o melhor Papa de todos quantos no último século se sentaram na cadeira de S. Pedro – tem de perceber que as frases evangélicas são para consumo caseiro dos fiéis cristãos, mas nunca serão consumidas, nem entendidas, pelo mau vizinho que é a Rússia (sob a ditadura putinista) paredes meias com a Ucrânia.

Em resposta, a Polónia sugere a F1 que “encoraje Putin a retirar o seu exército da Ucrânia”. Por seu lado, Zelensky pediu ao Papa para apoiar o plano de Paz ucraniano onde se reitera a restauração da integridade territorial da Ucrânia, a retirada da tropa russa e a cessação das hostilidades. Este plano não está aberto a negociações… e eu assino por baixo.

Vamos lá a ver, leitor. Raciocine comigo: o seu vizinho invade-lhe o quintal que é seu, destrói-lhe parte da casa que é sua e mata a sua família. Depois quer que você “negoceie” com ele de acordo com a vontade dele, que nunca é a sua; ele propõe que você fique com o anexo do fundo do quintal que tem o telhado destruído pela bomba que matou a sua família, enquanto que ele fica com o quarto e a cozinha, únicas partes que se salvaram da destruição que as bombas dele provocaram na sua casa. Só assim o seu vizinho lhe “garante” a Paz. Você aceita?…

EU NÃO ACEITARIA!

A “Paz” alcançada deste modo não é Paz; é um conflito latente e não é por eu dar a outra face que vou viver bem e que o meu vizinho jamais me incomodará!… Não!… Este meu vizinho nunca deixará de me incomodar nem retirará a sua bota do meu pescoço.

Vamos aceitar “ultimatums” de todos os bandidos que nos invadem a casa e que nos matam a família? O que fazemos com um psicopata assassino? Ajoelhámo-nos perante ele, ou enclausurámo-lo?

Espero que o Mundo nunca deixe de se unir em favor do invadido, e condene o invasor… porque este é quem deve abandonar o país que invadiu, pagar a reconstrução das cidades que destruiu e indemnizar as famílias que enlutou. Se isto não acontecer assim… então vivemos num mundo imensamente pior do que aquilo que eu imaginava!…

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

5 de Março, 2024 Onofre Varela

Fundamentalismos e “Verdades Falsas”

As relações entre os Homens nunca foram fáceis. Jamais o serão. Manifestam-se mais complicadas na Política por ser a “arte de governar povos”… a qual nunca foi pacífica. Cada grupo social ou político (às vezes, até, cada elemento da mesma família na mesma casa) tem a “sua verdade”, apregoada como oposta à “verdade dos outros”. Todos os partidos políticos querem (ou dizem querer) o melhor para o país (às vezes só para um extracto social), estando em total desacordo com as práticas de outros partidos que, mesmo apregoando a defesa dos mesmos interesses, usam modelos não coincidentes. Cada um considera-se detentor da verdade que imagina, e garante, ser única… e sua!

Quando se trata de aferir a verdade sobre qualquer tema, o modo de o conseguir com realidade só se encontra na “explicação científica”. Porém, em Política a “verdade” não é de cariz físico nem químico… é uma “filosofia gestora”, e cada um defende a sua com a mesma legitimidade do outro. A “verdade” apregoada por cada um, será aferida pela prática da filosofia publicitada, o que só acontece depois de sufragada… e muitas vezes revela-se um fracasso para o Povo que votou nela, ao constatar que foi enganado… e aprendeu tarde!

Quanto à “explicação científica”… ela também pode estar submetida a uma certa dúvida e por isso a porta da explicação nunca é fechada definitivamente, já que a todo o momento pode haver uma investigação, um achado ou uma observação, que venha alterar aquilo que, até aí, era “a verdade” sobre aquele assunto.

As religiões também se apresentam como “filosofias da Verdade”. Esta “Verdade” (com inicial maiúscula, porque divina) é das “verdades mais mentirosas” que eu conheço… imensamente mais do que as políticas!

No campo da Religião a verdade nunca é científica. Por exemplo: não é verdade Maria ter engravidado sem relações sexuais, porque a natureza da gravidez só dispensa o acto sexual se for conseguida em laboratório por inseminação artificial (o que não podia ter sido o caso de Maria). Do mesmo modo, Jesus nunca poderia ter ressuscitado se estivesse morto… se “ressuscitou”… estaria no estado de coma?!… Não é verdade a transformação da água em vinho, nem a multiplicação dos pães, nem o caminhar sobre as águas. Trata-se de narrativas fabuladas… e até são bonitas!… Mas não configuram realidades históricas.

Também não é verdade que santinhas e santinhos possam intermediar curas milagrosas levando o pedido a Deus, o qual, com o seu poder sulfamida curativo à distância, resolve o problema do olho da senhora Guilhermina que foi todo queimadinho com azeite a ferver! Se esta intermediação fosse verdadeira, tínhamos “no céu” o mesmo efeito parasitário das “cunhas” que tão bem conhecemos cá na Terra… o que, convenhamos, não é digno de um deus… ou será?!…

E depois há a própria ideia de Deus… que, assim, tal e qual como o inventado deus é pintado pelas religiões que o criaram e adoram, não passa de um aborto mal parido, de existência real impossível de ser concretizada, já que as leis naturais da Física e da Química não só o permitem, como até o contradizem!

Os Fundamentalismos não passam de colecções de “verdades falsas” impossíveis de confirmação, mas, curiosamente, são sempre apregoadas com o estatuto de verdadeiro e acrescentado da qualidade de “única Verdade”, tanto na filosofia religiosa apregoada por credos transformados em igrejas, como na filosofia social apregoada por credos políticos transformados em partidos com laivos de Religião deísta à mistura, quando se consideram uma espécie de “salvadores da Humanidade”.

Mas não se pense que o Ateísmo escapa a esta análise!…

Os ateus também contam com os seu fundamentalistas! Não são só os profundamente crentes que detêm tal estatuto… os profundamente descrentes também podem usá-lo!

Foto de Sara Calado na Unsplash

Assisti a uma manifestação fundamentalista de um companheiro ateu que criticou o modo de trajar de uma muçulmana por quem nos cruzamos na rua. Aquela senhora (com toda a legitimidade) vestia de acordo com a prática típica do grupo social, antropológico e étnico a que pertencia. O meu amigo, ao insurgir-se contra aquele modo de vestir (com a intenção de atingir criticamente uma Religião) esqueceu-se que vociferava contra uma vestimenta regional… que naquele caso era muçulmana, mas pertencia à mesma característica inserida numa etnia, que poderia ser de uma peruana, de uma sevilhana, de uma vianesa, de um campino do Ribatejo, de um sargaceiro da Póvoa ou de um pauliteiro de Miranda!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

19 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

O Dom do Dom Aguiar, Que Afinal é Política

Não foi uma grande entrevista, mas foi uma entrevista grande. Digo isto porque me chateou quase do início ao fim, a Grande Entrevista (Temporada 17, Episódio 7, 14 de fevereiro de 24) com Américo Aguiar. Ponderei se devia fazer aqui um comentário ou não. Em boa verdade, que é isto se não o dia a dia de uma ateia? Desculpem-me os meus consócios que preferem uma postura mais neutra quanto à influência da Igreja Católica em Portugal e no mundo, mas eu calada fico com azia e diz que isto dá úlceras.

Vítor Gonçalves caracteriza-o como o “rosto da JMJ” e como tendo tido uma “ascensão fulgurante na Igreja portuguesa”. Tudo coisas que eu não escolheria para elogiar alguém, mas que não deixam de ser verdade. Depois refere que Américo Aguiar decidiu encontrar-se com os cabeças de lista de todos os partidos que concorrem no círculo eleitoral de Setúbal. Eh lá, foi aqui que comecei a pensar, “dá-lhe o Papa um dedinho, já o homem quer um braço e uma perna”. Mais me espanta que os ditos partidos lhe tenham feito a vontade, mas sabemos que a Igreja continua a movimentar esse tipo de influência.

A ideia que Américo Aguiar passa de que a Igreja não se pode afastar da política não é nova. Aliás, o seu maior problema é ser antiga. Desde que conseguiu deitar a mão, ou a cruz, a meia dúzia de pessoas influentes, que a Igreja se tem dedicado historicamente a influenciar a política das nações. No passado, fê-lo com tanto sucesso que um rei não era rei na Europa, sem beijar o anel ao Papa em Constantinopla. Mais recentemente, a Igreja Católica abraçou o Estado Novo em Portugal até se tornar evidente que estava do lado da História que teria de perder. No pós-25 de Abril, lá se agarrou ao poder que pôde manter, com a segunda Concordata (2004) que lhe garantiu muitos dos privilégios que Salazar lhe havia concedido em 1940. Antes fosse uma ideia nova. Mas a Igreja tem esta tendência de estender tentáculos para todo o lado.

Que conhecimentos tem o Cardeal de política para ser convidado a fazer este comentário na RTP? Ora, sabe que a raiz da palavra “política” vem do grego antigo, πολιτεία (politeía), que se refere à participação na vida coletiva de uma sociedade. A partir daí a coisa deixa de correr tão bem. Se calhar é porque já há muito que abandonou a política e já só lhe ficaram os chavões. Portanto, para Dom Aguiar, justifica-se que a Igreja meta o proverbial nariz na política porque tem de estar envolvida “naquilo que são as alegrias e as tristezas, os sorrisos e as lágrimas” do povo a que se dirige. E até é tão inclusivo que refere outras religiões, não que tenham muita importância no seu discurso. E até respeita muito os não-crentes. Só não o suficiente para não se meter onde não é chamado.

Ora, as decisões políticas referem-se (não só, mas também, e principalmente) à alocação de recursos. Vulgo, onde se gasta o dinheiro público obtido por meio de impostos. Portanto, o Cardeal quer ter uma palavra a dizer naquilo para o qual não contribui, dado que impostos não é coisa que lhe assiste. Pensando bem, é a postura tradicional da Igreja. Uma instituição de homens a quererem ter uma palavra a dizer sobre o que a mulher pode ou não fazer com o seu próprio corpo, uma instituição de supostos celibatários a querer ter uma palavra a dizer sobre o que constitui ou não uma forma de amor válido, uma forma válida de constituir família, até uma forma válida de morrer. Um conjunto de homens cujo objetivo é viver o menos possível a querer cortar as asas a quem só quer ser livre.

A influência que Américo Aguiar quer vai da freguesia ao mundo. Já não me devia chocar, mas a esta altura ainda vou nos dois primeiros minutos desta entrevista de quase uma hora, e já o coração me quer saltar da boca. Ah esperem! A igreja não se pode meter em questões partidárias. E qual é a diferença? – pergunta Vítor Gonçalves. E eu queria ter estado lá, para dizer “nenhuma!”. Falei para a TV, como os adeptos de futebol mais irascíveis. Mas o Cardeal não explica a diferença. Deixai-me dizer eu contudo, oh gentes da minha terra: o padre não precisa de dizer aos crentes em quem votar. Basta defender ativamente a mesma postura que o seu partido de eleição para que o crente entenda em quem deve votar. E essa manipulação sempre foi feita de uma maneira ou de outra. Não tivesse o Cardeal começado a sua enumeração de partidos candidatos ao círculo eleitoral de Setúbal com… a Aliança Democrática.

Valeu-me concordar com o Bispo de Setúbal numa coisa, não se justifica a abstenção. Já dizer que é pecado, foi um momento de humor que apreciaria, se quando se falasse em pecados se falasse sempre com esse tom jocoso. Mas o alívio é momentâneo. É que dizer que a Igreja deve meter-se na política é fácil, difícil é quando se lhes pede para identificar um partido que esteja a ir contra a ideologia da Igreja Católica. E parece que para Américo Aguiar, a pergunta é tão difícil que o discurso ora anda em círculos ora anda a fugir. Para o cidadão consciente, a pergunta não é assim tão complicada. Pensando uns segundos, conseguimos todos identificar os partidos que defendem o que a Igreja diz defender, e os que defendem o que a Igreja não admite defender.

Ei-de rir sempre de um bispo de critica quem vota num dado partido sem nunca ler a sua proposta. É o melhor tipo de humor, aquele que se faz sem querer. A Igreja é a instituição que mais aceita e promove que os seus crentes não leiam o programa. É para isso que o sacerdote serve, para dizer o que diz na Bíblia. Ora agora, ler aquilo tudo, e com páginas tão fininhas. Nem o padre na missa lê tudo, escolhe sempre a dedo o que convém mostrar, vai agora o crente ler o programa todo. Ainda mudava de ideias.

Não discordo, contudo, que os programas são para ler, os objetivos de um partido são para conhecer e a posição da Igreja ou bem que é clara ou bem que se deve calar. E de preferência deve calar. Num país laico, tem de calar. O Bispo de Setúbal lá foi forçado a criticar os partidos que são a favor do aborto ou da eutanásia. Que choque! No entanto, antes tinha falado da dignidade humana, pelo que fiquei sem saber o que quer, afinal, o sacerdote.

Ao menos posso encontrar outro ponto de concordância com o Cardeal, que é o de aceitar e receber bem os imigrantes que cá chegam, tal como gostaríamos que os nossos tivessem sido aceites lá fora. Concordo, sim. Também concordo que há ameaças à democracia em Portugal, na Europa e no Mundo. Só não concordo que fuja à questão da ascensão da extrema-direita em Portugal preferindo referir-se às políticas europeias e criticar Putin, Trump e a guerra na Ucrânia apenas para mais uma vez, evitar falar do elefante na sala. Só não evita sublinhar que tem amigos em todos os partidos. Acredito que tem.

Chega-se ao fim e Américo Aguiar fala como cidadão e não como sacerdote. Pouco fala sobre a Igreja naquilo que são as decisões políticas e sociais do país. Mas pega nisso como mote para defender que a Igreja se deve meter na política. Não deve não. O cidadão, independentemente de ser ou não crente seja no que for, deve votar. Não é preciso vir um Cardeal dizer isso, mas dá jeito.

Estava eu já a entrar numa certa simpatia pelo Cardeal e eis que surge o tema das JMJ. Afinal, esperem lá, já não quero beber um copo com o Dom Aguiar. Começa por agradecer a Portugal e aos Portugueses. É bom que agradeça, porque ao que tudo indica, a coisa não ficou nada barata e teve momentos verdadeiramente vergonhosos. Diz o Cardeal que as JMJ deram lucro. Ultrapassa os 20 milhões, diz orgulhosamente. Falou muito, mas não disse de onde tirou 20 milhões em lucros. A organização lucrou 20 milhões? Ah bom! Isso acredito. E quanto gastou o Estado para proporcionar as condições para que a organização das JMJ lucrasse 20 milhões?

Cito: “O senhor patriarca acha que a Fundação deve continuar, para concretizar agora a materialização do que se venha a fazer com o lucro”. Faz-me lembrar as frases que se dizem em reuniões com empresas de atividade corporativa que levam a cabo projetos empresariais. Ou seja, coiso. E daí não melhorou a sua competência em explicar exatamente para onde vão os 20 milhões que tantos mais milhões custaram aos bolsos dos contribuintes. A meu ver, as contas que antecedem esse lucro é que devem ser revistas. Ou seja, quanto pagou afinal o Estado, a fundo perdido, para que o evento se realizasse?

Outra questão que não vi abordada e que me parece uma falha indesculpável, é a questão dos outdoors que foram retirados da via pública, que chamavam a atenção para as mais de 4800 crianças cujo abuso no seio da Igreja Católica é conhecido. Aliás fica aqui, que é para o Dom Aguiar não se esquecer, já que fala da dignidade humana com tanto afinco:

Outdoor “+49800 crianças abusadas pela Igreja Católica em Portugal” censurado durante as JMJ.

Dos problemas sociais que aponta, abusos sexuais dentro da Igreja Católica não foi tema. Para mim, foi o único tema que valia a pena discutir na farsa das JMJ. Surpreendeu-me que o entrevistador tenha decidido tocar nesse tema. E que suavemente até tenha tentado que o Bispo se focasse na realidade ao invés do que ele deseja que a realidade fosse. Doeu-me ouvir que ele quisesse corrigir os números. Não foram 4800 casos, foram 500 e tal denúncias que permitiram essa extrapolação. E isso em 70 anos, nem foram 70 dias. Ah! Bom! Então muito melhor. Afinal nem é nada de assim tão grave.  E o Cardeal está muito contente porque a transparência e a tolerância zero começa a ser normal.

Sou só eu que acho que dizer isto é absurdo? Está contente? Eu não estou e duvido que alguma das vítimas esteja. Já os padres que foram denunciados e que continuaram com as suas vidinhas, devem partilhar dessa felicidade. Resta-me questionar onde está mesmo a tolerância zero, ou a transparência. E já agora, perguntar se numa instituição que insiste representar um deus omnisciente, omnipotente e bom, há espaço para que estas coisas sejam ditas sem uma gargalhada de desespero como som de fundo.

Por fim, aborda-se o tema do momento: abençoar os casais em situação irregular. Só a frase arrepia. Existem casais em situação irregular? E isso da bênção, é esmola? Casar não, mas olha, ide lá com a graça do senhor. Mas é piada? É a isto que se bate palmas? A meu ver não há que abençoar casais, nem há que os unir em sacramento. É uma não-questão para mim porque sou ateia. Mas permite-me ver a hipocrisia desta instituição.

Vem agora o Cardeal falar em opções. Abençoa as duas pessoas (homossexuais) e não as suas opções. Alguém de Setúbal que esclareça o Bispo da sua terra que ninguém escolhe ser quem é. Nasce-se heterossexual, como se nasce homossexual ou qualquer outra variação naquilo que sabemos ser um espectro. Portanto, dado que esta pessoa acredita que deus nos fez à sua imagem e dado que ser homossexual não é escolha, foi deus que criou a pessoa com aquela orientação sexual. Alto, que isso já é muito inclusivo para a Igreja. Todos, todos, todos, mas vontade não é à vontadinha. Este discurso cheira à velha máxima cristã “odeia o pecado não o pecador”. Bafiento.

Em momento algum o Bispo de Setúbal diz que se presta a abençoar a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Apenas a abençoá-las individualmente. No entanto, quer que todos se sintam acolhidos. Não são acolhidos porque a Igreja Católica é o que toda a organização religiosa é: opressiva, restritora das liberdades pessoais e com um complexo de superioridade moral que não aplica quando encontra atrocidades no seu seio.

A minha conclusão é simples. O mote desta entrevista era que a Igreja se deve meter na política. Afinal foi um político que se foi meter na Igreja. Em todas as instâncias em que o Cardeal fala, refere sempre a religião em último lugar. Por pouco que não se esquecia de agradecer a deus o “sucesso” das JMJ. O Cardeal é certamente um homem da religião, só não me parece muito religioso, e por esse motivo quem sabe se não nos sentaríamos à mesa, como ele diz, a beber um copo, amigos como d’antes.

7 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

Não Blafesmarás

Fiz dois anos de catequese nos anos 90, que culminaram na primeira comunhão. Desde já, não recomendo. Aliás, por princípio, considero uma violação dos direitos da criança, dado que não tem idade para escolher se quer ou não associar-se a uma fé, e está longe da idade da razão, em que poderia ter o discernimento para recusar ideias dogmáticas e medievais. Em todo o caso, mandaram-me para lá, e para lá fui.

Para quem não sabe, não me bastou nascer mulher, tive que nascer canhota. Outrora juntar-se-iam esses dois elementos a uma personalidade pouco obediente ao dogma e ter-se-ia uma bruxa prontinha a assar no espeto. Ironicamente, na minha juventude, dediquei-me ao neopaganismo e a todo o tipo de espiritualidade new age. Não, não adivinhei o número do Euromilhões. Devo também acrescentar que, durante o primeiro ano da escola primária, a criatura de deus que me deu aulas tentou forçar-me a escrever com a mão direita. Desengane-se quem acha que nos anos 90 já tínhamos ultrapassado este tipo de ideias.

É importante este contexto porque há um episódio que não me canso de contar porque ilustra exatamente o que a Igreja Católica e a religião no geral representam para mim. Lembro-me de pouco dos ensinamentos de Cristo, a não ser que a maioria me pareceram ou fantasiosos ou de simples senso comum. Estes últimos mais raros. Lembro-me de um livro fino com uma capa branca ilustrada com um Jesus muito eurocêntrico, rodeado de crianças. Lembro-me que gostava tanto da catequista que arranjava qualquer desculpa para não comparecer. E lembro-me em específico, de aprender a fazer o sinal da cruz. Há que ajoelhar ao entrar na Igreja, tocar com a mão direita na testa -“Em nome do pai” – tocar com a mão no peito – “do filho” – no ombro esquerdo – “e do espírito” – e no ombro direito – “santo” – juntando as mãos – “amém”. Razão para fazer isto à entrada da Igreja? Disseram-me que era porque estava a entrar na casa de deus. Eu aprendi para que as beatas não ficassem a olhar para mim.

Ora, como mencionei, sou canhota, verdadeiramente infernal na mão com que escrevo e conduzo todo o tipo de funções terrenas. E esta é uma característica que uma criança não controla – é a sua mão dominante. Assim sendo, eis que, às vésperas da primeira comunhão, uma pequena Eva se levanta a mando da catequista e faz orgulhosamente o sinal da cruz. Sentia que era um momento decisivo, estava perante outras crianças e perante uma autoridade, que me solicitava que mostrasse o que tinha aprendido. Devo dizer que teria sido um sinal da cruz irrepreensível, não tivesse sido feito com a mão esquerda. Aqui d’el rei que a criatura estava a chamar o diabo. O senhor padre que não visse uma coisa dessas, dizia ela. Deus castiga! E ela também, se bem que não me recordo do castigo recebido. Sei que eventualmente o excelso senhor padre foi lá passar vistoria e eu já sabia que se não fizesse o sinal da cruz com a mão direita, estava em grandes sarilhos, quiçá entregue aos demónios e à blasfémia, qual verdadeira Eva caída de uma macieira.

Fui pesquisar os Dez Mandamentos, porque apesar de os ter aprendido à força, fiz todos os possíveis por mantê-los fora da mente na minha vida adulta. Encontrei um resumo no site da Opus Dei, que os resume.

Eu sou o Senhor teu Deus:

  1. Amar a Deus sobre todas as coisas.
  2. Não invocar o santo nome de Deus em vão
  3. Santificar os Domingos e Festas de Guarda
  4. Honrar pai e mãe
  5. Não matar
  6. Não cometer adultério
  7. Não roubar
  8. Não levantar falsos testemunhos
  9. Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos
  10. Não cobiçar as coisas alheias
Versão catequética dos 10 Mandamentos

Não acreditei muito nesta versão porque sabia que um dos mandamentos é não cobiçar a mulher do próximo. Desse lembrava-me porque é dos que mais se presta ao humor. Por isso, fui a uma das muitas versões da bíblia que os cristãos juram a pés juntos ser a original mensagem de deus, a mais correta e fiel e encontrei esta versão menos… catequética.

  1. Não terás outros deuses além de mim.
  2. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zelo­so, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus man­damentos.
  3. Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.
  4. Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor, o teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus filhos ou filhas, nem teus servos ou servas, nem teus animais, nem os estrangeiros que morarem em tuas cidades. Pois em seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou. Portanto, o Senhor abençoou o sétimo dia e o santificou.
  5. Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá.
  6. Não matarás.
  7. Não adulterarás.
  8. Não furtarás.
  9. Não darás falso testemunho contra o teu próximo.
  10. Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seus servos ou servas, nem seu boi ou jumento, nem coisa alguma que lhe pertença.
10 Mandamentos segundo a bibliaon.com

Cada um destes mandamentos merece um texto que lhe seja exclusivamente dedicado e hoje não será o dia. Mas queria focar-me no segundo mandamento. E prometo que, tendo dado todas as voltas às rotundas cristãs, tenho um ponto a fazer.

A Queda e Expulsão do Jardim do Éden,1509-10, MICHELANGELO Buonarroti
Capela Sistina, Vaticano

Hei-de dizer que, de todos os mandamentos da cristandade, não invocar o nome de deus em vão é o mais importante. Sim, sim, mesmo acima de não matar e não roubar e até acima de não ter outros deuses. Mais valia ter-lhe chamado “Não blafesmarás”. Suponho que não é muito fácil de pronunciar. É que vivemos hoje numa sociedade em que ser ateu não é problema, desde que não se fale nisso. Ser ateu não é problema, desde que se respeite as crenças supersticiosas dos outros. E que se quer dizer com respeitar? Não criticar.

Ora, eu considero que tenho sim, um dever de aceitar o direito das pessoas a terem crenças. Não as posso querer impedir de as terem ou de regerem as suas vidas de acordo com preceitos religiosos. Mas as crenças não são senão ideias. E como ideias, podem ser criticadas. Devem ser criticadas. Um cristão pode dizer-me que se não me converter vou sofrer a eternidade no inferno com o a tortura de satanás como companhia. Reparem na ameaça. Ou fazes isto, ou acontece-te aquilo. Mas eu, como ateia canhota caída da macieira, não posso dizer “as tuas crenças são um bocado parvas”.

Ao longo da minha longa caminhada de desconstrução e de libertação do pensamento mágico, fui entendendo que a blasfémia é um ato de catarse, de purga, até de exorcismo diria eu. Por quê dizer em voz alta, isto é falso, isto não existe? Por que é que os satanistas ritualizam a blasfémia? Porque a forma de remover o medo da criança que acredita que o bicho papão está escondido no armário é abrir a porta e dizer “anda cá que não tenho medo de ti”. E quando nada acontece, a criança entende que o bicho papão não existe.

Temos medo. Já abrimos o armário e o bicho papão não nos papou. Mas quando o colega de escola vem dormir lá a casa e se cobre até aos olhos com medo que venha por aí o homem do saco, nós não nos permitimos rir. Não dançamos libertos no meio do quarto, com os pés expostos ao que o outro imagina que está debaixo da cama. Não lhe dizemos que cresça. Não dizemos a verdade. Não lhe tiramos os braços de debaixo das cobertas para mostrar que ninguém está ali para lhe agarrar as mãos. Que acreditar no bicho papão é estúpido.

Ah Eva, sua canhota do demo, comedora de maçãs. Mas tu também recorres à metáfora para dizeres o que realmente queres dizer. Que atrevimento!

É que a lei protege a religião. E apesar de ter a liberdade de não acreditar, e até de criticar a religião, seja ela qual for, não me posso dirigir a uma pessoa a dizer-lhe que as suas crenças são absurdas e que o seu deus é uma besta cruel, criatura abominável que, se fosse real, eu me recusaria a reconhecer ou adorar, já a pessoa se pode ofender. Se eu for para a frente de uma Igreja durante a missinha de domingo com um cartaz a dizer “párem de endoutrinar crianças”, estou a perturbar o ato de culto. E ambos são puníveis por lei. Contudo, se a um domingo de manhã uma parelha de Testemunhas de Jeová decidir vir proletarizar para a minha porta, acordando-me do meu merecido e mui antecipado sono matinal, já os meus direitos não estão a ser violados. Se durante a páscoa não posso escapar ao odioso dling dlong da sineta que acompanha a entourage das amêndoas e do peditório, já os meus direitos não estão a ser violados. Se durante as festas religiosas instalam colunas de som por todo o lado e decidem que toda a gente há-de ouvir a missinha, seguida da pior música que por cá se faz, já os meus direitos não estão a ser violados.

Só peço igualdade. Se não posso ofender o religioso, o religioso não pode proletarizar. Não me pode forçar a ouvir a missa, os sinos das igrejas, as celebrações religiosas que são dele e só dele. Não me pode impingir os santinhos e as rezas. Não me pode vir cá dizer “vai com deus”, “deus te guarde”, “deus a tenha”. O religioso não devia, também, misturar crença com a res publica. O religioso que mantenha resguardadas as suas crenças e deixe de usar símbolos religiosos no exercício de funções públicas, que não recrute para a igreja, templo, clube superticioso. O religioso que páre de impingir a sua crenca arcaica a uma criança que não se pode defender.

Ah Eva, canhota invertidora de sinais da cruz, mas os paizinhos é que sabem como educar um filho!

Sim? Experimentem tirar uma criança da escola sem mais nem menos que vêem logo a CPCJ a bater à porta com mais força que uma parelha de Testemunhas de Jeová. Se podemos exigir aos pais que permitam aos filhos um certo nível de educação, que dura um mínimo de 12 anos, não devemos impedir que durante esses anos de formação uma criança seja endoutrinada? Se temos provas concretas que o mundo não foi criado por deus há 6 mil anos, não devemos ter a expectativa que a criança não seja enganada?

Acima de tudo, dá-se um respeito desproporcional à fé. Não blasfemarás. Tudo o resto? Desde que varrido para debaixo de um tapete, faz-se. Podes matar, desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Podes trair, desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Podes [inserir acto horrendo], desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Falar contra a fé, alertar para as armadilhas mentais, para a subjugação da mente, a endoutrinação pelo medo, o condicionamento à criatividade e sentido inquisitivo das crianças, isso é que não. Isso, meus amigos, não se diz, é perseguição. E coitadinhos daqueles que, pertencendo inegavelmente ao status quo, são perseguidos pelos mauzões ateus. Deles será o reino dos céus.

Bom proveito.

13 de Dezembro, 2023 Onofre Varela

“COM A RELIGIÃO NÃO SE BRINCA”, DISSE ELE.

Texto de Onofre Varela, publicado na imprensa, em que reflete sobre uma frase que ouviu. Afinal, “com a religião não se brinca”?

Os dirigentes dos partidos políticos da Direita têm uma enorme incapacidade de perceberem a vida dos pobres que alguns deles constantemente desrespeitam.

Penso estar na memória de todos nós a infeliz frase de Assunção Cristas (enquanto presidente do CDS), proferida em época de eleições concorrendo à presidência da Câmara de Lisboa: “Calço as galochas e vou aos bairros sociais”. A sua infeliz frase demonstrou que ela não sabe que um bairro social não é uma pocilga, e pior do que isso: imagina que é!… E imaginando-o, colocou num patamar muito baixo a dignidade de quem habita os bairros, esquecendo que a dignidade daquela gente é igual à sua. Ela só tem mais dinheiro e um curso académico superior, o que não é sinónimo de ser mais digna!

Já Marcelo Rebelo de Sousa, com todas as suas demonstrações de carinho, levando ânimo a quem sofre, não pôde deixar de escorregar nas palavras e nas ideias quando sugeriu a um sem abrigo, num acto de distribuição de comida em noite de Natal, que levasse para casa o resto do pão que não comeu, porque “é muito bom para fazer torradas”… esquecendo que um sem-abrigo não tem casa, não tem torradeira, nem fogão, nem manteiga…

Quem sempre viveu numa casa aquecida e confortável, com a dispensa bem fornecida e o frigorífico cheio, não imagina o que é passar-se mal, passar fome e frio, ter os bolsos sem dinheiro, não ter cartões de débito e muito menos de crédito. Referi Cristas e Marcelo em casos concretos… mas a extrema Direita actualmente no Parlamento tem o mesmo desrespeito por quem sofre; e o discurso aparentemente contrário não é mais do que isco de anzol para ser mordido pelos incautos.

A um outro nível menos social no campo das ideias que animam (e desanimam) a nossa sociedade (e continuando a retroceder no tempo alguns anos), ouvi um alto dirigente do CDS dizer num congresso que aconteceu em Lamego, num discurso inflamado debitado para uma plateia ideologicamente igual ao palestrante, a frase “com a Religião não se brinca”, referindo-se a algo que uma dirigente do Bloco de Esquerda teria dito sobre a estátua do Cristo Rei de Almada.

Ele não sabe que a Religião não é uma estátua!… Ele não sabe que se pode (e deve) brincar com tudo… menos com a dignidade e a saúde dos cidadãos, o bem estar de todos nós e o ensino das populações, mais o pão dos trabalhadores pagos miseravelmente. 

Partidos de Direita travestidos de sociais-democrátas, defendem ordenados baixos e também defendem a ideia do “trabalhador-descartável”. Muitos dos empresários que apoiam este tipo de política, brincam com a vida das famílias que têm como único sustento a força do seu trabalho vendido ao patronato… e o sentimento religioso é usado sem pudor por partidos políticos que, efectivamente, brincam com o sentimento religioso do Povo, explorando-o também na crença. Estes discursos da Direita são falsos como Judas. Se Jesus Cristo voltasse à Terra, não permitiria a entrada na sua Igreja a muitos dos que se afirmam “tão-democratas-cristãos” e têm atitudes “tão-pouco-cristãs”. 

E também não sei se Jesus aceitaria entrar numa igreja Católica!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

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