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11 de Outubro, 2006 Carlos Esperança

As religiões e a paz

As religiões seriam divertidas se não fossem perigosas. Só a fé leva a acreditar que um analfabeto – Maomé – escreveu um livro e uma virgem pariu filhos entre os quais, Jesus Cristo, que se tornou fundador de uma seita que os imperadores Constantino, Teodósio e Justiniano converteram, pela violência, em religião.

Nunca outras ideologias levaram tão longe o fanatismo e a intolerância como as crenças religiosas. Jamais os homens, na sua demência, foram capazes da crueldade que só Deus pode.

Hoje os xiitas e os sunitas matam-se e matam com a mesma desvairada fé com que os alienados cristãos partiam para as Cruzadas excitados pelas homilias de Urbano II.

Constantino, um patife que a ICAR se envergonha de canonizar, proclamou-se o 13.º apóstolo pelos autos de fé, perseguições, exílios forçados, assassinatos, destruição de edifícios pagãos e de bibliotecas com que criou o cristianismo. Das 27 versões dos Evangelhos encomendou a Eusébio de Cesareia um corpo homogéneo. Na primeira metade do século IV foram aprovados quatro.

Marwan, Governador de Medina, mais cauto, para defender a autoridade definitiva do Corão recolheu primeiro todas as versões do Corão e guardou uma única, queimando todas as outras, para evitar confrontações históricas e esconder o dedo humano que as criou.

Ainda hoje um bando de fanáticos vive das piedosas mentiras que os execráveis livros propalaram para desgraça da civilização e consumição da humanidade.

10 de Outubro, 2006 fburnay

A Razão e a Fé II: A Igreja e a Razão (cont.)

Logo à primeira oportunidade de dar liberdade ao pensamento, a religião instituída sofreu um enorme abalo. A racionalidade tinha trazido maus frutos à fé instituída, por duas razões. Por um lado porque existia agora não uma fé mas várias. A luta que assim se formou não se limitou ao belicismo mas também ao debate racional enquanto exercício da crítica. Por outro lado, a dinâmica de poder polarizou-se o que obviamente originou conflitos armados mas agora uma nova forma de interacção era valorizada – a diplomacia que foi, no fundo, a marca humanista nos negócios internacionais.

Uma das mais importantes ferramentas criadas na tentativa de manutenção da antiga ordem foi o Tribunal do Santo Ofício, também conhecido como a Inquisição, fortalecida em 1542 por Paulo III a partir de órgãos da Igreja já existentes. A perseguição daquilo que era considerado heresia, recorrendo a confissões sob tortura, julgamentos e execuções públicas, a par da prática da censura, foi a tentativa de conservar a influência da Igreja e o seu sistema de pensamento.
Durante muito tempo, o sistema de valores da Europa manteve-se constante. Até ao séc. XIV vigoraram monarquias em regime feudal. Desde aí ao Renascimento começaram a aparecer os primeiros estados-nação, onde a economia predominantemente agrícola deu algum lugar a uma economia baseada no dinheiro e nas trocas comerciais. Em meados do séc. XVII, o sistema de organização das monarquias era considerado obsoleto, injusto e irracional. As pessoas estavam fartas dos abusos de monarcas absolutos, da intolerância religiosa e da falta de liberdade generalizada. Havia pão para uns e não para outros e a injustiça do sistema aristocrático era motivo de ressentimentos.

Os valores de igualdade do Iluminismo que então se espalhavam pelo velho continente ganharam aderência. A ideia de que a racionalidade deve guiar o homem na sua busca da felicidade, os valores do Individualismo como auto-determinação, os princípios de igualdade entre os homens foram as linhas que levaram à Revolução Francesa e à Revolução Americana.

Também publicado no Banqueiro Anarquista.

10 de Outubro, 2006 fburnay

A Razão e a Fé I: A Igreja e a Razão

A fé religiosa, ao contrário do que alguns religiosos nos querem fazer crer, é inassociável à Razão. A ideia peregrina de que a Razão não se opõe à Fé é constantemente publicitada – sempre por pessoas de fé e quase nunca por pessoas sem fé. Este enviesamento é curioso e é também curiosa a posição das religiões, nomeadamente a ICAR, ao promoverem essa ideia.

A oposição entre Fé e Razão tem duas componentes distintas. Uma componente histórica, relativa à dinâmica de poder da religião instituída e uma componente filosófica, independente do tempo e da geografia, que diz respeito à crítica da estrutura lógica e ontológica do teísmo. Estas duas perspectivas aparecem separadas a maior parte do tempo mas houve períodos na História da Europa em que interagiram.

O debate começa há milhares de anos e é provavelmente tão antigo como as próprias religiões. Ao contrário do que muitas vezes se apregoa, o ateísmo e o agnosticismo encontram expressão entre os primeiros filósofos gregos o que sugere que a ausência de fé é tão velha como a própria fé. A recusa da fé começa sempre no exercício do raciocínio e os argumentos ateístas e agnósticos são clássicos – tratam-se de argumentos refutativos transversais aos credos e cuja evolução se prende exclusivamente com a adaptação expressiva a credos emergentes e novas concepções do divino ou do sagrado.

Em termos históricos e no caso europeu, a problemática da Razão e da Fé começa com a escolástica e com a sua tentativa de forçar o acordo entre o saber clássico e a verdade revelada. O resultado dessa mistura foi a visão medieval peripatética ou neoplatónica que, imutável e absoluta, ocupou cerca de mil anos da História da Europa. Assim, desde Agostinho de Hipona até ao séc. XV, a Razão estava confinada ao que a classe religiosa determinava. Considerando-se que não podia haver contradições entre a revelação divina e o que a razão determina, sendo que essa revelação era sagrada e exprimia a Verdade, a Razão tinha claramente de se submeter à Fé nos pontos de atrito.

A História da Europa a partir daí até quase à contemporaneidade, nas suas grandes evoluções, envolve sempre de alguma forma o inverter gradual dessa ordem. E a inversão começa com o Renascimento. No fundo, o renascimento da dúvida depois de toda a Idade Média em que a autoridade dos clássicos não era questionada. A Reforma foi parte desse processo de dúvida, no caso a que me refiro em relação à autoridade papal e da Igreja. As Escrituras foram relidas e novamente interpretadas fazendo um uso do raciocínio individual que deu origem a leituras diferentes. As várias seitas que assim se formaram pela Europa fora, para mal da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), ganharam independência intelectual. Apesar de serem tempos conturbados e de ainda haver perseguição religiosa, um pouco no seguimento da tradição anterior, havia no entanto uma certa frescura no simples facto de haver agora mais liberdade de pensamento. Enquanto a Igreja se ocupava de contrariar essa tendência, tão negativa para o seu poder, as pessoas começavam a recuperar os clássicos. A Igreja perdeu com isso. Veio a perder a Inglaterra e parte dos estados do continente. Na origem dessa infame dissidência esteve, no fundo, a liberdade de pensamento.

Também publicado no Banqueiro Anarquista.

10 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Objecção de consciência

A intolerância, que mais uma vez recordo ser apenas a atitude de não admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente da adoptada por si mesmo, é indissociável das religiões e dos crentes que seguem estritamente o preconizado por essas religiões.

A nossa sociedade, assente na tolerância e no pluralismo, isto é, no respeito dos direitos humanos que incluem o direito à diferença, é assim intrinsecamente incompatível com o fundamentalismo religioso.

De todos os cantos do mundo nos chegam exemplos da intolerância religiosa, que nos deveriam fazer reflectir e despertar da complacência em relação às religiões, todas elas, e perceber que a única forma de combater o perigo que o fundamentalismo religioso constitui é a defesa intransigente da laicidade. Não temos qualquer legitimidade para condenar os excessos dos fundamentalistas de uma religião se assobiamos para o lado em relação aos excessos dos representantes de outras.

Todos, e não apenas os islâmicos, têm de perceber que no nosso modelo de sociedade não são admitidas manifestações públicas da intolerância das religiões respectivas. O nosso modelo de sociedade assenta no respeito pelo outro não no respeito pelas ideias do outro. Aliás, foi e é construído no debate livre de ideias. A imposição aos outros dos anacrónicos, discriminadores e, em muitos casos, criminosos preconceitos religiosos é anátema para esse modelo de sociedade!

Um exemplo de intolerância religiosa que deveria ser firmamente combatida ocorreu recentemente em França, em que uma adolescente foi apedrejada por colegas no recreio da escola Jean Mermoz em Lyon por ter violado o jejum do Ramadão. Quase tão sintomático como o apedrejamento foi a reacção de Azzedine Gaci, presidente do CRCM (Regional Council for the Muslim Religion) que deplorou a reacção dos alunos, que considerou devida à sua ignorância do Corão – e aproveitou para lançar a farpa de que este deveria ser ensinado na escola.

A deplorada ignorância do Corão não se refere ao facto de este livro «sagrado» pregar a tolerância. Na realidade, todos os livros ditos «sagrados» pregam a observação estrita dos seus anacronismos, isto é, pregam a intolerância de quem não os siga. A ignorância do Corão lamentada refere-se ao facto de que este prevê que as mulheres «que não se sentirem bem», um eufemismo para a menstruação, estão dispensadas do cumprimento do jejum.

Outro exemplo de intolerância islâmica contra a qual medidas firmes deveriam ser imediatemente tomadas está a surgir um pouco por todo o globo e tem a ver com o facto de que os motoristas de táxi muçulmanos se recusam a transportar os infiéis que violam as leis islâmicas. Nomeadamente invisuais acompanhados por «sujos» cães guia ou passageiros que transportem álcool, mesmo em garrafas seladas.

Este exemplo levanta uma questão delicada: se é certo que não podemos tolerar este tipo de comportamento dos motoristas de táxi, especialmente em relação aos invisuais que dependem do transporte público na sua vida profissional e pessoal, em que é que este difere da chamada «objecção de consciência» permitida aos profissionais de saúde cristãos em relação à saúde reprodutiva?

«Objecção» dita de consciência que reflecte apenas preconceitos religiosos e que não se restringe ao aborto terapêutico ou em caso de violação, as condições previstas na limitada lei que temos. Manifesta-se em muitos ginecologistas que se recusam a prescrever ou aconselhar o DIU (na realidade dão informações erradas sobre o dispositivo); manifesta-se na mutilação desnecessária de mulheres no caso de gravidez ectópica, manifesta-se no «sermão» que acompanha a venda da pílula do dia seguinte (que em muitas farmácias nacionais, dirigidas por farmacêuticos católicos, nem sequer é disponibilizada, assim como não é disponibilizado o DIU), manifesta-se na objecção à fertilização medicamente assistida, etc..

Os motoristas de táxi que se recusam a transportar invisuais acompanhados por cães guia também «desejam exercer a sua profissão à luz dos princípios evangélicos» da religião respectiva e reger o trabalho pelo seu equivalente da «luz do valor de Cristo e do Evangelho» . Porque razão devemos penalizá-los por aquilo a que os católicos cá no burgo chamam coerência ou fidelidade à fé respectiva (e na Austrália pelo menos foram retiradas cerca de 200 carteiras profissionais a estes motoristas «coerentes com a fé»), assim como a Testemunhas de Jeová que desejem ser profissionais de saúde, e não devemos penalizar médicos e farmacêuticos católicos que se recusam a cumprir a lei vigente nos países respectivos?

Ninguém deve transportar para o espaço público os preconceitos e aberrações das respectivas religiões. O que fazem na esfera privada, desde que no cumprimento das leis vigentes nos países em que se encontrem, é uma questão de consciência individual. Mas a consciência colectiva das nossas sociedades tem necessariamente de ser completamente dissociada da religião. E especialmente o Direito não só não pode reflectir essas aberrações como deve penalizar de forma inequívoca as manifestações públicas da intolerância concomitante.

O direito à liberdade religiosa não pode ser confundido com o direito à intolerância religiosa. E esse é o ponto fulcral que precisamos urgentemente que os crentes em qualquer religião, não apenas a islâmica, entendam!

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9 de Outubro, 2006 lrodrigues

Deliver Us From Evil

No próximo dia 13 de Outubro vai estrear nos Estados Unidos o documentário «Deliver Us From Evil».
Espero bem que seja em breve também exibido em Portugal.

«Deliver Us From Evil», ou «Livrai-nos do Mal», é na realidade o título adequado para este documentário.
É a história do padre Oliver O?Grady, o mais famoso pedófilo da história da moderna Igreja Católica.

Completamente desprovido de sentido de moral ou de qualquer sentimento de vergonha ou culpa, o padre O?Grady usou o seu carisma e autoridade para violar dezenas de fiéis famílias católicas por todo o Nordeste da Califórnia durante mais de vinte anos.

As suas vítimas vão desde um bebé de 9 meses (!) até a uma senhora de meia-idade, por sua vez mãe de um adolescente também por si violado.

Apesar de repetidos avisos e denúncias, a Igreja Católica conseguiu construir à volta de Oliver O?Grady uma protectora teia de mentiras que iludiu todas as críticas e o protegeu de quaisquer responsabilidades legais.
Documentos da própria Igreja Católica demonstram que desde 1973 o padre Oliver O?Grady violou e sodomizou impunemente um incontável número de crianças, com total e perfeito conhecimento dos seus superiores e das autoridades eclesiásticas católicas.

Enquanto isso, essas mesmas as autoridades eclesiásticas, com especial relevo para o Cardeal de Los Angeles, Roger Mahony, limitavam-se depois de cada escândalo a transferi-lo sucessivamente de paróquia para paróquia.
Apesar de em cada nova paróquia O?Grady uma vez mais começar tudo de novo.

Aliás, é sabido que a só Igreja Católica americana já gastou mais de mil milhões de dólares em acordos indemnizatórios extra-judiciais com vítimas de abusos sexuais para abafar os escândalos e proteger os padres envolvidos.

A autora deste notável documentário, Amy Berg, conseguiu localizar o padre Oliver O?Grady e persuadi-lo mesmo a participar nas filmagens.
O seu relato dos anos que passou nas diversas paróquias da Califórnia é arrepiante, e desprovido de qualquer remorso ou arrependimento.
Mesmo quando confessa abertamente aquilo a que chama «uma irresistível atracção sexual por crianças pequenas, mesmo bebés de poucos meses» e admite abertamente ter usado o ascendente moral que como padre tinha sobre as crianças das sucessivas paróquias por onde passava para depois as violar.

Eis um pequeno filme de uma entrevista com a autora e realizadora do documentário:

Mais perturbadora será talvez a frieza com que o padre Oliver O?Grady calmamente declara que tem a consciência tranquila, e como se considera completamente perdoado pelos seus pecados uma vez que… os confessou já a um padre seu colega.

Resta dizer que ao fim de quase 30 anos de abusos e violações o Padre Oliver O?Grady foi preso e julgado pela justiça americana, e condenado a 14 anos de cadeia.
Depois de cumprir 7 anos dessa sentença foi libertado.
A Igreja Católica Apostólica Romana não o abandonou nesta sua desventura: transferiu-o para a sua Irlanda natal, onde agora uma vez mais apascenta em paz um novo rebanho.
De que obviamente fazem parte crianças de todas as idades…


Clique sobre a imagem à direita ->

para aceder ao site e ver um pequeno “trailer” do documentário que nos relata a mais obscura faceta deste nobre mensageiro de Deus, e nos desvenda que tipo de instituição é na realidade a Igreja Católica Apostólica Romana.

A que tanta gente ainda se arroga orgulhosamente de pertencer…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

9 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Em nome de Deus


Bob Woodward, o jornalista do Washington Post que com Carl Bernstein denunciou o caso Watergate, conversa no programa «Meet the Press» acerca do seu último best seller, «State of Denial», o terceiro devotado às guerras «divinamente inspiradas» contra «o eixo do mal» de G.W. Bush.

Os Estados Unidos são cada vez mais um país onde o muro de separação entre Igreja e Estado vai sendo demolido tijolo a tijolo. Como indica este artigo no New York Times, que mostra com um exemplo simples, creches e centros de ATL, que as igrejas estão fora da lei. Mesmo das inúmeras e dispendiosas regras indispensáveis a qualquer outra organização para poder operar estes centros. Este artigo, que recomendo, mostra como nos últimos anos foi produzida legislação que concede impunidade (e isenção fiscal) aos muitos negócios das igrejas americanas, muitos deles sem nada a ver com religião. Recordo que, por exemplo, a Igreja Católica é a multinacional mais poderosa nos Estados Unidos, com negócios totalmente isentos fiscalmente que vão desde a operação de parques de estacionamento, hotelaria, empresas de comunicação social a bancos.

Apesar de mais de 200 novas disposições legais que colocam efectivamente as igrejas acima da lei, os pastores consideram que decorre nos Estados Unidos uma (inexistente) «guerra aos cristãos». Expressa, nomeadamente, em legislação que os impede de prosseguir a «causa» cristã mais glorificada nos Estados Unidos: o direito à intolerância daqueles que não seguem os preceitos «morais» cristãos. Aliás, os devotos pastores consideram ser a luta cívica do século XXI o direito à intolerância, a que chamam o «direito de serem cristãos». Devo confessar que neste ponto estou totalmente de acordo com os cristãos americanos mais fanáticos, isto é, na correlação entre intolerância e religião!

Em muitos estados esse direito à intolerância manifesta-se em «cláusulas morais» a que a legislação federal está sujeita. Como nos conta uma feminista do Ohio na sua crónica da humilhação a que foi sujeita ao tentar obter algo que de acordo com a legislação vigente é perfeitamente legal e nem sequer necessita receita médica: a pílula do dia seguinte.

A esperança reside nas gerações mais novas que, de acordo com os preocupados pastores evangélicos, abandonam em massa as igrejas. As projecções desses pastores indicam que apenas 4% dos adolescentes serão «adultos que acreditam na Bíblia», isto é, fundamentalistas cristãos, intolerantes e integristas, que acreditam literalmente em todos os dislates inscritos na colecção de delírios e fantasias que dá pelo nome de Bíblia.

Como Evan Derkacz indica, é curioso que 4% seja igualmente a percentagem que os teocratas americanos acreditam representar a fracção de muçulmanos fundamentalistas…

8 de Outubro, 2006 Carlos Esperança

Brasil em perigo de retrocesso

Não é habitual discutir no Diário Ateísta assuntos predominantemente políticos e, muito menos, manifestar opções sobre as decisões do eleitorado de um país amigo.

Porém, a eventual eleição de Geraldo Alckmin na segunda volta das eleições brasileiras constituiria um sério retrocesso para as conquistas em matéria de liberdade religiosa nos governos de Fernando Henriques Cardoso e de Lula da Silva.

A separação da Igreja e do Estado, que o regime democrático aprofundou, ficaria em perigo com a eleição de um presidente ligado à mais fanática e intolerante seita da Igreja católica – o Opus Dei. Constituiria um sério revés para o pluralismo religioso.

Vários órgãos da comunicação social têm manifestado apreensão pelo candidato que é filho de um elemento proeminente do Opus Dei, que promove reuniões periódicas com membros da seita e que tem um confessor (pecados não lhe faltarão) da prelatura.

Eis a razão para desejar a vitória de Lula e a derrota de Alckmin, deixando a este mais tempo para cuidar da alma e dedicar-se ao serviço divino.

8 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Carta a uma nação cristã

Novo livro do filósofo Sam Harris, «Carta a uma Nação Cristã.»

Não obstante as pretensões dos nossos crentes leitores de que a filosofia implica uma mundivisão religioso-sobrenatural, a maioria dos filósofos actuais, aliás todas «as ciências humanas, como a história, a psicologia, a sociologia e a filosofia» como se queixou Ratzinger na sua palestra em Regensburg, partilham com o ateísmo uma visão do Universo científico-natural na qual assentam as respectivas elucubrações.

Na realidade, considerando que a teologia não é filosofia, é apenas pseudo filosofia, com excepção dos que se dedicam à filosofia da religião, são muito poucos os filósofos contemporâneos que contemplem «verdades reveladas» ou o sobrenatural a não ser para as desmistificar. Na minha opinião, as religiões «reveladas» são tão incompatíveis com a filosofia como o são com a ciência, já que assentam em dogmas inquestionáveis e o dogmatismo não é consentâneo com uma postura filosófica.

De facto, desde a Renascença que a visão científico-natural do mundo e concomitante humanismo permearam o pensamento ocidental. Desde a Renascença que a Cristandade, a supremacia da religião e da visão religiosa-sobrenatural do Universo, está em declínio no Ocidente. O Humanismo, o traço dominante da Renascença, venceu o teocentrismo medieval, com a sua redescoberta do homem, confiante no seu intelecto, poder e valor, em contraste com a Idade Média, que apenas considerara o homem como um ser pecaminoso e sem valor intrínseco. Libertação do homem renascentista bem representada no discurso «Da dignidade do homem» (Hominis Dignitate) de Picco della Mirandola.

Antes da visão cientifico-natural prevalecer, as pessoas acreditavam e utilizavam astrologia, alquimia, cabala mística e demais parafernálias religioso-sobrenaturais. A mundivisão mitológica e mágica do mundo proporcionava um weltanschaaung e propósito cognitivo pré-científico, em que se acreditava, por exemplo, que os corpos celestes eram manifestações de forças divinas sortidas que podiam magicamente influenciar objectos terrestres. De acordo com esta crença astrológica – considerada científica – os corpos superiores poderiam imprimir nos corpos inferiores a podridão e as chagas. E o ar era o elo condutor. Caso estivesse corrompido pelos astros, «feriria o coração» e agravaria a natureza do corpo sem que a pessoa sentisse nada. Todos os aspectos da vida humana eram assim determinados «sobrenaturalmente» e o sobrenatural dominava a forma como vivia e morria o homem medieval.

No centro do peito da figura que eu havia contemplado no seio dos espaços aéreos do Sul, eis que surgiu um roda de maravilhosa aparência. Continha os signos que a reaproximavam dessa visão em forma de ovo, que eu tive há dezoito anos e que descrevi na terceira visão do meu livro Scivias. «O Livro das Obras Divinas», Hildegard von Bingen, a tal para a qual, segundo o Vaticano, «a relação entre fé e ciência era quase co-natural».

As imagens fantásticas da visionária beneditina expressam as teorias sobre o microcosmo e a cosmologia vigentes. A «vontade» de Deus e a vinda de adversidades podem ser lidas nos signos do céu, os pecados da terra ressoavam nos céus. Cometas e eclipses eram «maus presságios», uma forma de Deus anunciar catástrofes sortidas com que decidira mimosear a Terra.

A cosmologia medieval distinguia duas regiões do Universo, a esfera sublunar, que continha todas as substâncias sujeitas à corrupção devido à incompatibilidade natural existente entre os quatro arqué – os elementos primordiais de Empedokles ainda aceites – (o fogo quente, o ar seco, a terra fria e a água húmida) que a constituiam. A segunda região, a esfera supralunar (ou celeste), era povoada pelos astros, pelos santos que estão na «Glória Eterna», os anjos e Deus. Acreditava-se que o mundo supralunar emitia fluidos, influxos invisíveis ou segredos naturais, que influenciavam o mundo sublunar.

Ou seja, as pessoas não percebiam a natureza das interacções químicas e físicas, os processos físicos pareciam ser o produto de enigmáticas «propriedades ocultas» e os elementos e reacções químicas pareciam ser o produto de magia. Hoje, quando a ciência se impôs com as suas explicações naturais de fenómenos naturais, não há alguma razão ou prova para acreditarmos que, a existir o sobrenatural indispensável às religiões, este tenha qualquer interacção ou efeito no mundo natural.

A falência óbvia da mundivisão religiosa-sobrenatural para explicar o Universo, a falta de qualquer evidência da existência do sobrenatural associada à certeza de que a existir não exerce qualquer influência no mundo natural, não obsta a que os fanáticos de todas as religiões se achem no direito de impor a todos as suas fantasias religiosas. E explica porque são cruzados contra a ciência todos os fanáticos em nome de Deus. Um dos aspectos abordados por Harris no seu novo livro.

7 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Violência nos subúrbios de Paris

Michel Thoomis, secretário geral do sindicato Acção Polícia, escreveu uma carta ao ministro do interior francês avisando Nicolas Sarkozy de que decorre uma intifada não declarada contra a polícia nas ruas dos bairros sociais de Paris, que albergam um grande número de desempregados de origem magrebina.

De acordo com este sindicalista, que pede carros blindados e canhões de água para controlar a situação:

«Nós estamos num estado de guerra civil, orquestrada por radicais islâmicos. Já não se trata de uma questão de violência urbana, é uma intifada com pedras e cocktails Molotov. Já não se vê dois ou três jovens enfrentando a polícia, vê-se blocos de edíficios a serem despejados nas ruas para libertar os ‘camaradas’ quando estes são presos».

O número de ataques à polícia aumentou cerca de 33% nos dois últimos anos e os polícias, especialmente os que patrulham estas zonas em pequenos grupos, são imediatamente atacados mal tentam prender algum dos habitantes destes bairros problemáticos.

Algumas fontes da polícia francesa insistem no entanto que o problema é essencialmente criminoso, uma reacção dos patrões do crime organizado destes bairros às políticas duras de combate à criminalidade do ministro do interior, que é um dos mais fortes candidatos do centro-direita às eleições presidenciais de Abril próximo.

Uma destas fontes afirmou ao Figaro que essas políticas «destruiram a economia paralela dos bairros sociais» e segundo Gerard Demarcq, do maior sindicato policial francês, o aumento do número de ataques à polícia apenas reflecte o facto de que esta recuperou território anteriormente na posse de bandos criminosos, traficantes de drogas e outros marginais.

Os presidentes de câmara dos subúrbios mais afectados, os mesmos que há um ano assistiram a semanas de violentos tumultos e à destruição pelo fogo de centenas de carros, já expressaram a sua preocupação sobre as novas tácticas policiais, mais musculadas, de combate à criminalidade que segundo eles conduzem a um círculo vicioso, isto é, que a acção policial destinada a erradicar o crime organizado das suas comarcas agravará o resentimento dos locais.

Les Mureaux, subúrbio parisiense constituído por 46% de habitação social, conheceu outro tumulto no passado fim de semana, com vários polícias feridos e um carro da polícia incendiado. Na quarta-feira, cerca de 100 polícias – e alguns jornalistas- efectuaram um raid matinal num dos bairros mais problemáticos deste subúrbio, des Musiciens. Esta reacção da polícia às agressões sofridas tem levantado alguma celeuma em França e já motivou um pedido de explicação ao ministro do Interior por parte do Partido Socialista francês.

7 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Prémio Nobel da Química 2006

O investigador norte-americano Roger D. Kornberg foi ontem distinguido com o Prémio Nobel da Química 2006. O cientista foi galardoado pelo seu trabalho sobre «a base molecular da transcrição eucariótica».

A resolução da estrutura atómica da ARN polimerase serviu de base a um trabalho extremamente elegante que foi decisivo para elucidar a nível molecular o mecanismo de transcrição em eucariotas ou eucariontes (organismos cujos células têm núcleo- todos os organismos multicelulares são eucariotas).

A transcrição é a leitura da informação contida nos genes ou fragmentos de ADN, informação transcrita numa molécula de ARN que é complementar à cadeia da dupla hélice de ADN «lida». É o primeiro de dois passos, transcrição e tradução referidos conjuntamente como expressão génica, necessários à produção de proteínas. A transcrição não se limita à expressão de proteínas já que o ARN tem outras funções para além de servir de ponte entre o ADN e a produção de proteínas.

A ARN polimerase é a principal enzima do complexo enzimático responsável pela transcrição do ADN em ARN. Ao contrário dos procariotas ou procariontes – organismos unicelulares, por exemplo bactérias, cujas células não têm núcleo – onde o processo de transcrição é relativamente simples, com apenas um co-factor designado por factor sigma, nos eucariotas existem uma série de co-factores necessários à transcrição, os factores de transcrição ou TFs.

Esta complicada coreografia molecular está directamente relacionada com o grau de complexidade celular encontrado nos organismos multicelulares. Estes organismos apresentam células especializadas, como um neurónio ou uma célula muscular, que necessitam expressar diferentes proteínas, isto é, de activar genes diferentes. Ou seja, a transcrição selectiva das dezenas de milhares de genes presentes numa célula determinam se esta se transformará num neurónio, numa célula muscular, do fígado ou se se mantém estaminal. E determinam se uma dada célula se desenvolve normalmente ou se transforma numa célula cancerígena.

Investigar como são activados os genes é uma questão fundamental em biologia, necessária, por exemplo, à diferenciação optimizada de células estaminais numa futura medicina regenerativa.

Enquanto o prémio Nobel da Química trata da activação e transcrição de genes, o prémio Nobel da Fisiologia e Medicina, atribuído segunda-feira aos investigadores norte-americanos Andrew Fire e Craig Mello, tem a ver com a desactivação ou silenciamento de genes.

De facto, os dois cientistas foram galardoados pela sua descoberta da interferência de RNA (RNAi), mecanismo que permite silenciar genes introduzindo na célula uma curta cadeia dupla de RNA complementar à sequência de RNA do gene a silenciar. Ou seja, este mecanismo, presente naturalmente não só em animais mas também em plantas como defesa contra vírus e para regular a expressão de cerca de 30% dos genes, permite, de forma simples e eficaz, manipular a expressão de um determinado gene. Para além de ser fulcral na investigação da função de uma determinada proteína, pode suprimir a expressão de uma proteína que esteja na origem de uma determinada patologia.

Por exemplo, pode ajudar a controlar os níveis de colesterol, como indicam estudos preliminares realizados em primatas em que se silenciou o gene que codifica uma proteína envolvida no transporte e metabolismo do «mau» colesterol.