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19 de Setembro, 2010 Ludwig Krippahl

Treta da semana: papal disparatismo.

Joseph Ratzinger está de visita ao Reino Unido, como parte do seu plano de lutar contra o ateísmo e fazer gastar rios de dinheiro por onde passa. Esta visita já vai em mais de vinte milhões de libras, doze milhões dos quais cobrados à população maioritariamente protestante. Que, naturalmente, protestou (1,2).

Criticando o que chama de “secularismo agressivo”, o Papa recordou aos britânicos a sua luta corajosa «contra uma tirania Nazi que queria erradicar Deus da sociedade»(3). Isto porque, de outra forma, os britânicos só se recordariam dos bombardeamentos e das invasões, esquecendo que o maior perigo da segunda grande guerra foi o ateísmo. E foi pura sorte Hitler não ter sido um ateu agressivo como os de hoje. Senão, em vez de uma década de perseguição aos judeus e cinco anos de guerra mundial poderia ter escrito meia dúzia de livros sobre religião e ateísmo. O impacto nos cofres da Igreja Católica e no rating de audiências das missas teria sido terrível.

Ratzinger esqueceu, no entanto, a base cristã do nacional socialismo. Do Judeu e suas Mentiras, de Martinho Lutero, foi uma inspiração importante para a Kristallnacht, que o bispo protestante Martin Sasse, laudatório, salientou ter calhado no aniversário de Lutero (4). E Ratzinger omitiu também o apoio da Igreja Católica a Hitler (5), neste caso talvez mais por modéstia que por esquecimento. O lema da Wehrmacht era “Deus connosco”. E das duas vezes que Hitler usou “ateísmo” no Mein Kampf foi para acusar disso os partidos judeus e os marxistas. Como o exército alemão marchava com Deus e Hitler queria exterminar aqueles que considerava ateus, Razinger interpreta o nazismo como querendo eliminar Deus. Para um leigo isto pode parecer imbecil, mas temos de nos lembrar que a hermenêutica católica se rege pelo mistério da fé. Ou seja, pela máxima do “leio o que me dá jeito e que se lixe o que lá está escrito”.

Além das incorrecções históricas, a ligação entre o ateísmo e o nazismo é falaciosa. Mesmo que Hitler tivesse sido ateu, coisa que estava longe de ser, não se podia inferir daí que o problema do nazismo era o ateísmo. Afinal, Hitler também comia pão, ia à casa de banho e tinha bigode. Nem tudo o que ele fazia era terrível. E a violência e o totalitarismo nazi estão muito mais próximo das religiões que do secularismo moderno. Os ateus “agressivos” põem anúncios nos autocarros. Os religiosos agressivos põem bombas. Os ateus debatem, argumentam em público e acolhem o contraditório. Até porque, como diz o povo, pela boca morre o peixe, e quanto mais os religiosos explicam a fé mais da sua careca se vê. Em contraste, os religiosos passam a maior parte do tempo a fazer-se de ofendidos e a queixar-se que as críticas são intolerância.

A Igreja Católica, em particular, tem traços salientes de totalitarismo. Os cidadãos seculares são homens e mulheres que se dividem por vários quadrantes políticos mas que defendem consensualmente a democracia. A Igreja Católica é uma organização autoritária na qual alguns homens (sempre homens) mandam no resto. O movimento secular defende que o Estado e a sociedade deixem a cada pessoa as suas crenças, opiniões e sexualidade. A Igreja Católica quer imiscuir-se na vida privada e ditar normas de conduta sexual, casamento, divórcio e educação religiosa. Esta intromissão do poder público na vida privada é uma característica fundamental do totalitarismo.

E isto reflecte-se nos actos. A Igreja Católica opõe a distribuição de preservativos em África não só por considerar o seu uso imoral mas porque alega que o acesso aos preservativos aumenta a promiscuidade. O que é falso. É preciso ser muito ingénuo – ou desonesto – para defender que a falta de preservativos vai tornar celibatários milhões de africanos. Mas, pior que falso, é profundamente imoral. A Igreja Católica quer impedir o uso de preservativos para que a ameaça da SIDA obrigue milhões de africanos a alterar os seus hábitos sexuais. É uma sacanice digna do Hitler, e que os ateus unanimemente condenam.

Não quero dizer que o catolicismo seja igual ao nazismo. Apesar dos paralelos nas relações históricas com os judeus e no desprezo pela democracia e liberdade de consciência, não vou cometer o mesmo disparate do Papa. Mesmo que Hitler esteja mais distante de Dawkins que de Ratzinger, o nazismo foi muito mais terrível e violento do que é o catolicismo moderno.

Mas num aspecto a Igreja Católica ganha ao nacional socialismo. Hitler queria fundar um reich de mil anos. A Igreja Católica já vai quase no dobro, à conta da repressão, dos abusos de poder, e de aldrabices como esta.

1- CNN, Anger awaits pope on landmark UK visit.
2- BBC, Protesters march against Pope visit, via Portal Ateu.
3- BBC, Row after Pope’s remarks on atheism and Nazis
4- Wikipedia, Nazism
5- Por exemplo, o Ricado Alves publicou aqui um cartaz de 1933 apelando ao voto católico em Hitler, no referendo de 12 de Novembro. E aqui há uma fotografia da época ilustrando a forte oposição católica ao nazismo.

Em simultâneo no Que Treta!

18 de Setembro, 2010 Luís Grave Rodrigues

Adolph Hitler – Joseph Ratzinger: O Mesmo Combate!

 

 O Papa Bento XVI está de visita ao Reino Unido.

Mal chegou, o líder da Igreja Católica, pôs-se a arengar contra o ateísmo logo no primeiro discurso que fez à sua colega, a prestimosa líder da Igreja Anglicana, também conhecida como Rainha Isabel II.

 

É sempre curioso que o Papa dedique boa parte do seu tempo de pregação e de proselitismo a falar do ateísmo.

Deve ter qualquer coisa lá dentro que o mói…

Mas o que é mais curioso, é que, desta vez, o Papa lembrou-se de fazer uma associação entre o nazismo e o ateísmo.

E diz ele a certa altura do seu discurso:

 

«Ainda em tempo das nossas próprias vidas, podemos recordar como a Grã Bretanha e os seus lideres se opuseram à tirania Nazi que pretendia erradicar Deus da sociedade e a tantos negar a nossa humanidade comum, especialmente aos Judeus, que foram considerados indignos de viver.

«Também recordo a atitude desse regime face a pastores e religiosos cristãos, que falavam de verdade e de amor, e se opuseram aos Nazis e pagaram essa oposição com as suas vidas.

«Ao reflectirmos nos ensinamentos do extremismo ateu do século XX, nunca esqueçamos como a exclusão de Deus, da religião e da virtude da vida pública conduz necessariamente a uma visão truncada do homem e da sociedade e, assim, a uma visão redutora do ser humano e do seu destino».

 

Pois bem:

Curiosidades à parte, o que é absolutamente triste e completamente desonesto da parte deste facínora alcunhado de Bento XVI, é que ele bem sabe que Adolph Hitler era um fervoroso católico e que o infernal regime de terror que fez imperar durante mais de 12 anos por toda a Europa foi inspirado no misticismo cristão e principalmente na mitologia católica.

 

Não esqueçamos que é logo no Evangelho de Mateus (27:25) que encontramos a primeira sentença de morte aos judeus, e que tão bem tem sido obedecida pelos católicos em pogroms e autos de fé ao longo dos últimos dois mil anos:

 

E se o Papa Bento XVI pretende falar do Nazismo à Rainha de Inglaterra, era bom que tivesse a hombridade e a dignidade de lhe fazer também algumas citações do próprio Adolph Hitler.

 

Podemos encontrar no «Pharyngula» mais de meia centena dessas citações, de que respigamos aqui apenas três:

«Acredito hoje que tenho vindo a actuar de acordo com o Criador Todo-Poderoso; ao atacar os judeus estou a lutar pela obra do Senhor»

«Este nosso mundo humano seria inconcebível sem a existência prática de uma crença religiosa»

«Eu sou agora, como sempre fui e sempre serei, um católico»

 

O que isto quer dizer é que, pelos vistos, o Papa Bento XVI e Adolph Hitler sempre têm algo em comum:

– São ambos católicos.

 

E assim, quanto à honestidade, à dignidade e à ética deste Papa, estamos pois conversados.

16 de Setembro, 2010 Ludwig Krippahl

Equívocos, parte 9.

Para o nono equívoco, o Alfredo escolheu «a negação do carácter inspirado da Bíblia»(1). E volta a insistir que «Os ateus contemporâneos […] pressupõem não apenas que a Bíblia contém explicações de carácter científico sobre o modo como funciona a natureza, como também que estas passagens devem ser interpretadas da forma mais estritamente literal. Aliam-se, desta forma aos fundamentalistas cristãos mais radicais como são os criacionistas.» Não é bem assim.

Os criacionistas defendem que tudo o que está escrito na Bíblia é verdade e que boa parte é cientificamente relevante. Os ateus defendem o contrário, que o que está escrito na Bíblia exprime muitas ideias erradas acerca da natureza e da origem do universo e que, cientificamente, vale o que se espera de mitos tribais com dois milénios. Onde concordamos é apenas no significado da expressão “o que está escrito na Bíblia”, porque sem concordar com o objecto da discussão nem sequer poderíamos discordar do resto. E o significado dessa expressão é consensual. “O que está escrito” num texto é o que se percebe da intenção do autor. O próprio Alfredo lê (quase todos) os textos assim. E por isso pode discordar do que eu escrevo sem ter de esperar dois mil anos pela hermenêutica adequada dos meus posts.

Os autores do Génesis, do Êxodo, e de outros livros da Bíblia, não tencionaram escrever só metáforas. Tentaram a transmitir as ideias que tinham acerca da origem do universo e da história do seu povo. E mesmo interpretando-as como metáforas ficam muito longe da realidade. Deus criou os céus e a Terra e depois fez luz. Criou cada animal segundo a sua espécie e matou tudo num dilúvio, excepto uns poucos exemplares. Isto não tem nada que ver com que sabemos da formação do sistema solar, da origem das outras espécies e da evolução da nossa. Se são metáforas, falta saber de quê.

E o Alfredo contradiz as suas crenças quando afirma que «de acordo com uma actualizada leitura bíblica» a Bíblia não «contém verdades científicas». Porque segundo a religião do Alfredo a Bíblia descreve coisas como a paternidade de Jesus, a virgindade de Maria e a ressurreição, que estão claramente no domínio científico. Os cristãos não defendem que Jesus ressuscitou metaforicamente, que Maria só era “virgem” em sentido figurado e que “Espírito Santo” era uma referência poética ao jovem bem parecido que vivia na rua seguinte. Além disso, uma boa parte do Novo Testamento é lida como um registo histórico, e o estudo da história faz parte da ciência. Quer queiram quer não, a “actualizada leitura bíblica” interpreta uma boa parte da Bíblia como sendo ciência. Diferem dos criacionistas apenas na escolha da parte que interpretam assim.

Por isso, apesar do que alega, o Alfredo não exclui da Bíblia afirmações científicas. O que faz é reinterpretar o que for preciso para que não se possa confrontar o que lá está escrito com fontes independentes. E esta batota cria uma contradição ainda mais fundamental. O Alfredo defende que o seu deus inspirou os autores da Bíblia a revelar uma mensagem divina. Mas, ao mesmo tempo, defende que esses autores divinamente inspirados estavam completamente enganados acerca da mensagem que transmitiam, e que só os hermeneutas de hoje a compreendem. Pior ainda, o que propõe é que as únicas partes da Bíblia que podemos considerar literalmente verdade são aquelas cuja verdade não podemos confirmar fora da Bíblia. O que retira, logo à partida, qualquer possibilidade de fundamentar esta hipótese. Porque antes de considerar um texto como uma verdade revelada por um deus, no mínimo temos de poder aferir se o que está lá é verdade ou não.

Daí a necessidade do equívoco do Alfredo, um equívoco comum na apologética. Diz que o meu ateísmo erra pela «negação do carácter inspirado da Bíblia». Como diz que eu nego Deus ou que nego a transubstanciação da hóstia. Mas isto é um equívoco porque não são as coisas em si que eu nego. Para já porque não se pode negar coisas, só proposições. E, além disso, não tenho aqui qualquer inspiração divina, deus ou transubstanciação para “negar”. A única coisa que o Alfredo me dá são as suas afirmações. E é apenas isso que eu nego. São essas hipóteses que rejeito, tal como rejeito as hipóteses de haver deuses ou do criador do universo ter inspirado a Bíblia, o Corão ou o Livro de Mórmon.

Este equívoco é importante porque negar a inspiração divina ou negar um deus com maiúscula parece uma enorme arrogância. Afinal quem sou eu, humano insignificante, para negar o criador do universo ou dizer quem ele pode ou não pode inspirar. Manter este equívoco dá toda a vantagem ao Alfredo. Mas desfazendo-o percebe-se que estou apenas a duvidar do Alfredo. O Alfredo que não é o criador do universo, que não inspira bíblias e que é apenas outro humano como eu. E se o Alfredo diz saber que uns livros escritos há mais de dois milénios foram inspirados pelo deus criador do universo, faz todo o sentido pedir ao Alfredo que fundamente devidamente essa afirmação extraordinária. E se vier com interpretações, reinterpretações e desculpas para não se poder testar o que lá está escrito, então é caso para dizer ao Alfredo desculpa lá, mas isso soa-me a treta.

1- Alfredo Dinis, Grandes equívocos do ateísmo contemporâneo

Em simultâneo no Que Treta!

13 de Setembro, 2010 Miguel Duarte

Encontro Ateísta e Humanista de Setembro 2010

Aproxima-se o próximo Encontro Ateísta e Humanista.

Desta vez é no próximo dia 15 de Setembro, pelas 19:30, na Loja de História Natural (Rua do Monte Olivete, 40).

Se estiver interessado em comparecer, ou ser informado dos próximos encontros, por favor faça o seu registo em:

http://encontros.humanismosecular.org/calendar/14538629

Nota: A Rua do Monte Olivete, onde se localiza a Loja de História Natural, é mesmo em frente do Museu de História Natural (Rua da Escola Politécnica).

11 de Setembro, 2010 Carlos Esperança

EUA – Nove anos após o 11 de Setembro

Demente da fé

«O nosso primeiro inimigo não é Bin Laden nem Al Zarqawi, mas o Corão, o livro que os intoxicou». (Oriana Fallaci, jornalista italiana, falecida).

Há nove anos não foi agredida apenas a América, a civilização foi posta à prova. O ódio religioso é a lepra que alastra e corrói a base dos sistemas democráticos e põe em risco a civilização.

5 de Setembro, 2010 Ludwig Krippahl

Treta da semana: Mexe? Nah…

No dia 6 de Novembro vai haver uma conferência interessante no Indiana, EUA. É a “Primeira Conferência Católica sobre o Geocentrismo” (1). Segundo o cartaz, Galileu estava enganado e a Igreja Católica é que tinha razão. O programa promete. O “Dr.” Robert Sungenis, mestre em teologia pelo Seminário Teológico de Westminster, começa com a sua palestra “Geocentrismo: eles sabem mas estão a escondê-lo”. Os maganos… isso não se faz.

Segue-se uma introdução à mecânica do geocentrismo, e depois vem o Dr. Robert Bennett com experiências científicas que demonstram que a Terra está parada no espaço. Estas experiências devem ser fascinantes. Há também evidências bíblicas do geocentrismo – nestas coisas “evidência” inclui as fantasias de tribos antigas – e, como não podia faltar, o Carbono 14 para demonstrar que a Terra é um planeta jovem. A idade da Terra não tem nada que ver com o geocentrismo mas, treta por treta, que venham também as do criacionismo. E tudo isto por uns meros cinquenta dólares com almocinho incluído. Se fosse aqui perto (e só o almoço) talvez eu até lá fosse.

Na conferência estará à venda o livro de Sungenis e Bennett, Galileo Was Wrong: The Church Was Right, uma obra em dois volumes. O argumento central, se argumento se pode chamar, parece ser que a física permite estipular qualquer referencial onde medir coordenadas (2). O que é verdade, mas eu diria ser mais um argumento contra o geocentrismo do que a seu favor, visto não dar qualquer razão para considerar a Terra como estando no centro do universo. E até dá boas razões contra escolher esse referencial.

Num sistema de referência inercial as expressões são mais simples. Se medirmos as coordenadas num sistema de referência que acelere ou rode em relação a sistemas inerciais, temos de acrescentar forças fictícias para descrever as trajectórias e a expressão das mesmas leis da física torna-se muito mais complexa. Por exemplo, a figura abaixo mostra as órbitas de Mercúrio, Vénus, Terra e Marte representadas, da esquerda para a direita, em relação ao Sol, em relação a um referencial centrado na Terra mas sem rodar, e num referencial na Terra rodando com esta (3).

complicar o simples

Como é normal nestas coisas, o geocentrismo massaja o ego de quem não consegue admirar o universo pelo que ele é – naturalmente indiferente às nossas preferências ou inseguranças – em detrimento de uma descrição correcta, rigorosa e sucinta. Mas, para mostrar que tenho aprendido umas coisas no diálogo com os defensores da teologia, decidi concluir este post com uma apologia do modelo geocêntrico.

Fisicamente, o geocentrismo não faz sentido. Mas, ainda assim, é uma certeza metafísica pelo mistério da fé. Como a transubstanciação da hóstia e a virgindade de Maria. E sendo a fé um complemento da razão, estas nunca podem contradizer-se e é impossível interpretar a doutrina geocêntrica de forma a contradizer a ciência. Temos de considerar vários níveis de interpretação, como o arbitrário e o fictício, para interpretar o geocentrismo e poder afirmar que a Terra está imóvel no centro do universo sem contradizer, de forma alguma, a ciência que afirma precisamente o contrário.

E, se for preciso, podemos chamar a atenção dos cientistas para um aspecto fundamental de qualquer questão acerca do universo. A jurisdição. Tal como a origem do universo, a existência de deus e a aparição milagrosa de vários defuntos, a posição da Terra é um problema teológico e não científico. Por isso os cientistas não podem dizer que o universo surgiu sem precisar de um deus nem dar dicas acerca da posição da Terra. Esses são assuntos que não lhes dizem respeito.

1- Galileowaswrong.com. Obrigado à Ana Luísa pela informação, os momentos de incredulidade e o facepalm quando, umas googladelas depois, descobri que era mesmo a sério.
2- Catholic Truths, Geocentrism 101. (Mas confesso que não tive pachorra para ler tudo…)
3- O código fonte, para Octave, está aqui. As unidades dos gráficos são em centenas de milhões de kilómetros, mais ou menos alguns zeros caso me tenha enganado. Os gráficos são para 690 dias terrestres, que é um ano de Marte, com um ponto por dia excepto no último, onde calculo 6 pontos por dia para contar com a rotação da Terra.

Em simultâneo no Que Treta!

4 de Setembro, 2010 Ludwig Krippahl

Q&A.

O Miguel Panão fez quatro perguntas no seu blog, em quatro posts recentes. Como as respostas do Miguel não me parecem fazer justiça à clareza das perguntas, decidi dar uma ajuda.

«É possível considerar uma ciência de Deus?»(1)

É. E nem é preciso inventar um “método científico-teológico”, como o Miguel propõe. Basta que se possa inferir algo observável das hipóteses acerca de Deus. Basta isto porque os objectos da ciência são as hipóteses, modelos e teorias. Se formarmos as nossas ideias de maneira a poder descobrir quando erramos, elas dão-nos um caminho para o conhecimento. E isso é ciência.

Infelizmente, gato escaldado tem medo de água fria. A Igreja Católica já sofreu tantos traumas com a refutação dos seus modelos falsificáveis que agora prefere alegações vagas que nunca se possa saber se são verdade, mentira ou sequer se alguma diferença faz. E o incentivo da crença lucrativa em milagres e aparições disfarça-se de tolerância erudita pela simplicidade dos menos esclarecidos.

«Prova científica da existência de Deus?»(2)

Também. Mas a prova científica não é um argumento ou uma demonstração. É um teste. A prova científica da existência de Deus é, simplesmente, o teste da hipótese “Deus existe”. O que é perfeitamente viável. Só que, para os crentes, é inconveniente. E se falha? Grande chatice. Por isso o Miguel apressa-se a excluir a possibilidade alegando que «se Deus fosse considerado uma hipótese formulada no quadro do mundo natural implicaria considerá-lo como um ser entre outros seres, uma causa entre outras causas, logo, não seria Deus. Por definição».

À parte de querer dizer à realidade como ela é à força da definição, o que claramente não funciona, esta objecção é irrelevante. Há muito na ciência que não é “causa entre outras causas” nem “ser entre outros seres”, desde o princípio de incerteza de Heisenberg às leis da termodinâmica, e incluindo todas as abstracções lógicas e matemáticas que usamos para construir modelos, como a raiz quadrada de dois ou as funções trigonométricas.

E já se fez muitas provas cientificas a muitas hipóteses acerca de muitos deuses. Incluindo o do Miguel. O resultado é que foi desanimador para os crentes. Sempre que alguma destas hipóteses foi posta à prova, chumbou. Daí a preferência moderna por hipóteses que nunca podem ir a exame.

«Todo o cientista é não-crente?»(3)

Aqui estou de acordo com o Miguel, se bem que a resposta não tenha nada que ver com o materialismo. É claro que o cientista pode crer num deus e ter fé. Mas só da maneira como o neurocirurgião pode ser pugilista e o padeiro fazer compostagem. Separadamente. O problema não é se a mesma pessoa é capaz de ambas as actividades mas que as actividades são incompatíveis. O bom padeiro tem de lavar as mãos antes de meter a mão na massa, o neurocirurgião tem de trocar de luvas e o cientista tem de deixar a sua fé noutro lado. Porque a convicção de já saber a Verdade impede que descubra a verdade. Esta última, apesar de escrita com minúscula, é mais útil e mais honesta. E chegamos à quarta pergunta do Miguel.

«Como interagem ciência e fé?»(4)

Mal. A fé é convicção, empenho emocional e apego às ideias. É ser fiel a uma hipótese, é confiança e crença pela crença. É ver como virtude a defesa persistente de uma ideia face a qualquer vicissitude ou evidência contraditória. A ciência é o oposto. É dúvida metódica, imparcialidade e desapego. É a disposição para mudar de ideias, desconfiar das premissas e aceitar as crenças apenas em função das evidências. E ver como virtude a capacidade de dizer enganei-me, esta ideia não serve, vamos procurar outra.

Uma pessoa poder dedicar-se a ambas não indica que sejam compatíveis. É como um copo poder ter água e azeite. Continua a ser preciso escolher como agir em cada situação. Ou dando um salto de fé na esperança de cair em respostas certas. Ou avançando com o andar prudente da dúvida, ciente que cada passo pode ser um erro, que tem de ser sujeito a testes e fundamentado em evidências, e admitindo a possibilidade de voltar atrás para procurar melhores caminhos.

1- É possível considerar uma ciência de Deus?
2- Prova científica da existência de Deus?
3- Todo o cientista é não-crente?
4- Como interagem ciência e fé?

Em simultâneo no Que Treta!

1 de Setembro, 2010 Ludwig Krippahl

Equívocos, parte 8.

No novo episódio desta série, o Alfredo Dinis aborda o que diz ser o «Oitavo equívoco [do ateísmo]: a persistência do literalismo bíblico»(1). Alega que os ateus recusam «afastar-se da interpretação literal sistemática e descontextualizada» da Bíblia, «à boa maneira do fundamentalismo criacionista».

Não é verdade. Os fundamentalistas defendem que a Bíblia é a palavra literal e inerrante de Deus enquanto os ateus defendem que a Bíblia contém afirmações falsas e maus conselhos. Como, por exemplo, que o universo foi criado em seis dias ou que se deve apedrejar as crianças desobedientes. Por isso, fundamentalistas e ateus têm posições opostas acerca da Bíblia, e não semelhantes como o Alfredo sugere. Uns defendem que a Bíblia é a verdade revelada por Deus e os outros que defendem tratar-se de histórias inventadas por humanos.

A posição católica é que está no meio. Admitindo que a maior parte do que está na Bíblia não é aceitável se for lido como foi escrito, defende que ainda assim é verdade porque tem de ser “interpretado”. E aqui começam outros problemas.

Escreve o Alfredo que a interpretação literal da Bíblia é «descontextualizada», não considerando «o contexto histórico e cultural dos textos bíblicos.» Mas é a interpretação católica moderna que retira os textos bíblicos seu contexto original e os reinterpreta à luz da nossa cultura moderna. Originalmente, o Génesis foi escrito – e era lido – como um relato factual da criação do universo. E as recomendações do Deuterónimo, como apedrejar os filhos desobedientes, não eram uma mera ilustração dos costumes bárbaros de tribos primitivas. Foram escritas e lidas como representando a vontade de Deus. E foi assim durante séculos até que o progresso da ciência e da ética obrigaram muitos religiosos a rejeitar a letra da Bíblia. Mas, no contexto original, a Bíblia era para ser levada à letra como fazem os fundamentalistas.

O Alfredo Dinis explica também que se deve considerar «quatro sentidos hermenêuticos na interpretação do texto bíblico: literal, metafórico, moral e escatológico» e que devemos dar atenção «às formas literárias e às maneiras humanas de pensar presentes nos textos bíblicos». Apesar dos teólogos modernos deturparem o sentido original destes textos, concordo com a ideia em abstracto. A análise de um texto, enquanto tal, deve considerar os sentidos de interpretação, os estilos literários e essas coisas.

Mas o que está aqui em causa não é a crítica literária. O que separa crentes e ateus não são questões de estilo ou de interpretação. É saber se a Bíblia é como defendem os crentes, um veículo da revelação divina de factos e deveres, ou se é como desconfiam os ateus, opiniões e histórias escritas por humanos. E para ver se a Bíblia tem origem divina temos de testar o que lá está escrito. Para isso as hermenêuticas não ajudam. O Alfredo também não daria vinte valores a um aluno que, não tendo uma única resposta certa, lhe dissesse saber tudo da matéria mas que o seu exame devia ser interpretado e não levado à letra. Para avaliarmos se a Bíblia foi mesmo algo que Deus revelou àqueles que a escreveram temos de considerar o que está lá escrito e o contexto em que o escreveram.

As (re)interpretações modernas da Bíblia constituem uma falácia de petição de princípio. Escreve o Alfredo que a interpretação literal da Bíblia «não é possível, por exemplo, quando entra em contradição com dados provenientes da história, das ciências naturais, etc.» Mas a interpretação literal é sempre possível. Só que mostra que a Bíblia não surgiu por revelação divina mas sim por especulação humana, porque a Bíblia exprime exactamente os erros e preconceitos que se esperaria ver num texto escrito por pessoas como aquelas que a escreveram. É isto que os ateus apontam.

Quando o Alfredo diz que essa interpretação literal “não é possível” porque contradiz os factos está a assumir, implicitamente, que é impossível a Bíblia conter falsidades. Mas é precisamente essa premissa que está em causa. A reinterpretação que a teologia moderna faz da Bíblia surge de assumir como premissa aquilo que só faria sentido como conclusão: que a Bíblia é a palavra inerrante de Deus.

A teologia diz que a Bíblia deve ser sempre interpretada de forma a não contradizer o que sabemos. O reverso da medalha é que, com esta restrição, a Bíblia nunca nos pode dar qualquer novidade testável. Ou a interpretamos pelo que julgamos saber ou especulamos que nos diz coisas cuja verdade nunca poderemos determinar. Isto protege a teologia de qualquer refutação mas torna-a numa mera mancha de Rorschach que só mostra o que lá imaginamos ver. E isto acaba por dar razão aos ateus. A religião não é uma revelação divina de verdades profundas. É apenas uma ilusão criada por humanos.

1- Alfredo Dinis, Grandes equívocos do ateísmo contemporâneo

Em simultâneo no Que Treta!

1 de Setembro, 2010 Luís Grave Rodrigues

Citação do Dia

 

«Uma semana antes dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, estive num debate com Dennis Prager, que é uma das mais conhecidas personalidades religiosas da televisão na América.

Ele desafiou-me publicamente a responder ao que chamou «uma pergunta de sim ou não» e eu concordei de boa vontade.

– Muito bem, declarou ele: eu devia imaginar-me ao anoitecer numa cidade desconhecida; devia imaginar que via um grande grupo de homens a aproximar-se de mim. Agora – sentir-me-ia mais seguro, ou menos seguro, se soubesse que estavam apenas a voltar de um encontro de oração?

Como o leitor perceberá, esta pergunta não pode ser respondida com um sim ou um não.

Mas eu respondi como se não fosse hipotética:

– Para me manter apenas na letra “B”, já tive essa experiência em Belfast, Beirute, Bombaim, Belgrado, Belém e Bagdad. Em todos os casos posso dizer com certeza, e apresentar razões para a minha resposta, porque é que me sentiria imediatamente ameaçado se pensasse que o grupo de homens que se aproximava de mim ao anoitecer vinha de uma cerimónia religiosa».

Christopher Hitchens

21 de Agosto, 2010 Ludwig Krippahl

Crença, fé e religião

Muitas vezes que escrevo sobre isto noto que estes termos causam alguma confusão. Não quero obrigar ninguém a usar estas palavras como eu as uso mas queria esclarecer o que quero dizer com elas e salientar diferenças que me parecem importantes.

Uma crença é a aceitação de uma ideia. Se a ideia for uma proposição acerca dos factos, então crer é considerar essa ideia como verdadeira, correspondendo à realidade. Se a ideia for um juízo de valor, crer será adoptá-lo. Se for um ideal será partilhar desse ideal, e assim por diante. E todos temos crenças. Não se pode saber algo sem acreditar que é verdade, não se pode preferir algo sem acreditar que é melhor e não se pode almejar algo sem acreditar que vale a pena. Assim, quando critico crenças procuro explicar porque as rejeito e talvez persuadir alguém a rejeitá-las também. Se são crenças acerca dos factos posso apontar que não se justifica concluir que são verdade, e se são acerca de valores posso apontar inconsistências com outros valores. Mas como crer é uma atitude pessoal a discussão assenta sempre no princípio de que cada decidirá por si em que há de acreditar e mais ninguém tem nada com isso.

A fé é uma meta-crença, como diz Dennett. As crenças acerca dos factos carecem de uma justificação objectiva. Não podemos justificar acreditar que algo é verdade só porque queremos ou nos dá jeito. Mas a fé, para quem a tem, permite ignorar este requisito. Quem tem fé confia que aquelas crenças que a sua fé abrange estão automaticamente justificadas. A fé é crer na legitimidade dessas crenças. Sendo também uma atitude pessoal, fica igualmente ao critério de cada um decidir em que há de ter fé ou se há de ter fé alguma. Mas como a fé apenas dá a sensação de justificação a quem a tem, nunca se consegue justificar a quem não a tenha e não explica porque se há de ter fé numas crenças e não noutras, não há muito a discutir acerca disto a não ser apontar estes defeitos.

Uma religião é algo diferente porque é uma construção social e não uma atitude pessoal. Não é apenas a opinião de uma pessoa ou uma opinião partilhada por muitos. Uma religião é uma organização com uma classe profissional que alega saber mais que os outros acerca dos deuses, que afirma os seus dogmas como verdade e não como mera crença e que goza de benefícios, prestígio e poder injustificados. Injustificados porque assenta em fantasias disfarçadas de verdades. Não há evidências que o Joseph Smith tenha traduzido placas de ouro que Deus lhe emprestou, nem que Maomé tenha falado com Deus, nem que a Terra tenha sido criada em seis dias ou que Deus se tenha disfarçado de carpinteiro e morrido crucificado para perdoar pecados que não cometemos. E eu considero que é má ideia criar organizações influentes à volta de teses sem fundamento como estas.

O problema não é a crença ou a fé, que fazem parte da liberdade de crer e pensar. Os defeitos que tenham algumas crenças ou a fé devem ser mitigados de forma a respeitar esta liberdade. Podemos explicar que a astrologia é treta, que as medicinas alternativas não funcionam e que os OVNIs não são pilotados por ETs. E se, no fim disto tudo, alguém ainda quiser acreditar nessas coisas, paciência. Isso é lá consigo.

Mas as religiões afectam terceiros e temos de decidir o que permitimos a essas organizações. Se queremos crucifixos nas escolas e aulas de religião no ensino público. Se aceitamos as objecções à educação sexual e às lojas abertas ao domingo. Se permitimos que ganhem dinheiro com dízimos ou na venda de milagres e paraísos. Se financiamos missas e excursões aos centros de aparecimentos, e assim por diante.

Neste debate público, no qual a democracia assenta, somos responsáveis por distinguir aquilo que é crença subjectiva daquilo que é legítimo considerar facto e igualmente válido para todos. Não vamos inventar dados acerca da saúde, do desemprego ou da segurança rodoviária apenas pela fé. E, ao contrário do que as religiões defendem, a fé também não serve para inventar factos acerca da vida depois da morte, dos deuses e dos milagres. Por isso as religiões participam neste debate de uma forma intrinsecamente desonesta ao insistir ser facto dogmas que não passam de mera crença.

Esta diferença é importante. Quando critico crenças e fé estou a explicar a minha posição consciente de que não virá mal nenhum se discordarem de mim e não chegarmos a conclusão alguma. Mas quando critico religiões estou a participar num processo colectivo de decisão, que é prejudicial deixar em suspenso, e a denunciar como ilegítima a alegada autoridade dos membros destas organizações. Quando uma pessoa morre por recusar uma transfusão de sangue, ou vive um casamento miserável porque não se consegue divorciar, parte da culpa é do próprio por tomar tão más decisões. Mas parte da culpa é dos que lhe dizem saber, como facto, que há um deus que castiga quem se divorciar, receber transfusões ou duvidar de fábulas. Não só lhes falta legitimidade para afirmar que sabem tais coisas – sabem tanto disso como qualquer um de nós – como o mais provável é ser tudo treta, que isso não é coisa que seja fácil acertar à sorte.

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