Loading

Categoria: Ciência

3 de Setembro, 2008 Carlos Esperança

Dúvidas metafísicas

“Lembrei-me destas questões que gostaria de ver respondidas pela ASAE:

Se as hóstias forem feitas com trigo transgénico, o sacerdote não deveria informar os fiéis? 

O vinho da eucaristia não deveria ser armazenado em garrafas rotuladas?

A lavagem que o sacerdote faz do cálice não deveria ser feita pelo menos com um detergente, ou com água a não sei quantos graus?

A patena onde se colocam as hóstias para consagração também não deveria ser limpa?

As hóstias não deviam ser entregues em embalagens individuais?

O sacerdote não deveria usar pinças ou luvas para entregar as hóstias?

Quando se comunga de duas espécies, também se serve vinho a quem aparente possuir anomalia psíquica ou esteja embriagado?

Os menores de 16 anos também podem comungar das duas espécies, e assim beber vinho? 

No rito da adoração da cruz, o santo lenho não deveria ser esterilizado após cada ósculo? 

No Domingo de Ramos, onde é que a malta vai buscar os ramos de palmeira ou de oliveira?

As peças do Presépio não deveriam ter a marca ‘CE’?

O incenso espalhado pelos turíbulos pode ser de ópio ou cannabis?

A água da pia ou fonte baptismal não deveria desinfectada com cloro, ou coisas assim?

Os bebés não deveriam estar de touca? 

Como é que se controla a qualidade da água benta que é aspergida pelo híssope

E por fim: Os vasos dos santos óleos não deveriam ser embalado em embalagens munidas com sistema de abertura que perca a sua integridade após utilização e que não sejam passíveis de reutilização?

Nota: Estas dúvidas que afligem os crentes foram-me enviadas por um amigo (MPM). Não sei responder-lhe. Pode ser que um padre nos esclareça.

12 de Maio, 2008 Mariana de Oliveira

Afinal, existe

O sacerdote católico polaco Michael Heller, que é também cosmólogo e matemático, recebeu, em Londres, o Prémio Templeton 2008, atribuído a um estudo que mostre como a matemática pode oferecer provas indirectas da existência de Deus.

De acordo com a agência de notícias católica Ecclesia, as teorias do Padre Heller não se centram tanto em oferecer provas da existência de Deus mas em suscitar dúvidas acerca da realidade.

«A sua especialidade são as fórmulas complexas, desenvolvidas há mais de 40 anos, capazes de explicar qualquer coisa, inclusive a sorte, através do cálculo matemático», revela a Ecclesia, segundo a qual o galardão tem o valor de um milhão e 170 mil euros.

O júri do Prémio Templeton distinguiu o sacerdote pelas suas concepções originais sobre «a origem e a causa do Universo», pois encaixou a visão cristã no quadro mais amplo do contexto cosmológico.

As suas pesquisas «ampliaram o horizonte metafísico da Ciência», segundo a Fundação Templeton, que há 35 anos concede o prémio ao progresso para a pesquisa ou desenvolvimento de realidades espirituais.

Aos 72 anos, Michael Heller, que é docente na Faculdade de Filosofia da Academia Pontifícia de Teologia de Cracóvia, Polónia, junta-se a uma lista de galardoados em que figuram Madre Teresa de Calcutá, o escritor Alexander Solzhenitsyn, o reverendo Billy Graham e o líder espiritual indiano Pandurang Shastri Athavale.

O Prémio Templeton 2008 será entregue pelo Príncipe Filipe, duque de Edimburgo, em cerimónia privada.

Fonte: Sol, 07 de Maio de 2008.

19 de Fevereiro, 2008 ricardo s carvalho

da ciência e da banha da cobra

«[…] O ponto principal é que, embora hajam certas coisas que a ciência moderna não compreende, existem também muitas outras que a ciência compreende em grande detalhe, e o conjunto de todas essas coisas simplesmente não deixa espaço algum para a [coloque aqui a sua banha da cobra favorita]. Isto não quer dizer que sejamos capazes de provar que esta não é real. De facto e em rigor não podemos, mas esta afirmação também não tem qualquer valor ou utilidade pois a ciência nunca prova nada; esta é uma característica muito simples da forma como funciona a ciência. Ao invés, a ciência funciona acumulando dados e dados empíricos a favor ou contra as mais diversas hipóteses. Se podemos demonstrar que [por exemplo] os fenómenos psíquicos são incompatíveis com as leis da física que compreendemos actualmente, então a nossa tarefa seguinte é saber pesar quão plausível é que “algumas pessoas deixaram-se levar por má investigação, testemunhos não credíveis, confirmações viciadas, e ideias demasiado optimistas” ao invés de que “as leis da física que foram testadas por um enorme número de experiências rigorosas e de alta precisão ao longo de muitos e muitos anos estão simplesmente erradas de forma clara e macroscópica, e nunca ninguém reparou nisso”.

O conceito crucial a reter é que, na formulação moderna da física fundamental, nós não só sabemos uma série de coisas, mas também temos um conhecimento muito preciso dos limites das nossas teorias. Noutras palavras, embora saibamos que mais cedo ou mais tarde surgirão algumas surpresas (como cientistas, é por isso que esperamos), há também toda uma série de experiências que sabemos à partida que não vão resultar em quaisquer resultados de interesse — essencialmente porque a mesma experiência, ou alguma equivalente, já foi efectuada.

Um exemplo simples é a lei da gravitação de Newton, a famosa lei do inverso da distância ao quadrado. É uma lei da física com bastante sucesso, suficientemente boa para levar astronautas à Lua e trazê-los de volta. Mas certamente não é uma verdade absoluta; de facto sabemos que esta lei falha em certos regimes, devido a correcções oriundas da Relatividade Geral. Apesar disso, existe um regime em que a gravitação Newtoniana é uma aproximação eficaz, suficientemente boa até uma dada precisão, precisão essa que sabemos estimar. Podemos afirmar com confiança que, se estamos interessados na força gravítica entre dois objectos separados por uma dada distância, e com massas determinadas, então a teoria de Newton diz-nos qual é a resposta correcta com uma precisão bem determinada. […]

Este conhecimento científico tem consequências. Se descobrirmos um novo asteróide em rota de colisão com a Terra, podemos utilizar a gravitação Newtoniana com confiança suficiente para prever a órbita futura do asteróide. De um ponto de vista absolutamente rigoroso, uma pessoa poderia sentir-se tentada a dizer “Mas como sabemos que a gravitação Newtoniana funciona nesta caso particular? Ela não foi testada neste asteróide específico!”. E isso é verdade, pois a ciência nunca prova nada. Mas naturalmente não é assunto de preocupação alguma, e qualquer pessoa que fizesse tal afirmação nunca seria levada a sério.

Tal como os asteróides, tal como os seres humanos. Nós somos criaturas do universo, sujeitas às mesmas leis da física que tudo o resto. Como toda a gente sabe, há muitas coisas que não sabemos no que diz respeito à biologia e às neurociências, para não falar nas leis mais fundamentais da física. Mas há muitas outras coisas que compreendemos com enorme rigor e, [por exemplo], bastam os aspectos mais elementares da teoria quântica do campo para pôr definitivamente de parte qualquer ideia de que nós temos capacidade para influenciar objectos à distância apenas com o poder do pensamento. […]»

(Sean Carroll no Cosmic Variance, "Telekinesis and Quantum Field Theory" --- tradução minha)

28 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

Ciência e teologia

A divergência entre ateísmo e religião não se resume à existência de «Deus». Na sua raiz, é principalmente uma divergência quanto ao método de analisar a realidade. O ateu, normalmente, confia na ciência (teoria -> confronto com a observação -> nova teoria -> etc). O crente, incrivelmente, acha que «houve umas pessoas especiais» que sabem (ou souberam) mais do que as outras sobre a natureza das coisas, apesar de terem vivido há muito tempo em sociedades menos tecnológicas. Enfim, o mundo é um lugar estranho.

21 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

Ausência de fé não é fé

Há religiosos que gostam de dizer que os ateus têm fé de que «Deus» não existe, e que portanto têm tanta fé como os crentes.

É uma afirmação absurda. Ausência de fé não é ter fé, do mesmo modo que a careca não é um penteado e a saúde não é uma doença. Pode estar-se doente com gripe, arteriosclorose, varicela, diabetes, gonorreia ou cancro, mas estar saudável não é uma doença: é o estado de ausência de doença. Da mesma forma, pode ser-se muçulmano, católico, cientologista, mórmone ou budista, mas ser ateu não é outra forma de ter fé; é ausência de fé.

18 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

«Vida espiritual»

«Vida espiritual» é só um nome pretensioso para a actividade cerebral.

Aos religiosos que argumentam que os pensamentos de cada um de nós são mais do que função da matéria que nos constitui, gostaria de perguntar qual foi o primeiro animal que teve «vida espiritual» (ou «alma», já agora). Foi o nosso antepassado comum com os chimpanzés e os orangotangos? Foi o Neanderthal? Começámos a pensar de modo diferente com o Neolítico? Antes? Depois? Quando?

17 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

O agnosticismo superficial

Há um certo agnosticismo superficial que os crentes tentam, por vezes, invocar a seu favor. Parte da premissa de que «a ciência não pode refutar a existência de Deus», se esse «Deus» encolher para dimensões deístas (iniciou o universo e remeteu-se à inactividade) ou ainda menores (existe fora de um universo que não criou mas que observa sem fazer nada). Tendo lidado com a contradição entre ciência e teologia dessa forma superficial, alguns crentes partem depois para uma defesa dos dogmas das religiões reveladas, ou, quando é a política que lhes interessa, para uma defesa dos valores morais mais ou menos reaccionários das igrejas tradicionais.

Acontece que da premissa de que a ciência tenha dificuldade em dizer algo sobre um «Deus» situado fora do universo não se segue, em primeiro lugar, que a religião tenha algo de válido a dizer sobre essa mesma hipótese. Em segundo lugar, ao agnosticismo face a um «Deus» indetectável deveria seguir-se uma equidistância face às diversas religiões com ele compatíveis, e até a oposição às religiões que se acham «reveladas» (para nada dizer dos respectivos valores morais).

No entanto, deve sublinhar-se que se os humanos criadores das diversas religiões reveladas tivessem inventado deuses meramente ausentes, e tranquilamente exteriores ao universo, jamais teriam tido sucesso. Esses deuses nunca teriam garantido as formas de relação com os falecidos que constituem o apelo maior comum a tantas religiões, ou os argumentos de autoridade que permitiram aos sacerdotes aliar-se aos poderes políticos. A crença no «Deus» ausente, no fundo, só serve mesmo para fins de credibilidade filosófica.

15 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

Nota sobre o acaso

Os crentes costumam afirmar que, na ausência de crença em «Deus», «nós estamos aqui por acaso». Esta afirmação presta-se a confusões.

Em primeiro lugar, os crentes costumam englobar no «acaso» dois conceitos distintos: a aleatoriedade e a ausência de propósito ético. Fazem-no porque na sua cosmovisão a distinção não existe ou é nebulosa, uma vez que atribuem ao universo simultaneamente uma criação divina (que inclui as leis que o regem), e um propósito ético, que remetem para a mesma entidade.

No entanto, a existência do nosso planeta, da nossa espécie animal, ou de cada um de nós individualmente, considerados os constrangimentos das leis físicas e as inevitabilidades dos sistemas biológicos, é tanto um acaso como a verticalidade da queda do meu telemóvel se eu o largar no ar. Não são acasos no sentido de aleatório.

E a existência da nossa espécie tem tanto propósito ético, à partida, como a existência dos chimpanzés ou dos caranguejos. O desenvolvimento de uma linguagem complexa, e depois de uma cultura, convenceram-nos do contrário. E quem conta estórias grandiosas, mesmo que falsas, engana os incautos.