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Autor: Onofre Varela

26 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

Estórias de Jesus

Em Novembro de 2012 foi lançado no mercado um livro biografando Jesus Cristo (o terceiro de uma colecção de três), da autoria de Ratzinger, então Papa Bento XVI. Convenhamos que Jesus Cristo, enquanto personagem histórico, é dono de uma biografia difícil, se não mesmo impossível, de escrever. Já na versão de Homem-Deus, as coisas estão facilitadas… por aí podemos dizer dele os maiores dislates que, se não ofenderem os crentes e roçarem as estórias contadas pelos evangelistas e propagadas pela Igreja durante dois milénios, não as contrariando, essas narrativas ficcionadas serão tomadas como a mais alva pureza das realidades.

Uma biografia tem de partir de um ponto de vista histórico. Não há outro modo de a fazer que não seja relatar os episódios que fizeram a vida real de uma pessoa concreta. Se a obra ultrapassa esta baliza, deixa de se denominar biografia, para passar a ser ficção, romance, ensaio, romance histórico, biografia ficcionada ou… expressão de fé… que é aquilo que a obra de Ratzinger é: a expressão subjectiva da sua fé em Jesus Cristo. E só assim deve ser entendida.

Enaltecer a subjectividade é o que faz o partidarismo, seja político ou religioso. Tomar partido por algo ou por alguém, é colocar-se ao lado de uma corrente de pensamento, por muito que a racionalidade e a História possam garantir o erro dessa corrente. As visões contrárias à natureza das coisas nunca são avalizadas pelas disciplinas científicas que as estudam… por isso a História não garante que seja verdadeiro o teor da maioria dos livros biografando Jesus, os quais não contêm História, mas sim estória (conto popular ficcional… como é a Estória da Carochinha!).

A afirmação de que Deus existe tem por base a crença, não passando de uma convicção. A ideia de Deus permite várias interpretações e discussões, desde logo a sua estranha natureza, até à necessidade que dele muitos sentem e dependem, em consequência dos banhos de religiosidade de que foram vítimas na infância.

Todos nós temos direito às nossas convicções, e a defesa de uma convicção só pode ser rotulada de acto desonesto se o seu defensor tiver consciência da “inverdade” que apregoa; e só é vigarice se, conscientemente, ele quiser comprar a concordância do outro, sabendo que lhe está a vender gato por lebre. Quando o defensor de uma ideia está convicto daquilo que defende, presumindo estar com a verdade, ele é honesto nas suas afirmações e deve ser respeitado na “sua verdade”.

Por isso aceito a subjectividade de Ratzinger, embora não concorde com ele. E todos nós sabemos, pela História, que através dos tempos o Ser Humano conseguiu a audácia de criar fundamentos intelectuais que lhe permitiram direccionar o seu entendimento para a interpretação naturalista, distanciando-se dos mitos que as religiões defendem como verdade e dos quais se alimentam.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

24 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

Da ciência e da religião.

Falar de Ciência e de Religião é como falar de chá e de vinho. Não são a mesma coisa… mas ambos contêm água!

O leitor mais avisado, seja religioso, agnóstico ou ateu, que não detenha um pensamento fundamentalista e pretenda ser coerente com as coisas que ao mundo e ao Homem pertencem, saberá que desde a origem da Humanidade surgiram tantas religiões como idiomas; umas cem mil… e todas elas sempre foram afirmadas como únicas e verdadeiras.

E também poderá apontar atitudes de crença como sendo indutoras de calma e de paz que lhe mostram a “divina graça da criação”… a mesma calma e a mesma paz que o cientista encontra no final do estudo que lhe mostra a realidade das coisas naturais, baseado na verdade científica dispensando credos religiosos.

Credos que construiram uma espécie de “estrada do conhecimento” que nos serviu de percurso na construção da História do Pensamento, permitindo-nos o “entendimento” da criação do mundo e da criação do Homem modelado em barro, mais o paraíso e o próprio conceito da vida para além da morte como negação do natural fim que recusamos contrapondo-lhe a ideia que criamos da “vida eterna” baseados na fé.

O raciocínio que nos mostra a mesma água contida no chá e no vinho… é que faz a diferença!…

O sabor final de cada uma das bebidas, mais os efeitos que cada uma produz em nós, são tão diversos, como diversos são o saber e o crer. Mas não é absolutamente necessário abandonar um para seguirmos no caminho da vida carregando, somente, o outro. Na nossa mala de viagem cabem os dois.

O chá não substitui o vinho, tal como o sal não substitui o açúcar… mas há um lugar próprio nas prateleiras da nossa cozinha (e da nossa mente) para ambos… o que não devemos é misturá-los!…

Se há religiosos para quem a narrativa do Génesis não ultrapassa o mito que é (não misturando sabores), esses constituem uma minoria… não integram a massa compacta de crentes que se arrastam em lugares ditos sagrados e que aceitam a Bíblia como História, confundindo os frascos na prateleira.

Afirmar a crença como substituto do conhecimento científico, pode conduzir a caminhos tão escuros como os que levaram Donald Trump à presidência dos EUA… país onde, numa sondagem do jornal “USA Today”, há uma vintena de anos, se garantia que 60% dos norte-americanos reivindicavam o ensino do Génesis bíblico nas escolas, em substituição do Evolucionismo de Charles Darwin!

Quando se junta a crença à crise de intelecto, procura-se apoio nas santinhas de altar e na mesa pé-de-galo da bruxa e da cartomante-adivinhadora das televisões, desacreditando a informação científica. O raciocínio religioso de uma grande parte de nós é muito primitivo… e isso é coisa que me inquieta, tanto mais quando penso nas palavras do físico e prémio Nobel Steven Weinberg: “Com ou sem religião sempre haverá gente boa fazendo coisas boas e gente má fazendo coisas más, mas para que gente boa faça coisas más faz falta a Religião”.

No nosso percurso pela estrada da vida, o desencontro das ideias de Ciência e de Religião já levou a alguns confrontos, mas hoje essas atitudes bélicas não têm razão de ser. As duas disciplinas pertencem a diferentes campeonatos… nunca jogam juntas nem disputam a mesma taça. Devemos arrumar cada uma no seu devido lugar nas prateleiras do nosso Conhecimento.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

22 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

Crer ou não crer

Um dia perguntaram ao filósofo Agostinho da Silva : “Acredita em Deus?” Ao que ele respondeu: “Depende. Se você me disser o que é Deus, pode ser que eu lhe diga se acredito ou não”.

Não conheço resposta mais concreta e acertada para tal pergunta! Na verdade não se pode negar a existência de Deus assim, tão simplesmente, porque logo a seguir a essa negativa se colocaria a questão: se Deus não existe, porque é que estás a falar dele? Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento, caso contrário não se entenderia porque estás a nomeá-lo!

Só se pode negar ou afirmar aquilo que se conhece. E aquilo que “eu conheço” do conceito de Deus (o conceito, sim, existe) não me merece crédito de existência real para além do conceito que é, nem fora da mente de quem o afirma.

A figura de Deus apregoada pelas religiões é definida como um ser espiritual, mas que tem personalidade e forma material (a crer na Bíblia, reuniu com Moisés para lhe entregar as tábuas da lei), que produz milagres e orienta os homens, que castiga e premeia, que dá e tira, e que reina num universo paralelo onde nos espera depois de morrermos para nos premiar com felicidade eterna, ou nos condenar também eternamente (o que é uma maldade!…).

Este deus, pintado assim, desta maneira tão infantil para o raciocínio de um adulto saudável, definitivamente, não pode existir. As leis da física e da química não permitem a existência de um ser, ou coisa, com tais poderes!

As opiniões que contrariam a fé dos crentes costumam incitá-los à recusa imediata da opinião do outro, sem qualquer raciocínio crítico que os pudesse levar a comparar ideias antes de negarem o “incrédulo demoníaco”. Esta atitude só é tomada por quem não está preparado para enfrentar tal raciocínio, mas que, pelo contrário, está programado para o recusar liminarmente.

Seria mais razoável se os crentes enfrentassem os factos contrários à sua fé com capacidade analítica e concluíssem depois. Acredito que se assim fizessem, as crenças religiosas perderiam a maioria dos seus adeptos por terem adquirido conhecimentos mais avançados do que o primitivo “saber religioso” adquirido pelos Homens da Idade do Ferro, bem antes de haver um pensamento científico, mas que hoje ainda é consumido desregradamente…

A fé da medievalidade do pensamento ainda habita cérebros sem o critério científico que alimenta a dúvida e incita à procura, mau grado os diversos meios de conhecimento que a modernidade tem ao dispor de todos nós. A crença “pura e dura”, numa primeira análise “a frio”, não é compatível com a nossa época. Na crença entregamo-nos ao sonho mais inconcretizável e à simulação, convictos de estarmos com a verdade.

(Advertência: “Crença” não é sinónimo de “Ignorância”. O Crer e o Saber co-habitam pacificamente no mesmo cérebro sem conflituarem. Ignorantes todos nós somos, começando pelos cientistas… que só procuram e investigam, porque sabem que não sabem!… Se soubessem que já sabiam, não se davam a tal trabalho. A crença e o conhecimento científico têm vasos comunicantes e não se deve partir do raciocínio simplista [e errado] de que o crente é detentor de menor inteligência por garantir saber, desconhecendo que não sabe. A “Sensibilidade” de cada um é pedra fundamental na construção do nosso pensamento… e também tem direito a ser atendida nesta questão).

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

21 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

SOBRE JESUS CRISTO

Acabamos de viver mais uma quadra festiva integrando o Natal e a Passagem de Ano, duas datas emblemáticas para as culturas ocidentais. A primeira delas, considerada a Festa da Família, transporta uma carga religiosa conotando o dia 25 de Dezembro com o nascimento de Jesus Cristo (JC). 

O que se sabe de JC é o que os Evangelhos nos contam. Referências históricas que confirmem os relatos dos evangelistas Marcos, Mateus, Lucas e João, não existem.

Perante a falta de fontes históricas credíveis, podemos considerar a existência de “dois Jesus Cristos”: o JC histórico e o JC mitológico. Do Jesus histórico pouco se sabe… e do Jesus mitológico há bibliotecas imensas sobre ele, que o afirmam Deus e que operou milagres, o último dos quais foi a sua própria ressurreição e a subida ao céu!

A vida real do Jesus Cristo histórico será bem mais prosaica, mais terra-a-terra e muito mais humana, do que a fórmula mitológica com que a contam as várias Igrejas inspiradas nos Evangelhos que foram escritos algumas dezenas de anos depois de JC morrer, e não passam de narrativas na fórmula “alguém disse que ouviu dizer”.

Jesus Cristo foi um rebelde que ascendeu à condição de personagem histórica com maior repercussão na História da Humanidade nos últimos dois mil anos, chegando a condicionar a vida, a Arte, a Cultura e os costumes de milhões de pessoas. Aceite como Deus, em seu nome se mataram inocentes, e muitos dos seus seguidores perderam a vida na propagação da sua fé.

Jesus Cristo é, incontornavelmente, a figura mais poderosa na história da civilização ocidental. Jesus nasceu e viveu no local e no tempo certos.

Se tivesse vivido na Alemanha nazi, teria sido morto nos fornos crematórios de Hitler, anonimamente, entre milhares de outros judeus. 

Se tivesse nascido na União Soviética de José Staline, teria sido enviado para a Sibéria e fuzilado entre tantos infortunados filhos da mãe Rússia. 

Se tivesse nascido na América Latina das ditaduras protegidas pelos EUA, teria sido um guerrilheiro camarada de Che Guevara, em luta contra o imperialismo americano (que o adora), e seria assassinado numa emboscada montada pela CIA numa selva da Bolívia. 

Se tivesse crescido na China de Deng Xiaoping, enfrentaria o exército e os tanques na praça Tiananmen, seria preso e rapidamente julgado por um Pilatos de olhos em bico que o condenaria à morte. A bala que lhe perfuraria a nuca teria de ser obrigatoriamente paga pelo seu pai carpinteiro. 

Se fosse português desempregado no Portugal governado por Passos Coelho e Paulo Portas, e presidido por Cavaco Silva, manifestava-se ruidosamente contra as atitudes do governo e o silêncio do presidente, e os responsáveis pelo seu desemprego apontavam-lhe a fronteira para que emigrasse. 

E se vivesse hoje no seu próprio território natal, a Palestina, era contestatário dos colonatos judeus e seria assassinado pela fúria criminosa dos soldados de Netanyahu na vaga de ódio que promove o genocídio do seu Povo Palestino… com a aprovação dos EUA, que o adoram!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

13 de Dezembro, 2023 Onofre Varela

“COM A RELIGIÃO NÃO SE BRINCA”, DISSE ELE.

Texto de Onofre Varela, publicado na imprensa, em que reflete sobre uma frase que ouviu. Afinal, “com a religião não se brinca”?

Os dirigentes dos partidos políticos da Direita têm uma enorme incapacidade de perceberem a vida dos pobres que alguns deles constantemente desrespeitam.

Penso estar na memória de todos nós a infeliz frase de Assunção Cristas (enquanto presidente do CDS), proferida em época de eleições concorrendo à presidência da Câmara de Lisboa: “Calço as galochas e vou aos bairros sociais”. A sua infeliz frase demonstrou que ela não sabe que um bairro social não é uma pocilga, e pior do que isso: imagina que é!… E imaginando-o, colocou num patamar muito baixo a dignidade de quem habita os bairros, esquecendo que a dignidade daquela gente é igual à sua. Ela só tem mais dinheiro e um curso académico superior, o que não é sinónimo de ser mais digna!

Já Marcelo Rebelo de Sousa, com todas as suas demonstrações de carinho, levando ânimo a quem sofre, não pôde deixar de escorregar nas palavras e nas ideias quando sugeriu a um sem abrigo, num acto de distribuição de comida em noite de Natal, que levasse para casa o resto do pão que não comeu, porque “é muito bom para fazer torradas”… esquecendo que um sem-abrigo não tem casa, não tem torradeira, nem fogão, nem manteiga…

Quem sempre viveu numa casa aquecida e confortável, com a dispensa bem fornecida e o frigorífico cheio, não imagina o que é passar-se mal, passar fome e frio, ter os bolsos sem dinheiro, não ter cartões de débito e muito menos de crédito. Referi Cristas e Marcelo em casos concretos… mas a extrema Direita actualmente no Parlamento tem o mesmo desrespeito por quem sofre; e o discurso aparentemente contrário não é mais do que isco de anzol para ser mordido pelos incautos.

A um outro nível menos social no campo das ideias que animam (e desanimam) a nossa sociedade (e continuando a retroceder no tempo alguns anos), ouvi um alto dirigente do CDS dizer num congresso que aconteceu em Lamego, num discurso inflamado debitado para uma plateia ideologicamente igual ao palestrante, a frase “com a Religião não se brinca”, referindo-se a algo que uma dirigente do Bloco de Esquerda teria dito sobre a estátua do Cristo Rei de Almada.

Ele não sabe que a Religião não é uma estátua!… Ele não sabe que se pode (e deve) brincar com tudo… menos com a dignidade e a saúde dos cidadãos, o bem estar de todos nós e o ensino das populações, mais o pão dos trabalhadores pagos miseravelmente. 

Partidos de Direita travestidos de sociais-democrátas, defendem ordenados baixos e também defendem a ideia do “trabalhador-descartável”. Muitos dos empresários que apoiam este tipo de política, brincam com a vida das famílias que têm como único sustento a força do seu trabalho vendido ao patronato… e o sentimento religioso é usado sem pudor por partidos políticos que, efectivamente, brincam com o sentimento religioso do Povo, explorando-o também na crença. Estes discursos da Direita são falsos como Judas. Se Jesus Cristo voltasse à Terra, não permitiria a entrada na sua Igreja a muitos dos que se afirmam “tão-democratas-cristãos” e têm atitudes “tão-pouco-cristãs”. 

E também não sei se Jesus aceitaria entrar numa igreja Católica!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

Imagem de Pexels por Pixabay
11 de Dezembro, 2023 Onofre Varela

O medo da morte e a eternidade

Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa, em que reflete sobre o medo da morte.

O medo é um sentimento que funciona como escudo protector da vida, activando o sentido de alerta perante situações de perigo. No bordo de uma falésia, qualquer animal, incluindo o Homem, recua com medo de cair. Só as aves se abeiram e saltam no vácuo… porque voam.

Nós compreendemos o medo pelo sentimento que temos dos riscos que corremos quando nos encontramos em perfeito estado de consciência… o que parece não acontecer aos suicidas. É normal e natural evitarmos tudo quanto possa apresentar risco de vida: não ingerimos veneno, não saltamos de uma ponte nem nos deitamos na linha do comboio (aqui fica uma dica para os candidatos ao suicídio: esta ideia da linha do comboio deve ser evitada… porque as frequentíssimas greves dos ferroviários fazem gorar o desejo do suicida).

Nós não temos, só, medo da morte; também receamos o futuro… que não sendo propriamente sinónimo de morte, já foi mais entendido como promessa de melhor vida do que o é neste tempo de má globalização. O futuro apresenta-se cada vez mais carrancudo e armadilhado para a maioria das pessoas que já têm, no tempo presente, um inferno sem porta de saída. Inferno imposto por guerras, lutas políticas violentas e pelos “mercados”, desde o do trabalho ao económico, embora o nosso inferno seja um paraíso para quem se alimenta de tais “mercados”.

Na consciência dos nossos medos, também tem lugar a morte natural. Todos temos medo de morrer. Mesmo quando vivemos em sofrimento social ou de saúde, queremos continuar a viver na convicção de o futuro nos premiar com melhor sorte (mesmo sabendo-o armadilhado).

Em situação normal numa sociedade civilizada, a vida apresenta-se atractiva e é uma alegria vivê-la junto de quem gostamos, sentindo-nos realizados vendo o crescimento dos nossos filhos e netos. Pôr um ponto final neste gozo que sentimos pela vida… só pode ser uma maldade!…

Ninguém, no seu perfeito estado de saúde mental, quer morrer. Mas o fim da vida é a coisa mais certa com que podemos contar. Só porque nascemos, haveremos de morrer. O nascimento activa o relógio da contagem decrescente. Após cada dia vivido, temos um dia a menos para viver. A morte é o nosso fim natural, e dela ninguém pode fugir. Desta vida ninguém sai vivo.

Algum dia a Ciência conseguirá vencer a morte?… Para já, consegue prolongar-nos a vida, aumentando o “prazo de validade” marcado pela estatística… o que já não é nada mau. Espero que jamais se vença a morte, porque se fossemos eternos não cabíamos todos no mundo… a não ser que se cancelassem os nascimentos! Mesmo assim, garantíamos lugar físico para termos chão, mas a sociedade não evoluía porque éramos sempre os mesmos, com as mesmas ideias e a porta fechada à renovação… por isso a eternidade seria uma chatice… só nos apeteceria morrer!…

A eternidade do corpo conservando todas as faculdades anímicas, é mito. A eternidade só é possível na memória histórica, não na matéria (pelo menos não o é em organismos complexos).

Mesmo sabendo que somos mortais, gostaríamos de viver eternamente e alimentamos esse gosto criando a ideia da vida eterna numa suposta existência espiritual a usufruir depois da morte, num suposto céu, junto do igualmente suposto deus que criamos à nossa imagem e semelhança, e à medida dos nossos desejos, da nossa angústia e da nossa ignorância.

Acredito que seja um consolo crer na vida espiritual eterna. Quem crê nela, na esperança de se encontrar com o deus da sua crença depois de morrer, terá nessa ideia um repelente para o medo da morte, ajudando a aceitar a naturalidade do fim com a muleta da fantasia religiosa na convicção de que, finalmente, irá encontrar-se com o seu deus e ser feliz. É o derradeiro consolo que configura a face positiva da crença por ajudar a aceitar a morte sem dramas maiores, mesmo que com base numa mentira que o crente aceita por verdade.

Na verdade natural das coisas naturais, depois de se morrer não se tem consciência… nem nada!… Não se sofre nem se goza, porque a hipotética alma não tem sistema nervoso nem cérebro!… A felicidade ou o sofrimento “post mortem” é anedota. Morrer é como apagar a chama de uma vela… aquela chama “morre” completamente, deixa de existir, não se traslada para um outro hipotético pavio no céu das velas de estearina!…

É por isso que quem morre nunca reclama da vigarice que lhe venderam da promessa de vida eterna “post mortem”. E os crentes vivos crêem (por isso são crentes) que se o morto não reclama… é porque está bem e se recomenda!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Milos Duskic por Pixabay
9 de Dezembro, 2023 Onofre Varela

O “25 de abril” para a Fé em Espanha

Texto de Onofre Varela publicado na imprensa escrita, a propósito de uma notícia de 25 de abril que aborda a alteração na fiscalidade das confissões religiosas em Espanha.

O jornal espanhol El País, na sua edição do dia 25 de Abril de 2023, insere uma notícia dando conta de que o “governo equiparou a fiscalidade de todas as confissões religiosas”. Ficamos a saber que foi dado o mesmo tratamento fiscal às religiões estabelecidas (e acreditadas) em Espanha. O governo assinou um acordo com a Igreja Ortodoxa, a União Budista, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (os Mórmons) e as Testemunhas de Jeová, pelo qual estas confissões desfrutam dos mesmos benefícios fiscais (incluindo a isenção de impostos em bens imobiliários [IMI], e em produtos destinados ao culto).

Estas isenções agora alargadas a outras confissões já eram praticadas na Igreja Católica, na Federação de Identidades Religiosas Evangélicas, na Federação das Comunidades Israelitas e na Comissão Islâmica. Perante estas isenções de impostos, a notícia garante que “Espanha dá um passo relevante na sua aposta pela laicidade e pela condição de um Estado aconfessional com a equiparação fiscal de todas as religiões”.

“Aposta na laicidade”?!… Parece-me haver aqui algum equívoco!… Todas as religiões deveriam ser comparadas a empresas, porque são isso mesmo que elas são: empresas da indústria da fé! (Tal como os clubes de futebol são indústrias do pontapé na bola). As religiões negoceiam com a fé dos crentes mantendo fábricas como Fátima e Meca, sem mãos a medir para escoamento do produto que fabricam carregando a bateria da fé dos crentes. Por isso deveriam ser tributadas como quaisquer outros serviços… como os de consultoria, por exemplo.

Este “pacote de isenções” parece-me que, numa sociedade justa, seria melhor empregue se contemplasse as padarias, porque o pão é essencial para toda a gente e não só para alguns… e as frutarias pela mesma razão do pão. Também a água e a energia eléctrica deveriam usufruir dessa benesse, pela mesma razão da essencialidade dos produtos na vida dos cidadãos. E também o peixe… e alguma carne. E os livros… e o teatro!… Mas… a religião?!!… Porquê isentá-la de impostos? Qual a necessidade de uma oração ou de uma tomada de hóstia? Quem necessita de satisfazer tal vício espiritual pode fazê-lo em casa, a sós, sem necessitar das “salas de chuto” que são as igrejas, mais as salas de reunião das seitas! Estas, deveriam pagar imposto por serem um luxo para quem entende alegrar a vida alimentando o vício da oração em conjunto, no êxtase colectivo.

A notícia informa que a razão desta dádiva fiscal se prende com a equiparação das empresas religiosas a Organizações Não Governamentais (ONG) e Fundações, e ainda porque essas religiões têm acordos de colaboração com o Estado. A isenção do IMI em Espanha não só contempla os templos de culto, mas também abrange a residência dos sacerdotes. As propriedades destas associações religiosas são calculadas pelo governo em 148 bens imóveis da Igreja Ortodoxa; 23 da Comunidade Budista e 785 das Testemunhas de Jeová. Os Mórmons têm uma propriedade em Madrid e mais 123 lugares de culto espalhados por todo o território espanhol. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

 OV

Imagem de Heinrich Wullhorst por Pixabay
8 de Dezembro, 2023 Onofre Varela

A visitação

A “Senhora da Visitação” é uma devoção criada pelos primeiros frades franciscanos que se inspiraram no Novo Testamento.”

Talvez para espanto da maioria dos meus leitores, digo-vos que sou um ateu que ouve missas. Nos funerais de familiares e amigos, assisto sempre à cerimónia religiosa e tenho toda a atenção no discurso do padre, o qual, demasiadas vezes, me leva a tomar notas para depois, já em casa, me inteirar da profundidade ou da superficialidade do discurso sacerdotal para, só então, poder comentá-lo, criticá-lo ou elogiá-lo.

Hoje (Domingo, dia 11 de Junho) ao acordar tive o gesto do costume: liguei o rádio. A Antena 1 transmitia a costumeira missa dominical a escassos dois minutos do seu final, pelo que não ouvi o discurso total que estava a ser transmitido. Porém deu para me aperceber de que se fazia referência à “Senhora da Visitação” numa alegoria (pelo que entendi) à esperada boa recepção aos jovens e menos jovens que peregrinarão a foz do rio Trancão no Encontro Mundial da Juventude que se avizinha. A ideia provocou-me um sorriso (o que é sempre bom experimentar ao acordar) e obrigou-me à investigação para me documentar.

A “Senhora da Visitação” é uma devoção criada pelos primeiros frades franciscanos que se inspiraram no Novo Testamento (Lucas: 1;39-56) onde se conta o anúncio do anjo Gabriel a Maria, informando-a de que estava grávida de Jesus. Mas o anjo não se ficou por aí: à boa maneira das vizinhas que não têm travão na língua, também lhe disse que a sua prima Isabel, já velha para engravidar, afinal também estava “de esperanças” havia já seis meses, por um milagre de Deus!… Esta gravidez resultaria no nascimento de João, que haveria de ser “o Baptista”, primo de Jesus em segundo grau e que o baptizaria nas águas do rio Jordão.

Perante este anúncio, Maria não se preocupou com mais nada, se não com a vontade de estar com a sua prima e comunicar-lhe que ela estava grávida. Por isso se apressou a visitá-la, antes mesmo de dizer a José, seu marido já velho e sem vigor sexual, que iria ser pai… o que é, no mínimo, estranho! Como se sabe José ficou registado na história religiosa cristã como pai adoptivo de Jesus Cristo, o qual passou a ter dois pais: o adoptivo (José) e o biológico (Deus)… mas aqui o termo “biológico” não é bem empregue por não se entender uma “gravidez divina” em termos de biologia!

Acontece que a sua prima Isabel vivia em Aim Karim, localidade dos arredores de Jerusalém, e Maria estava em Nazaré. A distância entre as duas localidades é aproximada à do Porto a Coimbra, então sem transportes públicos nem estradas bem pavimentadas… o que não impediu Maria de vencer a distância (em burro ou a pé) e abraçar a prima, valendo-lhe a categoria franciscana de “Senhora da Visitação”.

Não sei se também aproveitaram o encontro para coscuvilharem sobre as suas estranhas gravidezes sem terem experimentado o delicioso prazer sexual… disso não há registo… mas também não interessa para esta prosa.

Quando Maria disse à sua prima que ela (a prima) estava grávida de seis meses (como se ela não soubesse!) Lucas escreveu que “a criança estremeceu no seu seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo”… o que é um espanto!…

Retirado o folclore religioso desta “visitação”, podemos encontrar nesta estória neo-testamentária um exemplo para se fazer moralidade actual, e que pode ser este: uma visita pessoal, com um abraço, um sorriso e o calor do contacto, é bem mais importante do que um frio telefonema. Um telemóvel não substitui um encontro com olhos nos olhos e o aperto de um abraço.

Se esta é a lição a retirar desta parte do Evangelho, não duvido que é uma mensagem positiva que sublinha o valor da palavra “visitação”… mas já duvido do seu entendimento pela maioria dos religiosos que assistem a missas, que batem no peito e ingerem hóstias, fazendo-o por uma habituação cultural-religiosa sem qualquer conotação com a vida real e prática, num total “marimbanço” para os problemas dos outros!…

Mas isto digo eu, que sou um má língua… e só espero estar enganado, que a amizade franca e sadia predomine entre as comunidades religiosas em perfeita comunhão com os outros… incluindo na figura dos “outros”, os não religiosos do mesmo clube!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Dorothée QUENNESSON por Pixabay
20 de Setembro, 2023 Onofre Varela

Sobre a morte de deus

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Quando se ouve vaticinar a “morte de Deus” aventada por Nietzsche, pensamos numa revolução que nasce na madrugada de um dia, e que ao raiar do Sol… Deus já não existe. Mas não é nada disso!…

A “morte de Deus” não é mais do que o abandono do conceito deifico por uma maioria que faz o caminho da sua descrença naturalmente e sem drama.

Na verdade, no nosso tempo, Deus (enquanto ideia de um ser criador omnipotente, omnipresente e omnisciente) já está a morrer… e tanto mais morrerá quanto mais alargada for a consciência das pessoas sobre a real dimensão imaginária desse milenar conceito de Deus que formatou sociedades, mas que não existe veramente fora do pensamento de quem crê.

Enquanto essa consciência não se generalizar (se, quiçá, algum dia se generalizar… e eu acredito que sim pelo facto de o Homem ser a última experiência da Natureza; somos ainda muito primitivos; cheiramos a pintado de fresco… e lá chegaremos quando atingirmos a “idade adulta”) a maioria de nós garante que a divindade é real, mercê da educação familiar e social que recebeu desde o berço. Em consequência, deposita mais confiança nos sacerdotes, bispos e pastores de igrejas e seitas malvadas… que são tão falsos quão falsos são os pregões dos políticos quando nos prometem a felicidade se receberem votos suficientes para atingirem o poder.

Na verdade a ideia de Deus emparceira com a Política no que respeita ao alimentar de desejos e paixões, e ao criar guetos e inimizades (mas também amizades… se francas ou falsas… isso já é outra conversa), e no extremo leva a guerras que a História regista e a actualidade assiste. Guerras declaradas com a invasão de países independentes, ou acções terroristas “em nome de Deus”, tão graves e mortíferas como muitas das acções bélicas decretadas por Parlamentos, generais ambiciosos e presidentes que sonham ser czares.

E também serve para manter a classe clerical e os gestores de seitas – que se pretendem defensores da moral instalada – em níveis económicos e sociais elevados… mas sem respostas realistas para o engrandecimento da sociedade onde se instalam… em vez disso prometem benefícios celestes baseando a sua moral em mitologias que são, afinal, a ferramenta do seu trabalho, de onde retiram o sustento… embora também abracem a realidade material recebendo subsídios governamentais para explorarem ramos sociais como o ensino, a saúde, lares da terceira idade e infantários. No extremo, organizações desta índole (a maior das quais, entre nós, é a Igreja Católica) transformaram a caridade numa indústria social.

A indústria da caridade é indigna numa sociedade verdadeiramente democrática e de cariz socialista que se interesse pelo bem-estar do seu Povo. Enquanto houver um sem-abrigo e uma família sem pão, a Democracia (e toda a prática política) é uma fraude. A indústria da caridade ajuda a alimentar essa fraude ao substituir a solução definitiva, que pertence aos governos, por remendos sazonais e “sopa dos pobres”, que nada resolvem em definitivo e só adiam a morte anunciada a quem tem fome, lhe falta abrigo e meios de subsistência dignos.

Neste contexto político e social (que, infelizmente, cada vez mais, faz o nosso dia-a-dia) a crença em Deus é positiva porque acaba por ser uma tábua de salvação das consciências religiosas, garantindo algum conforto espiritual.

Quero acreditar que quando atingirmos a “maioridade” enquanto “Homo sapiens-sapiens”, a perfeição comportamental estará mais perto… e a razão será de Nietzsche no vaticínio da definitiva “morte de Deus”.

Mas parece-me que isto também é fé… embora laica!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Por Friedrich Hermann Hartmann – Domínio público
18 de Setembro, 2023 Onofre Varela

“No princípio era o verbo”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

O termo Verbo é usado em Religião para designar o autor do princípio dos princípios, e na sua essência é o próprio Deus. Quem quer saber mais do que isto não o consegue nos registos religiosos; aí, o que encontra é pura fé: “Antes de qualquer coisa existir, Deus já existia. Foi ele o criador de tudo a partir da sua palavra. Deus falou e tudo se formou. Do nada, nada surge, mas da palavra de Deus tudo foi formado. O Verbo é a palavra, e a palavra é Deus. A palavra de Deus transformou-se em homem e esse homem é Jesus”.

Para um ateu, “saber isto”… é saber nada! (e para o religioso, também… embora ele imagine que não!). Quem mergulha na fé como numa piscina de sapiência, não sente necessidade de saber… a fé basta-lhe. Não tenho nada contra as vontades religiosas e só espero que quem assim sente seja feliz no entendimento dos seus conceitos… e não cometa actos contrários à ética universal, como fazem os religiosos fundamentalistas islâmicos e outros extremistas no campo da política.

Mas quem quiser saber realmente, tem de escolher outros caminhos que não os da fé. Pela fé nada se sabe. O “saber religioso” usa como garantia o selo-da-fé sem explicar os processos usados na comunicação e na criação. Em nome da fé valoriza-se o mito e relega-se a História (e toda a Ciência) para planos de menor, ou nula, importância.

Dir-me-ão que a fé pertence a outra dimensão que não à da Razão nem à da Ciência. Claro que sim. Sei disso. Os credos religiosos são uma questão ideológica, e os livros de fé derramam ideologia e não História nem Ciência. E também sei que a propaganda feita à fé para conquistar crentes, atropela e nega princípios científicos, mesmo os mais básicos. Logo, é desonesta na sua essência e à partida, por não considerar o avanço do conhecimento acontecido depois dos registos de fé que datam da Idade do Ferro e que ainda são usados como base de uma doutrina comportamental alegadamente ditada por um hipotético deus.

A fé inibe a vontade de interrogar e de investigar perante “explicações” ideológicas divorciadas de todas as explicações científicas, e algumas delas são, até, totalmente carentes de nexo. No campo racional não há espaço para discursos de pura fé debitados como realidade.

A Ciência, como meio de procura de explicações, é imbatível por qualquer ideologia política ou teológica, e quem rege a sua vida por dogmas religiosos, não tem uma conduta moral e cívica com melhor qualidade do que o ateu que se guia por uma sã decência laica. Aliás, no campo da decência, os conceitos comportamentais dos ateus até poderão ter lugar no pódio mais alto.

Os crentes, mais do que crentes, são crédulos… tomam por verdade as “escrituras sagradas” sem se preocuparem em saber a verdadeira origem e intenção primeira dos textos que lhes merecem crença em vez de compreensão. Há grupos de crentes (principalmente nos EUA, onde tudo é em grande… tanto a sapiência como a ignorância) apostados na “vitória da Bíblia sobre o conhecimento científico”, afirmando o Génesis contra a Evolução. A Ciência estuda e investiga (e também se engana), e só afirma com provas aferidas e experimentadas. Aqueles que a atacam fazem-no com base em comportamentos culturais que são outra coisa… nada têm a ver com conhecimento científico. Ao contrário da Religião, que “sabe que tudo sabe”, a Ciência apenas sabe que hoje sabe mais do que sabia ontem e espera saber, amanhã, mais do que sabe hoje… não sabendo se o saberá!

Ao contrário, a Religião afirma saber hoje o mesmo que garantia saber há cerca de três mil anos… e diz não haver nada mais para se saber e que a verdade lhe pertence… sendo que a Verdade é a “palavra de Deus” (grafada com maiúscula porque sagrada).

Perante conceitos religiosos há quem se coíba de pensar para além daquilo que diz o sacerdote ou o guru da seita, aceitando quaisquer palavras dúbias (ou explicitamente mentirosas) por verdade universal e absoluta, dispensando o seu cérebro do “penoso acto de pensar”!…

Parece ser esta a principal característica do crente típico… e quem dispensa o cérebro (não raciocinando para além dos conceitos religiosos) tem mais fé do que aquele que o usa, raciocina e quer saber.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de beate bachmann por Pixabay