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Carlos Esperança

22 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Evangélico ameaça matar gays na TV

Com a tolerância cristã que se conhece, o pastor norte-americano Jimmy Swaggart, num programa transmitido pelo canal de Toronto, da televisão canadiana, ameaçou matar gays. Infelizmente para o piedoso clérigo, as leis do Canadá, feitas com o desprezo que a Bíblia merece, os discursos que incitam ao ódio são considerados crime, pelo que tanto o canal televisivo como o fogoso soldado de Deus ficam sob a alçada do Código Penal.

Mas não tenhamos dúvida, o pastor Swaggart é um crente piedoso. Segundo o Levítico os homossexuais devem ser mortos. Só é pena que as leis que criminalizam o incitamento ao ódio não se apliquem aos livros «sagrados».

A exaltação mística do pastor não faz dele uma besta perfeita, porque – segundo os ensinamentos cristãos – ninguém é perfeito. Só Cristo.

20 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR e o S.N.S.

Os hospitais e as escolas são instrumentos eficazes para a conquista do poder político e social pelas igrejas. Basta reparar como o fascismo islâmico se apodera deles, para exercer o controlo das pessoas e perpetuar a tirania teocrática.

Em Portugal, a ICAR conseguiu privilégios iníquos para a Universidade Católica e, progressivamente, vai tomando conta de residências universitárias, colégios, creches e, pasme-se, até do jogo, através da lotaria nacional e outras apostas que são monopólio da «Santa» Casa da Misericórdia.

Antes da progressiva secularização que substituiu as freiras por enfermeiros nos hospitais, a medicação podia faltar no momento certo, mas não se esqueciam as orações cuja posologia era exemplarmente cumprida. A aspirina para a febre podia esquecer mas o terço para a alma era obrigatório antes da hora de dormir.

Em Portugal a ICAR nunca desistiu de chamar a si uma parcela importante do ensino e da assistência, convenientemente subsidiada por governantes a que mingua pudor republicano e sobra a vontade de salvar a alma. Neste momento, pode estar em curso um golpe da ICAR para reforçar o seu poder no campo da saúde.

No excelente blog Causa Nossa, encontra-se o artigo «Orçamento Rectificativo» cuja publicação devo à amabilidade de Vital Moreira.

Apostila – Agradeço ao leitor Gabriel Silva ter-me chamado a atenção para o facto de a «Santa» Casa da Misericórdia ser gerida pelo Estado e não pela ICAR. Penitencio-me do erro e da confusão. As Misericórdias a que me quis referir são conhecidas em todos os concelhos e reportam ao bispo da diocese. É esta rede imensa que constitui o instrumento de domínio da ICAR.

19 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Crónica Piedosa

A Senhora do Monte

Nas aldeias da Beira Alta era hábito rezar, pelas intenções plenárias de cada mês, nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, ir ao confesso e à eucaristia e, assim, alcançar as indulgências exigidas para a salvação da alma. Podia parecer injusto pôr garotos a rezar por pecados dos adultos, mas já se sabia que outros garotos o fariam quando adultos se tornassem esses para apreciar os pecados. Ficavam as rezas para as mulheres, que sempre as fariam, para os que ainda não sabiam pecar e para os que, sabendo, já não podiam. Era assim, há meio século, e disso se não livrou a criança que fui. Além das devoções locais outras havia que se cumpriam em paróquias próximas, que os transportes não permitiam lonjuras, com dia certo e local aprazado. A Senhora do Monte era um desses destinos.

Guardo da infância o gosto por romarias. Os santos domiciliavam-se no alto dos montes para ficarem a meio caminho entre os devotos que lhes pediam e o céu que os atendia. Eram mensageiros dedicados, imóveis numa peanha, ouvindo queixas, aceitando petições, a aliviarem o sofrimento. Raramente eram solicitados além das suas posses e, se soía, resignavam-se os mendicantes. Quanto mais perto do céu, maior respeito infundiam, mais petições recebiam, maiores expectativas geravam. Eu ficava a imaginar do que seriam capazes os que habitavam no cimo de montanhas muito altas, que sabia haver, sem cuidar das dificuldades de acesso dos requerentes.

Durante o ano, os santos concediam graças que eram agradecidas em Agosto com foguetes, missa e uma romaria profana que irritava os padres e alegrava os santos. Mas, de tanto pedirem, foi-se Deus cansando de os ouvir, primeiro, desinteressaram-se os crentes de implorar, depois, ou, talvez, a sangria da emigração converteu em deserto o terreno fértil da fé. É com saudade que recordo as ermidas abandonadas que outrora atraíam à sua volta feiras e procissões em confronto dialéctico do sagrado com o profano numa síntese admirável de que só o mundo rural era capaz.

A Senhora do Monte pertencia à paróquia da Cerdeira. Às vezes os santos tomavam as dores dos paroquianos e geravam a desconfiança dos vizinhos, mas não era o caso, por ser de concelho diferente e não haver rivalidades entre as paróquias.

Saíamos da Miuzela do Côa, manhã cedo, descíamos a aldeia, passávamos pela capelinha de S. Sebastião, deixando à direita, encostada ao cemitério, a vinha do passal que, no tempo da República, Paulo Afonso comprou à autoridade administrativa, valendo-lhe a excomunhão eclesiástica, vingança do pároco que reclamava a vinha e o regresso da monarquia. Viveu o réprobo em paz, sem que o anátema o apoquentasse, até ao dia em que teve de pedir a desexcomunhão, para que o filho pudesse franquear o seminário, custando-lhe a canónica amnistia outra vez o valor da vinha.

À beira do caminho havia agricultores, inquietos com a romaria, a guardar os melões, que a rapaziada cobiçava, e, ao longe, entre giestas, lobrigavam-se cachopas, deambulando à espera do encontro apalavrado, talvez mesmo alguma coitanaxa aflita por tornar-se dona.

Íamos pela fresca e regressávamos tarde, de estômago menos vazio, com fritos e vinho a justificarem a jornada, esquecida a devoção, a tropeçar nas pedras em noites de lua nova. Atrás de nós via-se um clarão, vindo da Guarda, à distância de seis léguas, no alto do monte onde chegara a luz eléctrica, com a ermida de onde voltávamos perdida na escuridão da noite.

A Senhora do Monte há muito que não fazia um milagre de jeito mas tinha festa rija e um passado de respeito. Um dia o fogo subiu o monte impelido pelo vento e envolveu a capela, com gente aflita a orar. Abriram as portas e redobraram as orações, que em tempo de aflição se reza mais depressa para compensar a desatenção e acompanhar a ansiedade. Deixaram que a virgem visse o fogo e este a virgem. Foi então que as chamas baixaram e logo o fogo se deteve, enquanto, maravilha das maravilhas, prodígio nunca visto, começou o fogo a recuar e, à medida que a terra desardia, tornaram as plantas que a cobriam.

A Santa, por ter-se cansado ou perdido o jeito, renunciara aos milagres, mas os crentes não perdiam a fé de a ver regressar ao ramo e fazer jus à glória antiga. Ainda assim era muito solicitada por raparigas solteiras que lhe imploravam para as livrar da prenhez que em horas do demo pudessem ter contraído. Foi como contraceptivo de eficácia duvidosa que conheci a Senhora do Monte nos tempos em que lhe engrossei a romaria.

Crónica expressamente escrita para o «Diário Ateísta», dedicada aos meus leitores.

18 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

A Cúria não tem cura

O relatório anual do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), apresentado na última quarta-feira, vê no aumento de nascimentos o obstáculo principal para o desenvolvimento e para o meio ambiente. Nem sequer é uma conclusão original pois há muito que se considera o excesso demográfico como responsável pela pobreza e degradação do meio ambiente. Acresce que a bomba demográfica está associada ao analfabetismo, subnutrição e religiosidade.

Não admira que o cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz tenha vindo criticar duramente as conclusões, segundo a Agência Ecclesia. É, aliás, a posição de toda a Cúria Romana.

O cardeal Martino afirmou ainda que «os governos têm o dever de denunciar o UNFPA e as outras agências da ONU que violam o Plano de Acção assinado no Cairo ao promover o aborto» e recordou que a Santa Sé se uniu a outros quarenta países «para bloquear o intento de introduzir pela primeira vez, num documento internacional, o direito ao aborto», o que é lamentavelmente verdade. Conseguiu, de facto, com a colaboração dos países muçulmanos, numa santa aliança reaccionária, bloquear as medidas conducentes à melhoria da saúde reprodutiva da mulher e ao controlo de nascimentos.

«A experiência demonstra que uma população envelhecida e conservadora é incapaz de inovar, de crescer» – afirmou ainda D. Renato Martino, certamente a pensar no conjunto de cardeais que exorna a Cúria Romana.

16 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Cristãos censuram livro

Desde 1961 que a Sagrada Congregação da Fé (ex-Santo Ofício da Inquisição), deixou de elaborar o Índex (lista de livros cuja leitura era proibida). Não foi por benevolência do cardeal Joseph Ratzinger, anacrónico guardião da moral e dos bons costumes, que a lista deixou de ser elaborada, mas por se ter tornado uma fonte de divulgação das obras censuradas.

Engana-se quem pensa que a ICAR se tornou tolerante de motu proprio. Só a falta do braço secular lhe moderou os ímpetos. «O Código da Vinci» acaba de ser proibido no Líbano pelos serviços de segurança, «na sequência de uma queixa apresentada pelas autoridades religiosas cristãs do país, escandalizadas com as referências privadas à vida de Jesus Cristo».

Com a mesma desculpa que é hábito dar para os crimes da Inquisição, o padre Abdo Abou Kasm, presidente do Centro de Informação Católica, diz que foi a Segurança que proibiu a obra, «depois de ter recebido a nossa resposta». «Chegámos à conclusão de que o livro ataca as crenças cristãs, afirmando que Cristo se casou com Maria Madalena e dela teve uma progenitura. Nós denunciamos estas tentativas de atacar as crenças cristãs e as de qualquer outra religião, sob a capa da cultura» – esclareceu o tolerante padre católico, para quem a censura e as perseguições, na defesa das crenças cristãs, deixam de ser crimes e tornam-se boas acções.

16 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Viva a República

Sob o título «Leis religiosas geram polémica» (título errado na edição online), escreve o Diário de Notícias: «Causaram profunda efervescência, na época, três leis emanadas do Governo Provisório da República: a da Separação entre o Estado e as Igrejas; a que permitiu o divórcio; e a que estabeleceu o Registo Civil».

A ICAR moveu-lhes uma luta obstinada. Fomentou o ódio, instigou arruaças e conjuras militares, denegriu, caluniou e combateu ferozmente o que hoje aceita. Negou os sacramentos e funerais religiosos a quem apoiasse a República, armas que à época aterrorizavam as pessoas, receosas do castigo de Deus, da chantagem dos padres e da reprovação social.

Convém referir que algum clero foi perseguido, algumas vezes de forma violenta, por condenável retaliação. Mas é interessante ver como leis tão justas foram combatidas com tanta brutalidade, só possível porque o catolicismo é um cristianismo rural que vingou nas aldeias, por entre regos de couves e leiras de feijão de estaca, adubado pelo espírito retrógrado de padres fiéis ao concílio de Trento. Como religião a ICAR é tão falsa como as outras, como ideologia é mais reaccionária que várias seitas protestantes, como veículo para a salvação é igualmente o caminho para lado nenhum.

O Portugal beato, rural e analfabeto é hoje um pesadelo do passado, graças à progressiva secularização, mas, há três quartos de século, foi o caldo de cultura onde germinou Salazar, esse génio da mediocridade que, para castigo do Povo, abandonou o seminário e transformou o País em sacristia.

A ICAR tem ainda um enorme poder que se exerce à sombra das sacristias, nos meandros da conferência episcopal, disfarçado em obras de assistência ou infiltrado no aparelho de Estado mas as leis da Separação entre o Estado e as Igrejas, a que permitiu o divórcio e a que estabeleceu o Registo Civil aí estão, desde 1911, como símbolo da modernidade de que a República Portuguesa foi pioneira.

Viva a República.

15 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Espanha – O arcebispo de Madrid e Presidente da Conferência Episcopal Espanhola oferece ajuda ao povo espanhol para exigir ao Governo que, «ao menos nas escolas públicas, se mantenha a opção académica do ensino da religião para os alunos cujos pais assim o peçam».

Comentário: O «Episcopado espanhol exige direito de escolha da disciplina de religião». Não é um direito que reclama, é uma obrigação que quer impor – o ensino da religião católica na escola pública. Este é o conceito de liberdade religiosa da ICAR.

A mulher na ICAR – Defendendo que o «Reconhecimento do papel da mulher na sociedade é indispensável», JP2 exalta, na mensagem dirigida às Religiosas do Amor Divino «o seu apostolado através da animação litúrgica, da catequese, da formação nos oratórios juvenis, nas escolas profissionais e nos laboratórios, da assistência nas casas-família para mulheres sozinhas com filhos e nos centros de acolhida e escuta para pessoas deficientes e marginalizadas».

Comentário: Estas são as tarefas que JP2 considera destinadas a elevar o papel da mulher na sociedade.

João Paulo II – JP2 assegura que «Deus guia a história humana, apesar da presença de satanás e do mal».

Comentário: Provavelmente desiludido com o comportamento do patrão, atribui as culpas do estado do Mundo à concorrência – Satanás e o Mal. A única boa notícia é que Deus não é o único responsável por tanta desgraça. O próprio papa tem algum mérito.

14 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Beato J. César das Neves

Sob o título «Manipulação de massas», na sua habitual coluna no Diário de Notícias, João César das Neves (JCN) voltou ontem ao tema do aborto, com a sanha do talibã católico, com as repetidas imagens do assassínio de bebés, para definir a interrupção voluntária da gravidez (IVG).

Na sua homilia (site indisponível), coloca-se no papel de vítima, de quem é acusado de «extremista e fanático», por se opor à despenalização do aborto e lamuria-se também de serem assim tratados os que, no passado, «se opuseram à escravatura, à pena de morte e à discriminação da mulher».

A sua posição, a favor da condenação e prisão das mulheres que recorram à IVG, é respeitável, mas é intelectualmente desonesto que misture IVG, escravatura, pena de morte e discriminação da mulher, porque a ICAR e os seus sequazes, que tanto gostam de condenar mulheres na sequência do aborto, foram normalmente, no passado, os que se opuseram à abolição da escravatura e da pena de morte e são, ainda hoje, os que mais discriminam a mulher.

Basta ver como a ICAR impede o acesso das mulheres ao sacerdócio para exigir a JCN um pouco mais de pudor.

14 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Funerais civis

Vital Moreira, um dos mais lúcidos intelectuais portugueses, escreve no blogue Causa Nossa que «se as exéquias religiosas fazem parte da liberdade religiosa dos crentes, em contrapartida os não crentes têm direito a exéquias não religiosas em espaços civis. O exemplo francês, onde existem serviços públicos funerários a cargo dos municípios, ilustra um exemplo de civilidade laica, onde os não crentes não têm de recorrer forçadamente às capelas funerárias das igrejas e à liberal generosidade da igreja católica (aliás, louvável), como sucede entre nós».

Eis uma advertência à República portuguesa que não encontrou ainda forma de respeitar os não crentes.

13 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Funeral de Estado

A reportagem do Expresso sobre o funeral do ilustre cidadão Dr. Nunes de Almeida, presidente do Tribunal Constitucional (TC) e, nessa condição, a quarta figura do Estado, levanta muitas dúvidas e alguma perplexidade:

– Em primeiro lugar, ser considerado pelo Presidente da República o local apropriado para um funeral de Estado, a que o defunto tinha direito, um templo católico e, no caso, a Basílica da Estrela;

– O facto de a referida basílica ser propriedade da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), donde se pode concluir que o Estado, para prestar as honras devidas, não tem casa própria;

– A possibilidade de ser dificultada ou impedida a realização de cerimónias maçónicas para cumprimento do desejo manifestamente expresso pelo defunto;

– Poder o Patriarca impedir o elogio póstumo, a fazer pelo vice-presidente do TC, como solicitado pela família, inclusive na área da capela mortuária;

– A proibição do enterro católico, como retaliação da cerimónia maçónica.

Em meu entender, a proibição do enterro católico não podia ser o efeito da retaliação do Patriarca pela cerimónia maçónica, mas um acto de respeito por quem, seguramente, se não revia na religião proprietária do templo.

O cidadão Nunes de Almeida não foi poupado à leitura de uma passagem do Evangelho pelo padre Melícias, de quem era amigo, nem a um «pai-nosso», mas livrou-se da missa, de que não era frequentador, e da «encomendação da alma».

Pela minha parte não se livra do respeito e consideração que lhe devoto pelo que a democracia e a jurisprudência constitucional ficam a dever-lhe. Preocupa-me, todavia, a promiscuidade entre o Estado e a ICAR trinta anos depois de Abril. A República não encontra o tom certo para um país laico.