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Carlos Esperança

23 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Depois do circo de Colónia

O circo de Colónia encerrou as portas. O nome – XX Jornadas Mundiais da Juventude – foi um logro bem ao gosto da ICAR -, pois a falta do adjectivo «católica» induziu os néscios e os distraídos a pensar que eram jornadas ecuménicas ou um convívio jovem para confraternização e divertimento, já que a cultura anda arredia das reuniões pias.

Foi um ajuntamento de um milhão de créus arregimentados para prestar vassalagem ao novo pastor alemão, B16, Papa vitalício da ICAR.

A penitência foi dura: 12 discursos papais, muitas orações, diversas missas e música sacra em exclusivo, demasiado monótona para melómanos eclécticos.

Para fingir o carácter universal da Igreja católica, as festividades terminaram com o Gloria in excelsis Deo, cantado em latím, por jovens de cinco continentes, com uma orquestra de violinos e instrumentos andinos. Foi o ponto alto do espectáculo antes do correr do pano.

Ficou aprazado novo festival para 2008, em Sydney, com o mesmo nome enganador – Jornada Mundial da Juventude/2008 (JMJ). O arcebispo australiano já se congratulou com a escolha, afirmando que o evento «ajudará a consolidar a fé dos católicos daquele país-continente», onde os esforços publicitários serão concentrados.

O Papa Ratzinger respirou de alívio depois da primeira actuação no estrangeiro, por sinal a sua terra natal, bastante indiferente a Deus e ao Papa. Regressou, depois, ao antro donde comanda a ortodoxia, o proselitismo e a política global da Igreja Católica.

Talvez, à semelhança do que fez nas últimas eleições americanas, prepare uma carta para os bispos de um qualquer país para advertir os crentes de que não podem comungar se defenderem o aborto ou a eutanásia ou votarem em candidatos que defendam tais abominações. Se defenderem a guerra justa ou a pena de morte, mesmo que o Papa não o faça, isso são meros pontos de vista, compatíveis com a deglutição da hóstia.

Terminou o circo. B16 mantém o traje, um alvo vestido branco e sapatinhos vermelhos.

21 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Santo Ofício


A santa Inquisição tinha por objectivo preservar a pureza da fé. Não podia haver mais nobre e pio objectivo.
20 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Circo romano em Colónia

Em Colónia, na Alemanha, anda à solta o pastor alemão que um bando de cardeais, com a cumplicidade do Espírito Santo e do Opus Dei, fez ditador vitalício da única teocracia europeia.

Cobre-o, até aos tornozelos, um alvo vestido, de fino tecido e delicado corte, que realça os sapatinhos vermelhos do animador do circo que levou a Colónia centenas de milhares de jovens para promoção dos interesses da Cúria Romana. Pende-lhe do pescoço a trela que termina em refulgente cruz, riquíssimo adorno do traje feminino.

A brancura do vestido, a condizer com o cabelo, destoa do modelo que o exibe.

Para este espectáculo, que não é cultural nem recomendável, foi pedido um patrocínio à presidência da Comissão Europeia. Não sei se o precedente foi aberto, para que bandas musicais, circos ambulantes e companhias de teatro venham a conseguir apoio.

B16 não tem o arrojo de JP2. Sente-se mal como charlatão de feira. Prefere organizar as pantominas no ar condicionado do Vaticano. Não verga a coluna para oscular o chão, uma espécie de felação de quem julga que Deus está em toda a parte e a Terra é a braguilha da humanidade.

Cumpre os rituais do múnus com a alegria do boi que caminha para o açougue, qual Cristo da mitologia católica a caminho do gólgota.

O barulho encomendado aos jovens há-de azucrinar-lhe os ouvidos, as lambidelas da mão hão-de causar-lhe nojo, as missas que repete há mais de meio século cansam-no e mantém aquele impenetrável rosto enquanto distribui água benta, benzeduras e hóstias consagradas, ad majorem Dei gloriem.

Vai ser uma semana infernal para o vigário de Cristo, um odioso trabalho de campo para um homem de gabinete, repetir até à náusea gestos, palavras, esgares, até ao desfazer da feira, enquanto a boa imprensa entoa hossanas ao impostor que se diz agente do divino.

19 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Secularização – condição de paz

A emancipação do Estado face à religião iniciou-se em 1648, após a guerra dos 30 anos, com a Paz da Vestfália e ampliou-se com as leis de separação dos séc. XIX e XX, sendo paradigmática a lei de 1905, em França, que instituiu a laicidade do Estado.

A libertação social e cultural do controle das instituições e símbolos religiosos foi um processo lento e traumático que se afirmou no séc. XIX e conferiu à modernidade ocidental a sua identidade.

A secularização libertou a sociedade do clericalismo e fez emergir direitos, liberdades e garantias individuais que são apanágio da democracia. A autonomia do Estado garantiu a liberdade religiosa, a tolerância e a paz civil.

Não há religiões eternas nem sociedades seculares perpétuas. As três religiões do livro, ou abraâmicas, facilmente se radicalizam. O proselitismo nasce na cabeça do clero e medra no coração dos crentes.

Os devotos crêem na origem divina dos livros sagrados e na verdade literal das páginas vertidas da tradição oral com a crueza das épocas em que foram impressas.

Os fanáticos recusam a separação da Igreja e do Estado, impõem dogmas à sociedade e perseguem os hereges. Odeiam os crentes das outras religiões, os menos fervorosos da sua e os sectores laicos da sociedade.

Em 1979, a vitória do ayatollah Khomeni, no Irão, deu início a um movimento radical de reislamização que contagiou Estados árabes, largas camadas sociais do Médio Oriente e sectores árabes e não árabes da Europa e dos EUA.

Por sua vez o judaísmo, numa atitude simétrica, viu os movimentos ultra-ortodoxos ganharem dinamismo, influência e armas, empenhando-se numa luta que tanto visa os palestinianos como os sectores sionistas laicos.

O termo «fundamentalismo» teve origem no protestantismo evangélico norte-americano do início do séc. XX. Exprimiu o proselitismo, recusa da distinção entre o sagrado e o profano, a difusão do deus apocalíptico, cruel, intolerante e avesso à modernidade, saído da exegese bíblica mais reaccionária. Esse radicalismo não parou de expandir-se e já contaminou o aparelho de Estado dos EUA.

O catolicismo, desacreditado pela cumplicidade com regimes obsoletos (monarquias absolutas, fascismo, ditaduras várias), debilitou-se na Europa e facilitou a secularização. O autoritarismo e a ortodoxia regressaram com João Paulo II (JP2), que arrumou o concílio Vaticano II e recuperou o Vaticano I e o de Trento.

JP2 transformou a Igreja católica num instrumento de luta contra a modernidade, o espírito liberal e a tolerância das modernas democracias. Tem sido particularmente feroz na América latina e autoritária e agressiva nos Estados onde o poder do Vaticano ainda conta, através de movimentos sectários de que Bento XVI é herdeiro e protector, se é que não esteve na sua génese.

A recente chegada ao poder de líderes políticos que explicitam publicamente a sua fé, em países com fortes tradições democráticas (EUA e Reino Unido), foi um estímulo para os clérigos e um perigo para a laicidade do Estado. Por outro lado, constituem um exemplo perverso para as populações saídas de velhas ditaduras (Portugal, Espanha, Polónia, Grécia, Croácia), facilmente disponíveis para outras sujeições.

A interferência da religião no Estado deve ser vista, tal como a intromissão militar, a influência tribal ou as oligarquias – uma forma de despotismo que urge erradicar.

A ameaça de Deus paira de novo sobre a Europa. Os saprófitas da Providência vestem as sotainas e ensaiam o regresso ao poder. Os pregadores do ódio voltaram aos púlpitos.

18 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

B16 em campanha de propaganda

Ao chegar a Colónia, uma cidade onde a fé vem do estrangeiro, pois os autóctones são maioritariamente indiferentes a esse anacronismo, o Papa B16 desafiou os jovens a aproximar-se da Igreja.

Certamente já olvidou a mulher morta na Sardenha, Itália, no passado dia 10, enquanto assistia à missa em honra do patrono local, S. Lourenço. Morreu ao cair-lhe em cima um crucifixo acompanhado de um pedaço da cornija da igreja.

Provavelmente esqueceu-se dos dois operários, de 26 e 28 anos, que no dia 11 deste mês ficaram gravemente feridos na sequência da derrocada parcial de uma igreja em construção no município de S. Fulgêncio, em Alicante.

No entanto, o prémio do humor vai para o noticiário da SIC, hoje, às 20H00. Diz o locutor: «cerca de 400 mil jovens dirigem-se para Colónia ao encontro de Cristo».

Calcule-se a decepção de quem espera um cadáver com dois mil anos e encontra uma múmia com apenas 78.

18 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

A ICAR no Brasil

O carácter arqueológico, que é apanágio da ICAR, revela-se com particular violência na América do Sul onde o tratamento reservado aos autóctones está a meio caminho entre o carinho que prodigalizava aos índios na doce tarefa da evangelização e aos hereges nos tratos piedosos da Inquisição.

Na sequência da 43ª Assembleia Geral da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), uma reunião de inveterados celibatários, todos do sexo masculino, tomaram, entre outras, as seguintes decisões:

1 – Pedir ao presidente Lula que «não sancione nenhuma lei que atente contra o direito à vida, por exemplo a aprovação de qualquer tipo de aborto», ou seja, nem em caso de violação, risco de vida para a mãe ou malformações congénitas;

2 – Condenar as iniciativas do Executivo brasileiro, como «a distribuição maciça de preservativos, além de produtos abortivos como o DIU e as assim chamadas pílulas do dia seguinte».

3 – Recordar a carta do Presidente Lula à CNBB em que se comprometia a «não tomar nenhuma iniciativa que contradiga os princípios cristãos», esperando a CNBB que «tais propósitos sejam traduzidos em gestos concretos, inclusive quando isso exigir o exercício do seu poder de veto», quer quanto a projectos de lei, quer quanto à afectação de recursos financeiros.

Em suma, condicionar a sociedade civil, intrometer-se na política e impor os seus preconceitos a todos os cidadão, independentemente de acreditarem ou não na virgindade de Maria e na castidade dos Srs. Bispos, é o objectivo da ICAR.

17 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

A Bíblia e a violência

Na faixa de Gaza exército israelita e extremistas judeus encontram-se em confronto.

Está na Bíblia que a região da Palestina foi dada por Deus ao povo escolhido, os judeus. Sharon ao optar pela via do diálogo fez tábua rasa do livro que é uma fonte inesgotável de ódios e ressentimentos, o que constitui igualmente uma derrota para os protestantes evangélicos que se esforçam por impor uma interpretação literal da Bíblia e a elevação à categoria de tratado científico.

Também por isso, a paz é o produto dos sectores laicos de Israel contra a demência sionista dos judeus ortodoxos e uma derrota para o fundamentalismo protestante que nos EUA apoiava as posições mais radicais do imperialismo sionista.

Só o maniqueísmo habitual não vê que há o mesmo desatino nos terroristas do Hamas e nos colonos hebreus que usam umas trancinhas à Dama das Camélias.

Sendo contra o imperialismo sionista, luto e lutarei, até ao limite das minhas forças, contra o anti-semitismo que grassa nas mesquitas, na Igreja católica e em vários templos protestantes e ortodoxos.

Deus é um infortúnio que uma legião de assalariados do divino se esforça por conservar vivo ou, pelo menos, não deixar arrefecer o cadáver.

É preciso libertar a humanidade dos mitos que criou e dar uma oportunidade à paz.

16 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Taizé: Irmão Roger assassinado esta noite

O irmão Roger Schutz foi assassinado esta noite durante uma cerimónia religiosa em Taizé, a comunidade ecuménica que fundou em França, em 1940. O religioso de 90 anos foi esfaqueado três vezes durante a oração da noite que se celebrava na igreja da Reconciliação.

A presumível autora do crime é uma mulher romena, de 36 anos, que foi detida, segundo disse uma fonte policial citada pela agência AFP.

Apesar do socorro imediato foi impossível evitar que o monge resistisse aos ferimentos.

16 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

A homilia de Bento XVI

Rome: Benoît XVI invite à ne pas retirer les crucifix des lieux publics
Crucifix, crèches et cours de religion: agacementsRome, 15 août 2005 (Apic) Le pape Benoît XVI a invité à rendre Dieu visible et à ne pas retirer les crucifix des lieux publics, le 15 août 2005, revenant ainsi sur une polémique apparue deux ans plus tôt en Italie. (…)

Li o teor da homilia de B16, proferida no dia 15, na igreja da paróquia de Castel Gandolfo, residência de férias dos Papas romanos:

O Papa B16 retoma uma polémica de 2003 em que um juiz mandou retirar um crucifixo de uma escola pública em nome da laicidade de Estado.

Para Bento XVI (B16) o crucifixo deve estar presente em todos os locais públicos e privados, nos caminhos e praças, como testemunho da presença divina. O artigo só é omisso quanto à intenção de plantar crucifixos em países doutras religiões.

Mas vejamos o caso da Itália:

Não surpreende este fanatismo do velho inquisidor – querer crucificar a humanidade. Só admira que não lhe ocorra que o Estado possa querer a bandeira italiana nas igrejas, a foto de Berlusconi suspensa no transepto e um altar para Garbaldi ou Giordano Bruno.

Que diria o pio inquisidor, perseguidor de teólogos progressistas, censor de livros e filmes, se em Portugal, por exemplo, a bandeira verde-rubra tremulasse no cimo dos campanários, se o altar-mor de cada igreja ostentasse um busto do Dr. Sampaio, se no adro das igrejas houvesse um monumento a Afonso Costa ou no átrio dos conventos fosse obrigatória uma estátua de Joaquim António de Aguiar?

O Papa quer a cruz em todos os lugares em vez dos símbolos do Estado democrático.

Se as outras religiões disputam a fé, cabe ao Governo disciplinar o mercado e garantir a concorrência.

Se o Papa quer o catecismo nas Escolas, eu quero que se estudem as leis da República nas Igrejas. A ICAR pôs os alunos das escolas públicas a copiar a Bíblia. O Estado devia obrigar os seminários e os colégios católicos a copiar a Constituição.

O Papa é obsoleto, mas perigoso. Os livres-pensadores têm de barrar-lhe o caminho.

16 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

XX Jornada Mundial da Juventude

Multidão em festa oferece nova imagem da Igreja – diz a Agência Ecclesia

Bastam os 760 bispos, sendo 63 deles cardeais, e largas centenas de padres, arciprestes, vigários, monsenhores e cónegos, e o colorido das suas bizarras indumentárias, para que o fiasco seja evitado e sete mil jornalistas e muitos operadores de imagem justifiquem a deslocação.

O Papa B16 ameaçou varrer a Europa com um «vento de nova fé». Mas faltam hoje ao velho inquisidor os instrumentos de persuasão do Santo Ofício.

Para a organização do comício foram gastos 100 milhões de euros. Quinhentas mil garrafas de água por benzer serão distribuídas e a organização conta com 30 mil voluntários mobilizados para dar serventia ao evento.

Os bispos alemães contam arregimentar 350 mil jovens para verem ronronar de contentamento o pastor alemão que regressa às origens em visita de negócios místicos.

Só para as missas de abertura desta tarde os padres emborcaram 160 litros de vinho que, depois dos sinais cabalísticos da praxe, passa a sangue de Cristo e mantém o teor alcoólico.

Durante as festividades serão consumidas 2,8 milhões de hóstias consagradas cuja diferença das não consagradas só com muita fé se nota.

Fonte: Agência Ecclesia