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Raúl Proença: «O problema religioso»

  • «Afirmada a supremacia dos fins ideais e universais sobre os materiais e contingentes, do mundo espiritual sobre o mundo da matéria, e formulado este problema: determinar a crença metafísica que, reconhecendo aquela supremacia, mais exija do homem, o erga ao maior heroísmo moral, lhe faça, por assim dizer, retesar a alma no mais violento e áspero esforço de grandeza e de beleza, a solução não podia ser outra, creio, senão a atitude ateísta. Esta contém na verdade (reconhecido sempre, repetimos, o primado dos valores espirituais) todas as condições para fazer do homem o ser eminentemente moral. Ela é a mais alta maroma erguida no espaço para exigir do homem os mais belos milagres de equilíbrio. Acima dela, sob ela, em volta dela, apenas a mudez e a surdez profundas. Nenhum eco responde à nossa voz, nenhuma voz ao nosso apelo. Bem e mal, palavras que só têm um sentido na linha de corda estendida sobre o abismo. Quando, chegado o fim, tivermos de fazer o salto mortal sobre o oceano do vácuo, pensar que entraremos novamente na mudez absoluta donde viemos. Não crer que há em qualquer parte do universo uma consciência que registe os nossos actos, os pese, premeie ou castigue. Crer na morte definitiva, e todavia fazer da vida a nossa eternidade. Exigir para a nossa acção as condições menos favoráveis e o mais alto risco – o não haver para ele nenhuma satisfação eterna. Desejar, para melhor se erguer no espaço a voz da consciência, que esse espaço seja mudo. Tomar sobre os ombros, de alma serena e resignada, todo o peso da indiferença do universo. E sentir e aceitar a tragédia da vida, e as dores sem recompensa, e o sacrifício sem paga, e o dom de si mesmo sem condições, e o divino sem Deus, e o bem amado em si e por si.» (Raúl Proença, Seara Nova nº19, 3 de Novembro de 1922)