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  • 30 de Julho, 2012
  • Por Carlos Esperança
  • Ateísmo

ESTATÍSTICAS E CRENÇA

Por

ONOFRE VARELA

O meu último texto “O Bosão de Higgs” mereceu, de um tal Cínico — atento leitor do Diário de Uns Ateus  —, relativamente à parte final onde digo “é curioso notar que os países de raiz católica são os que, estatisticamente, têm uma pior opinião da Ciência”, a crítica de que não apresentei as fontes da estatística mencionada.

Tem toda a razão. Faço-o agora para sua satisfação.

Colhi a informação no jornal espanhol El País (págs. 30 e 31, da edição do dia 24 de Julho de 2012) numa notícia com o título “Ciencia: la fe del que no sabe”, onde se tornam públicos os resultados de um inquérito promovido pela Fundacion BBVA, divulgado no dia anterior, onde se reflectia a relação dos espanhóis com a investigação
científica. O inquérito entrevistou 1500 pessoas por país, em 11países (Estados Unidos da América, República Checa, Polónia, Alemanha, Áustria, Dinamarca, Itália, Holanda, França, Reino Unido e Espanha) totalizando 16500 pessoas. A notícia é complementada com um exaustivo quadro que responderá em pormenor à curiosidade científica do Cínico, pelo que lhe sugiro a consulta do jornal referido, emwww.elpais.com
(embora eu tivesse lido a edição em papel, que compro diariamente).

Feito este aditamento ao meu último texto, penso ter respondido ao amável leitor Cínico, tão interessado nas coisas da Religião e da Ciência, e aproveito o resto do espaço que me é concedido para dizer mais o seguinte, a respeito das coisas importantes como, por exemplo, a “importância das estatísticas”.

A importância das coisas tem a exacta medida que nós lhe queiramos (ou soubermos) atribuir. Dou o exemplo da arte. Um objecto de arte só é arte se os olhos que o observam assim o entenderem e descodificarem. Se o observador não estiver sensibilizado para a arte, a arte não existe (para aquele observador), embora exista o objecto.

A dimensão das coisas importantes é sempre essa. Ela tem de partir de uma base cultural, ou antropológica, que atribua importância àquela coisa, caso contrário existe a coisa, mas não existe a escala de importâncias onde a coisa pode ser medida, apreciada, catalogada e referenciada. Esta escala de valores é-nos transmitida pela cultura da
sociedade onde nos inserimos, quer seja a cultura local (antropológica) ou a cultura universal, mais abrangente, academicamente adquirida, e que faz do seu detentor um verdadeiro conhecedor… isto se, entretanto, não for atropelado por interesses
desfavoráveis ao verdadeiro conhecimento…

O que acontece com o “conhecimento” transmitido pelas religiões é coisa diferente, e pertence ao chamado “conhecimento iniciático” reservado a membros de seitas secretas ou grupos de religiosos. A escala dessa medida religiosa é-nos formatada na mente desde tenra idade por ensinamentos aferidos pela sociedade que nos concebe e produz, e é independente dos conhecimentos universais, como Matemática, Filosofia, História, Geografia ou Línguas.

Dou este exemplo: um crucifixo tem, para um cristão, rigorosamente o mesmo valor religioso que um tótem toscamente esculpido num tronco de árvore, tem para o índio norte-americano, e uma vaca para um fanático do Sri Lanka. Um católico pode considerar uma estupidez adorar uma vaca e beber-lhe a urina com fé religiosa, mas ajoelha com o mesmo fervor religioso diante de uma imagem de Fátima e de uma cruz com a representação de uma figura humana sofredora escorrendo sangue! E engole uma fina rodela de farinha, convicto de estar a deglutir o corpo do seu deus, exactamente com o mesmo fervor religioso dos fanáticos do Sri Lanka quando bebem urina das vacas consideradas animais sagrados!

É nesta adoração de elementos criados por ritos e intenções religiosas, que se encontra o verdadeiro valor das acções de religiosidade e fé. Elas são matéria de estudo de sociólogos e antropólogos que as olham com o mesmo interesse intelectual com que o
entomólogo francês Jean-Henri Fabre (1823-1915) olhava para as moscas.
Para além do valor etnológico e antropológico que faz a essência e a identificação genuína de um povo, os rituais de fé só valem pela função psicológica do efeito placebo que produzem (quando produzem, e se produzirem). A importância das religiões termina aí. A sua parte mais visível fica-se nas práticas terreais, folclóricas e sazonais.

O etéreo, o encontro real com Deus ou santos num lugar excepcional, num paraíso ou num poço infernal, para além da morte, é fábula sem quaisquer resquícios da mínima realidade. Insistir na veracidade de Deus, dos santos interventores (os eternos intermediários parasitas), e na vida além túmulo, é fábula, é paranoia, é estupidez e ignorância nata, debilidade mental… ou fé!…

Mas também pode ser poesia!…
Deus é uma criação humana. De Deus apenas existe o conceito voando dentro da cabeça do crente. Fora da cabeça das pessoas religiosas não há Deus em lado algum. Não existindo Deus, os homens criaram a paranoia de falarem por ele, com a mesma convicção de uma criança que brinca aos supermercados, cobrando pelos artigos que vende, sem possuir artigos, nem caixa registadora, nem clientes.
E depois, aqueles que brincam às religiões e às ladainhas, fazem do acto de brincar aos deuses a coisa mais importante do mundo! Mas pior do que isso é quererem impor a sua brincadeira a toda a comunidade, convictos de que é verdadeira a ideia de Deus fora das
suas cabeças, e que não há no mundo nada que se lhe compare em termos de seriedade e importância!…

É obra!?…
Querem fazer-nos crer que a divindade não só existe, como nos criou, nos protege, nos guia, nos controla, nos espia, nos premeia, nos castiga… e que todos nós estamos obrigados a crer fervorosamente nestas tretas!

E zangam-se connosco se recusarmos acreditar nessas patranhas! Inclusive, apelidam-nos de “odiosos” (mesmo sem nos conhecerem pessoalmente para poderem aquilatar do nosso amor ou do nosso ódio, o que me leva a supor que nos medem pelos suas próprias escalas e estaturas mentais) só porque não dizemos ámen com eles!

Continua a ser obra!…
Pior ainda: os fundamentalistas islâmicos, quando zangados, degolam excelentes cidadãos por isso mesmo… e assassinam, através de actos terroristas, gente anónima, animados pela convicção de as vítimas serem “infiéis”, e que Deus quer vê-las mortas!…
Terrorismo e demência em nome do bom Deus!
Disto que acabei de dizer, não tenho estatísticas.
Apenas tenho raciocínio. Serve?!…